sábado, 23 de abril de 2016

Nova espécie de jararaca descoberta em ilha do Espírito Santo pode estar em extinção



Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) publicaram no periódico científico internacional Zootaxa artigo em que descrevem uma nova espécie de jararaca, nativa da Ilha dos Franceses, na costa do Espírito Santo.
Localizada a menos de 5 quilômetros da praia de Itaipava, no município capixaba de Itapemirim, a Ilha dos Franceses tem cerca de 15 hectares de território e é rodeada por águas muito rasas, características que ajudaram a tornar o lugar um destino turístico da região. Devido à sua área de ocorrência reduzida e ao acesso constante de turistas à ilha, a nova espécie deve ser considerada como criticamente em perigo de extinção, alertam os pesquisadores no artigo.

“O fato de que a serpente tem toda a sua população restrita a uma pequena ilha facilmente acessível a partir da costa a torna única para estudos ecológicos e evolutivos, mas também altamente ameaçada, especialmente se considerarmos que o local já sofre deterioração pela ação humana. Essas alterações no habitat natural ameaçam sua preservação e precisam ser observadas”, alertou Ricardo Sawaya, da Unifesp, um dos pesquisadores principais do projeto temático "Origem e evolução das serpentes e a sua diversificação na região neotropical: uma abordagem multidisciplinar", realizado com apoio da FAPESP no âmbito do programa BIOTA.

Diante da deterioração da qualidade de vida do habitat natural diminuto da espécie, os pesquisadores sugerem no artigo que ela seja enquadrada na categoria de ameaça mais elevada da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), a de criticamente em perigo (CR).

“Acreditamos que a sugestão seja considerada na próxima rodada de avaliações da IUCN e que o animal seja incluído na Lista Vermelha da organização, que avalia o estado de conservação de plantas, animais, fungos e protistas, chamando a atenção da comunidade internacional para que sejam tomadas medidas de conservação”, explicou Sawaya.

Nomeada Bothrops sazimai em homenagem ao naturalista Ivan Sazima, professor colaborador do Museu de Zoologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a nova espécie tem hábitos noturnos, é semiarborícola – vive sobre as árvores e no solo – e se alimenta de pequenos lagartos e centopeias.

Jararacas ilhadas
Até a Bothrops sazimai ser descoberta, apenas três espécies de jararacas nativas de ilhas brasileiras haviam sido descritas, todas na costa paulista: a Bothrops insularis, conhecida como jararaca-ilhoa, da Ilha da Queimada Grande; a Bothrops alcatraz, ou jararaca-de-alcatrazes, nativa da Ilha de Alcatrazes; eaBothrops otavioi, da Ilha Vitória.

De acordo com as comparações feitas pelos pesquisadores, as espécies insulares possuem pequenas variações morfológicas entre si e diferem da Bothrops jararaca, a jararaca comum do continente que deve ter um ancestral em comum com as demais. Com a elevação do nível do mar e consequente separação de porções de terra do continente oceano adentro, as espécies se isolaram e se diferenciaram, provavelmente de acordo com as condições dos novos habitats. A principal diferença é o tamanho reduzido de três das quatro espécies que vivem nas ilhas, a Bothrops sazimai inclusa.

“Uma das hipóteses é que esses bichos que ficam restritos a ilhas podem ter seu tamanho reduzido pela alteração substancial da sua dieta. Jararacas do continente se alimentam quando filhotes de presas ectotérmicas, como anfíbios e lagartos, e de pequenos mamíferos quando adultas. Como não há mamíferos disponíveis, as jararacas das ilhas mantêm os hábitos alimentares de um filhote ao longo de toda a vida, adaptando-se morfologicamente a essa dieta, cujo retorno energético é mais baixo”, explicou Fausto Erritto Barbo, do Museu de Zoologia da USP, responsável pela pesquisa "Sistemática filogenética, biogeografia e revisão taxonômica do grupo Bothrops jararaca (serpentes, Viperidae)", realizada com o apoio da FAPESP.

Foram examinados 58 espécimes da nova espécie, sendo nove fotografados e liberados e apenas cinco coletados e levados da ilha para serem colocados em museus de história natural. Os dados sobre os demais espécimes da amostragem estavam disponíveis em coleções científicas.

Com câmeras de alta resolução, as fotografias foram feitas em uma distância padrão e analisadas em computadores por meio desoftwares que comparam regiões da cabeça do animal marcadas com pontos pelos pesquisadores. Foram realizadas análises de dois tipos: lineares, comparando-se o tamanho do corpo e da cauda, e geométricas, que detectam variações de forma da cabeça.

Os espécimes foram comparados com 154 exemplares de Bothrops jararaca de diferentes localidades do continente, distribuídas entre os estados do Espírito Santo (82), São Paulo (30), Paraná (23), Santa Catarina (9) e Rio Grande do Sul (10). Também foram feitas comparações com oito espécimes de B. alcatraz, 26 de B. insularis e 31 de B. otavioi.

Por meio das comparações morfológicas, os pesquisadores identificaram o conjunto de nuances que distingue a população de jararacas da Ilha dos Franceses das serpentes que ocorrem no continente e nas demais ilhas onde novas espécies foram descobertas.

Os resultados do estudo estão disponíveis no artigo Another new and threatened species of lancehead genus Bothrops (Serpentes, Viperidae) from Ilha dos Franceses, Southeastern Brazil, em biotaxa.org/Zootaxa/article/view/zootaxa.4097.4.4. Além de Sawaya e Barbo, assinam João Luiz Gasparini, do Departamento de Ecologia e Oceanografia da Ufes; Antonio P. Almeida, da Reserva Biológica de Comboios do ICMBIO; Hussam Zaher e Felipe G. Grazziotin, do Museu de Zoologia da USP; e Rodrigo B. Gusmão e José Mário G. Ferrarini, com mestrado em Ecologia e Evolução pela Unifesp.

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