Além de caçar outros animais, os cachorros soltos ou abandonados levam doenças a outras espécies
Nana Queiroz
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Encoleirado: o estudo alerta para a importância de manter os cães sob controle em áreas de preservação ambiental
O melhor amigo do homem pode ser um dos maiores inimigos da natureza. Solto em reservas florestais ou ambientes de vida selvagem, ele pode atuar como predador ameaçando diretamente outros animais (alguns em risco de extinção) ou transmitindo doenças. É o que defende um estudo conduzido por especialistas da Universidade do Estado de Utah, nos Estados Unidos, na última edição da revista
Bioscience.
A investigação surgiu quando a bióloga Julie Young e seus colegas observavam os rebanhos da Mongólia, em 2007. Os cientistas perceberam, então, que os cães locais tinham forte impacto sobre essa população. Em seguida, decidiram estudar a interferência dos cachorros no ecossistema do país e relacionar sua conclusões a estudos sobre o tema feitos ao redor do mundo – incluindo o Brasil. “O que descobrimos foi que os cachorros podem ter dois tipos de efeitos negativos sobre a fauna de um lugar. Uma interferência direta, caçando animais, e uma indireta, espantando-os e deslocando-os para outras áreas. Existe, ainda, o perigo dos cães funcionarem como vetores de doenças que podem infectar populações inteiras”, revela Julie. “O que nos preocupa, especialmente, são as áreas em que vivem pequenos animais em extinção, que não estão adaptados a esse tipo de predador”.
Reservas ambientais - No Brasil, as conclusões do estudo se encaixam perfeitamente, segundo Marco Ciampi, que há 20 anos trabalha em defesa dos cães e atualmente preside a Associação Humanitária de Proteção e Bem-Estar Animal (Arca Brasil). “Em grandes centros urbanos, com poucas áreas verdes, esse quadro ainda se agrava. Para não abandoná-los nas ruas, muitas pessoas deixam cachorros em reservas ambientais e parques. Chegando lá, famintos e em busca da sobrevivência, esses animais se organizam em matilhas e partem para a caça, o que gera impactos significativos sobre a fauna local”.
Foi o que aconteceu em Brasília, entre 2006 e 2009, no Parque Nacional Água Mineral, caso também analisado pela equipe de Julie. Na ocasião, o grande número de cachorros desamparados na área verde prejudicou os animais que viviam no cerrado local. Outro apisódio citado pelos pesquisadores da Universidade de Utah foi o da alteração na dieta de cães e gatos no Sudeste brasileiro, em 2007. Constatou-se que, quando estavam soltos nas ruas, esses animais passavam a se alimentar de pássaros, insetos e pequenos mamíferos, como ratos, alterando a cadeia alimentar da região.
Pontos fracos - “Uma série de fatores se acumulam, tornando mais corriqueiros os danos ambientais causados pelos cachorros. Para começar, o Brasil não tem dados oficiais sobre o número de cachorros abandonados. Depois, nossa legislação é fraca nesse aspecto”, diz Ciampi. O abandono de animais não é discriminado na Lei dos Crimes Ambientais (nº 9.605), seja ele realizado em áreas de preservação ambiental ou não. “Para completar, não existe nessas áreas uma fiscalização adequada para punir os infratores”, acrescenta Ciampi.
A equipe de Julie, contudo, não se concentrou em soluções jurídicas ou governamentais. “Nossa maior intenção com esse estudo, muito mais do que sugerir políticas públicas, é conscientizar cada um dos donos de cachorros sobre a importância de se assumir uma real responsabilidade por seu animal”, defende Julie. “É preciso mantê-los em correntes e bem alimentados quando estiverem em áreas verdes e cuidar para que suas vacinas estejam em dia, especialmente quando estão em contato com novos hábitats. Agir dessa maneira é muito mais fácil do que repovoar uma área com um animal que está praticamente em extinção.”
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