O ex-ministro da Saúde José Gomes
Temporão (PSB-RJ) diz que apoiará a ação pelo direito legal ao aborto de
fetos com microcefalia, que deve ser levada ao Supremo Tribunal Federal
nas próximas semanas.
Nas palavras do médico, atual diretor executivo do Instituto Sul-americano de Governo em Saúde (ISAGS), o projeto "já nasceria derrotado" caso a discussão acontecesse na Câmara dos Deputados. "Jamais passaria. Este é talvez o mais reacionário corpo de deputados e senadores da história republicana", diz.
Daí vem a escolha pelo poder Judiciário. "O Brasil vive um momento na política em que o cinismo, a mentira e a hipocrisia têm que terminar no contexto do aborto. Temos que enfrentar a realidade e deixar de fingir que não estamos vendo o que acontece. Abortos ilegais são feitos todos os dias nas camadas mais ricas da sociedade."
Como a BBC Brasil revelou na última quinta-feira, o mesmo grupo de advogados, acadêmicos e ativistas que articulou a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos no STF, acatada em 2012, se organiza para levar ação similar à Suprema Corte em meio à epidemia de microcefalia que se espalha pelo país.
À frente da ação, a professora Debora Diniz diz que a interrupção de gestações "é só um dos pontos de uma ação maior", que também cobra políticas que erradiquem o mosquito Aedes aegypti, vetor do zika vírus, e garantias de acompanhamento e tratamento de crianças com deficiência ou má-formação por conta da doença.
'Que país é este?'
Durante seu mandato como ministro, Temporão defendeu publicamente, por diversas vezes, o direito à escolha pelo aborto legal como questão de "saúde pública". Na época, chegou a afirmar que a discussão era conduzida no país "de forma machista"."A presidente Dilma nunca falou sobre o assunto e nenhum dos ministros que me sucedeu tocou no tema. Eu me arrisquei, botei meu rosto no debate e nunca recuei", diz hoje, se definindo como um "homem militante da causa feminista".
"A questão tratada nesta demanda ao Supremo se refere aos direitos da mulher", prossegue Temporão. "Caso seja comprovada esta relação entre zika e microcefalia, a mulher deve ter o direito de levar a gravidez adiante ou não."
O avanço da microcefalia e do zika vírus nas Américas foi declarado como emergência internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em reunião em Genebra nesta segunda-feira. Segundo a organização, o zika seguirá se alastrando rapidamente pelo continente e poderá afetar até 4 milhões de pessoas neste ano, com até 1,5 milhão de vítimas no Brasil.
A OMS ainda investiga a "potencial" relação entre o vírus e os casos de microcefalia, diz Bruce Aylward, diretor-executivo da instituição.
"Nesta etapa, o que precisamos é obter mais evidências científicas e de saúde pública que deem substância à questão que irá ao Supremo", argumenta Temporão. "Há robustas evidências epidemiológicas e clínicas, mas ainda não há comprovação determinada e absoluta. Por isso coloquei que é muito importante ouvir e ler mais sobre o tema."
O ex-ministro, que atendeu ao telefonema da reportagem em um hotel em Quito, no Equador, cita diversas o médico Drauzio Varella, que afirmou à BBC Brasil nesta terça-feira que a proibição do aborto no Brasil "pune quem não tem dinheiro".
"Que país é este que faz vista grossa para que a classe média faça o aborto e coloca na cadeia aquelas que ousam fazer, mas são pobres?", indaga Temporão, afirmando que o Brasil e a maioria dos países da América Latina estão entre os "mais atrasados do mundo" na legislação sobre o aborto legal.
'Falsa impressão'
Para o médico, que não quis comentar a gestão do atual ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB-RJ), "é um absurdo que a sexta economia do mundo tenha índices tão altos de infestação" pelo vírus."Basta comparar bairros mais ricos e mais pobres, a diferença (na incidência da doença) é gritante. Isso coloca em risco de maneira diferenciada essas mulheres", afirma.
Temporão afirma que haveria "uma falsa impressão" de que epidemia seria fruto da "negligência das pessoas". Para o ex-ministro, a principal culpa é do Estado, que não ofereceria "coleta de lixo, fornecimento correto de água e esgotamento sanitário" de forma adequada.
"Cerca de 80% dos focos no Nordeste não estão lá por culpa das famílias. Elas não têm acesso a água de forma contínua, por isso estocam. O Brasil enfrenta surtos permanentes de zika, dengue e chikungunya há 30 anos porque estas questões não foram atacadas."
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