quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Saiba como cidades podem fazer Brasil retroceder em metas de clima


Poluição no rio Tietê em São Paulo gera onda de espuma; menos da metade do esgoto do país é coleta

O Brasil vem conseguindo reduções significativas de suas emissões de carbono, segundo dados do governo federal. Em 2012, o volume era 41,1% menor do que em 2005, graças a ações em setores como agricultura, florestas e uso do solo.

Mas, de acordo com a cientista Suzana Kahn, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), estas emissões podem voltar a aumentar se não houver um esforço de redução nas cidades brasileiras.

A pedido da fundação americana Bloomberg Philanthropies, Kahn realizou um estudo em parceria com a pesquisadora Isabel Brandão para avaliar oportunidades de redução de emissões nas áreas urbanas do país.

O trabalho mostra que uma melhor gestão em três áreas – resíduos (esgoto e lixo), transporte e uso eficiente de energia - pode dar um grande impulso à mitigação de impactos ambientais e, ao mesmo tempo, aponta que pouco tem sido feito em relação a elas.

"Ações neste sentido ainda são muito incipientes. Há uma ou outra iniciativa isolada voltada para pontos específicos, como qualidade do ar ou congestionamento e que acaba gerando benefícios para o clima, mas o objetivo principal não tem como foco o meio ambiente", afirma Kahn.

Amanada Eichel, da Bloomberg Philanthropies e conselheira especial para assuntos climáticos do ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, diz que, se o Brasil não incluir metas voltadas para cidades em seus planos de redução de emissões, o país pode retroceder em suas metas climáticas.

"O Brasil já é muito urbano: 84% da população vive em cidades, e este índice subirá para 90% em cinco anos. No entanto, a política climática nacional é muito focada em ações em florestas e na agricultura", afirma Eichel.

"Os resultados destas ações têm sido impressionantes, mas o país ainda não percebeu a oportunidade que existe nas cidades. Se não agir em outros setores além destes em que já vem atuando, a expectativa é que as emissões do país voltem a aumentar entre 2020 e 2030."


Residências e edifícios comerciais respondem por 50% do consumo de energia do país 

Na prática, isso pode vir a comprometer metas anunciadas pela presidente Dilma Rousseff na ONU em setembro e que serão apresentadas na Conferência do Clima em Paris, que terá início em 30 de novembro. Entre os principais objetivos, está a redução das emissões em 43% até 2030.

Entre as ações propostas para isso - fim do desmatamento ilegal, restauração de florestas e pastagens e aumento da participação de fontes renováveis na matriz energética -, não há nenhuma voltada especificamente para as áreas destacas no relatório da Coppe-UFRJ.

"As cidades têm um poder muito grande neste sentido, porque estão mais próximas dos cidadãos, e seus gestores podem ser mais cobrados por resultados", afirma Kahn.

"Os prefeitos também são os principais interessados, pois os impactos das mudanças climáticas afetarão principalmente as áreas urbanas."

O estudo destaca, por exemplo, que menos da metade do esgoto produzido no país é coletado e, deste volume, apenas 40% é tratado. Neste quesito, o Brasil é 112º do mundo entre 200 países no Índice de Desenvolvimento Sanitário, da Organização Mundial da Saúde.

"Isso é chocante", afirma Eichel. "Melhorias nesta área trariam não só melhorias para qualidade de vida, mas também benefícios significativos para o clima, porque o metano que é liberado pelo esgoto e pelo lixo é mais prejudicial que o carbono."

O relatório aponta também que residências e edifícios comerciais em áreas urbanas respondem por 50% do consumo de eletricidade do país. Se forem cumpridos novos padrões de eficiência energética nestas construções, como aproveitamento da luz natural, poderiam ser economizados no país 25.000 GWh, segundo o estudo.

Em setembro, de acordo com os dados mais recentes da Empresa de Pesquisa Energética, órgão ligado ao ministério de Minas e Energia, o consumo do país foi de 37.701 GWh.

Transporte

Governo Federal
  Incentivo ao uso de transporte público pode ter o maior impacto na redução de emissões
O relatório identifica também a área de transporte como a de maior potencial de redução, pois este setor responde pela maior parte das emissões em cidades brasileiras.

A pesquisa aponta que a Política Nacional de Mobilidade Urbana (que autoriza estados e municípios a restringir circulação de veículos, entre outras coisas), lançada em 2012, pode reduzir até 2020 as emissões de transporte de passageiros em 19,5 milhões de toneladas de CO2 até 2020. Seria o mesmo que anular quase todas as emissões de uma cidade do porte do Rio, onde 22 milhões de toneladas de CO2 foram emitidas em 2012.

"Para isso, seria necessário não só melhorar o transporte público, mas também restringir o uso do carro, criando pedágios urbanos e vetando sua circulação em áreas da cidade", defende Kahn.

"Se não houver este tipo de penalidade, que é impopular do ponto de vista político, as pessoas dificilmente deixarão o carro em casa, porque é um meio de transporte mais confortável."

O relatório destaca iniciativas como o BRT, no Rio de Janeiro. Segundo dados do estudo, o índice de pessoas usando meios de transporte de massa na cidade atingirá 63% em 2016, ante 18% em 2010, antes da criação deste sistema de corredores exclusivos para ônibus.

Eichel, da Bloomberg, destaca, no entanto, que investimentos na infraestrutura de transportes levam tempo e, por isso, é importante atuar nas outras duas áreas para que objetivos sejam atingidos no curto prazo.

"Apesar de terem mais impacto, mudanças na rede de transporte demoram mais a gerar benefícios. As oportunidades de redução com mais eficiência energética podem ter, por exemplo, um efeito quase imediato."

Rafael Barifouse
Da BBC Brasil em São Paulo 

Fonte: BBC Brasil



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