sexta-feira, 15 de abril de 2016

Doenças transmitidas por humanos contribuíram para a extinção dos Neandertais


Quando os primeiros humanos chegaram à Europa e à Ásia, depois de uma longa peregrinação começada no interior da África, eles viajavam acompanhados. Aqueles Homo sapiens levavam consigo vírus, bactérias e outros parasitas adquiridos durante séculos de adaptação ao continente africano. No novo habitat, encontraram outra espécie de humanos – pela Europa, já circulavam grupos deNeandertais. Os registros arqueológicos indicam que a relação entre as duas espécies nem sempre foi pacífica – elas, muito provavelmente, competiam por espaço e caça. Uma nova pesquisa, conduzida por cientistas ingleses, sugere que os parasitas carregados pelos Homo sapiens tiveram papel fundamental nessa disputa. Os Neandertais não tinham defesas contra os males tropicais levados pelos humanos – acabavam infectados, doentes e menos aptos a competir. Esses micro-organismos, em certa medida, contribuíram para a extinção da espécie.

Quem defende a ideia é Charlotte Houldcroft, da divisão de Antropologia Biológica da Universidade Cambridge, do Reino Unido. Charlotte estuda doenças antigas e modernas. Ela e o colega Simon Underwood, da Universidade Oxford, coletaram material genético de fósseis de humanos e de Neandertais . A partir deles, conseguiram recuperar traços das doenças que afetavam essas populações.

As análises mostraram duas coisas. A primeira: os humanos se beneficiaram do contato com a outra espécie. Humanos e Neandertais acasalaram, o que garantiu vantagens evolutivas a seus herdeiros: “Humanos modernos carregam genes de Neandertais que parecem conferir proteção contra certas doenças infecciosas” diz Houldcroft. “Isso sugere que essas doenças eram um problema para aqueles humanos primitivos que foram para a Eurásia”.
A segunda: os humanos transmitiram doenças a seus primos hominídeos. Os fósseis de Neandertais mostraram sinais de infecção por patógenos que não existiam, originalmente, na Eurásia – a faixa única de terra que engloba Ásia e a Europa. A maioria provocavadoenças crônicas – que não matam rapidamente, mas enfraquecem quem sofre delas, dificultando a luta pela sobrevivência. O Homo sapiens levou tuberculose, úlcera estomacal, tênia, herpes e outras doenças semelhantes para a Europa.
O trabalho de Houldcroft também mostra que humanos e seus patógenos evoluíram juntos ao longo de séculos. Nesse período, nossos ancestrais desenvolveram defesas contra muitos deles.  A pesquisadora diz que essa é uma dinâmica que persiste até hoje: aos poucos, a evolução trabalha para nos proteger de certos males.

ÉPOCA: Quão sérias eram as doenças que transmitimos para os Neandertais?
Charlotte Houldcroft: Simon Underwood, que conduziu a pesquisa comigo, e eu achamos que os primeiros humanos transmitiram doenças crônicas para os neandertais. Coisas que permanecem com o indivíduo por toda a vida, e que matam vagarosamente, ou não causam a morte, apesar de afetar a saúde seriamente. Como tuberculose ou Helicobacter pylori, uma bactéria que provoca úlcera estomacal. Se as doenças fossem frequentes ou se matassem logo, os humanos portadores delas não teriam sobrevivido para fazer a viagem da África até a Europa. Não dá para estimar quantos Neandertais morreram vítimas desses males humanos – até porque, os cientistas não chegaram a um consenso quanto ao tamanho da população de Neandertais.
ÉPOCA: O caminho contrário também era comum: doenças de Neandertais ameaçaram a vida de humanos?
Houldcroft:
 Não sabemos. Mas há fortes evidências de que outros hominídeos na África transmitiram doenças aos humanos ao longo dos últimos 2 milhões de anos. Umas das doenças sobre as quais pesam as suspeitas mais fortes são a herpes simples de tipo 2, que foi transferida de chimpanzés a humanos por algum hominídeo desconhecido na África, a cerca de 1,6 milhões de anos.  Também há evidências de que parte do material genético do vírus do sarcoma de Karposi – um mal que provoca um tipo de câncer de pele – foi transmitido por outro hominídeo há cerca de 500 mil anos.
ÉPOCA: O relacionamento com Neandertais nos trouxe vantagens?
Houldcroft:
 Doenças infecciosas são um problema para qualquer espécie, não é algo exclusivo dos humanos. Mudar para um ambiente para o qual os humanos não estavam completamente adaptados – da África para a zona temperada da Eurásia – significou uma mudança nos patógenos aos quais os humanos estavam expostos. Humanos modernos carregam genes de Neandertais que parecem conferir proteção contra certas doenças infecciosas, o que sugere que essas doenças eram um problema para aqueles humanos primitivos que foram para a Eurásia. Ter DNA de Neandertal parece ter conferido proteção aos humanos modernos. Ao mesmo tempo, há trechos do genoma – como uma parte do cromossomo Y – nos quais a presença de DNA Neandertal parece trazer prejuízos.
ÉPOCA: Várias teorias atestam que a relação entre humanos e Neandertais envolvia conflitos. Nós contribuímos para a extinção dessa espécie?
Houldcroft:
 Há muitas teorias que tentam explicar como os Neandertais desapareceram. Algumas defendem que humanos se associaram a lobos e ganharam na competição por comida e caça. Há outras explicações: mudanças climáticas, conflitos diretos com humanos e...doenças infecciosas. Acredito que a explicação mais provável é de que muitos fatores contribuíram para que essa espécie desaparecesse – embora eles tenham deixado traços genéticos me humanos modernos na Europa e na Ásia.
ÉPOCA: Os humanos e os patógenos com os quais convivemos evoluíram juntos?
Houldcroft:
 Sim. Muitas bactérias e vírus evoluíram com os humanos por milhares de anos – em alguns casos, por até mais tempo que isso. Outros desses organismos começaram como patógenos ambientais, presentes naturalmente no solo, por exemplo. E se tornaram adaptados para infectar humanos à medida que a população da nossa espécie aumentava ao longo dos últimos dez mil anos. A sedentarização e o fato de que começamos a viver em grandes grupos foram fatores que ajudaram esses organismos patogênicos a se especializar em infectar humanos.
ÉPOCA: Das doenças com as quais convivemos hoje, quais têm um relacionamento mais antigo com os humanos?
Houldcroft:
 Muitas doenças são bastante antigas! Há sinais de que convivemos com a cárie dentária há centenas de milhares de anos. A família de bactérias que hoje causa brucelose (uma doença típica de vacas e caprinos) em humanos se originou em animais selvagens, e afetava hominídeos.  Há evidências de doenças semelhantes à brucelose em esqueletos de Australopitecos africanos com, no mínimo, 2 milhões de anos. A família de vírus herpevírus é antiga também – nos humanos, eles causam de tudo. De catapora a mononucleose. Os muitos diferentes vírus dessa família estão presentes em inúmeros organismos – de sapos a pássaros, passando por moluscos. São vírus muito antigos.
ÉPOCA: Você estuda doenças modernas. O que essa abordagem “arqueológica” pode nos ensinar para lidar com esses males?
Houldcroft:
 Ela nos ensina que novas doenças podem surgir a partir do ambiente ou de primatas próximas a humanos – como chimpanzés e gorilas. E isso pode acontecer a qualquer momento, o que exige que fiquemos atentos. Exemplos recentes são o vírus HIV e o vírus da Zika. Mas devemos nos lembrar também que os humanos e outros hominídeos desenvolveram defesas genéticas contra muitas das doenças infecciosas do passado, e temos razões para acreditar que esse processo de adaptação continua a ocorrer.
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