domingo, 4 de janeiro de 2015

Mais carinho no manejo de bezerros leiteiros: uma experiência bem sucedida*


A criação de bezerros leiteiros, principalmente do
nascimento ao desaleitamento, exige boas práticas de
manejo e muita atenção a detalhes. Estima-se que 75%
das mortes de bezerros ocorrem até 28 dias de idade,
sendo bem conhecido que a saúde e o crescimento de
bezerros são dependentes de fatores que ocorrem antes,
durante e logo após o parto.
Em muitas fazendas leiteiras, mesmo dentre aquelas
que utilizam tecnologias inovadoras para alimentação
e produção de leite, existem situações que colocam o
bem-estar dos bezerros em risco, e que podem resultar
também em perdas econômicas. Por exemplo, falhas
na ingestão de colostro podem resultar no aumento
das taxas de morbidade e de mortalidade. Muitas vezes
essas falhas (ou sucessos) dependem das ações das
pessoas responsáveis pelo manejo, é evidente que há
uma tendência para redução do tempo despendido em
interações positivas entre as pessoas e os animais.
Há ainda a predominância de interações aversivas,
geralmente associadas a certos manejos (como, por
exemplo, transporte, medicação, vacinação, etc). Esta
combinação, pouca interação positiva e muita interação
negativa, geralmente levam os animais a desenvolverem
estados emocionais negativos, como o de medo
em relação ao homem, com conseqüências negativas sobre
seu bem-estar e suas repostas produtivas (Lensink,
2002). Assim, o entendimento das relações entre nós
(humanos) e os animais é muito importante para orientar
as ações desenvolvidas no âmbito da produção animal,
pois têm efeito direto na definição de estratégias
de produção que irão influenciar tanto o bem-estar dos
animais e a satisfação dos trabalhadores, quanto os resultados
produtivos e econômicos da atividade.
O conceito de bem-estar é muitas vezes mal compreendido,
em geral é assumido como o estado de perfeito
equilíbrio físico e emocional de um dado animal com seu
ambiente; esta concepção não leva em conta a condição
de que há muitos estágios no sentir-se bem De fato em
nossa opinião na prática é pouco provável encontrarmos
um animal em estado de absoluto bem-estar.
Assim, assumimos ser melhor a definição apresentada
por Broom e Johnson (1993) em que bem-estar é
definido como estado de um organismo durante suas
tentativas de se ajustar com o seu ambiente. De acordo
com este conceito o bem-estar envolveria, em termos
de qualidade de vida, todas as situações, desde aquelas
que colocam a vida do animal em risco até outras em
que ele estaria em plena harmonia com seu ambiente,
portanto não sendo sinônimo de “estar bem”.
Um ponto importante, no desenvolvimento de
ações que promovam (melhorem) o bem-estar animal,
é buscar o conhecimento do comportamento do animal
de interesse. No caso dos bovinos é importante
saber que são altamente gregários, assim o alojamento
de bezerros leiteiros em grupos, ao invés de individualmente,
seria um passo importante em direção da
melhoria de seu bem-estar (Bouissou et. al., 2001).
Esta idéia encontra respaldo em outros autores, por
exemplo, Nussio (2006), afirmou que muito embora
a disseminação de doenças e o controle do consumo
de ração sejam prejudicados, a criação de bezerros em
grupos pode trazer algumas vantagens tanto para os
animais como para produtores.
Uma destas vantagens seria a possibilidade de interação
social mais cedo, muito importante para o
desenvolvimento de comportamento social normal.
Outra vantagem é maior espaço físico disponível para
o animal, quando comparado a bezerros criados individualmente,
o que também promoverá a expressão
de comportamentos naturais com maior freqüência.
A criação de bezerros em grupos também pode reduzir
a necessidade de mão de obra relacionada ao
tempo para a alimentação dos animais, assim como
a limpeza de baias individuais ou transporte de casinhas.
Porém, interação humano-bezerro pode diferenciar-
se quando comparado com alojamento em
grupo e alojamento individual.
Uma experiência interessante nesse sentido está
sendo desenvolvida pelo nosso grupo (Grupo ETCO)
na Fazenda Germânia, localizada em Taiaçu-SP, que
tem um rebanho de 330 vacas em lactação e uma
média de 20 nascimentos de bezerros/mês. Nesta
fazenda a ocorrência de doenças (principalmente
diarreia e pneumonia) e a taxa de mortalidade de bezerros
eram muito altas; os bezerros eram mantidos
em baias individuais e havia pouca interação positiva
com os tratadores.
Este tipo de manejo, denominando manejo tradicional
(MT) continuou sendo aplicado a um grupo de
bezerros e um outro grupo recebeu o manejado racional
que envolvia, dentre outras coisas, uma maior
frequência de interações positivas com as tratadoras e
a criação em grupo (coletiva). Num curto espaço de
tempo (menos de 30 dias) foram notadas mudanças
expressivas, com decréscimo do uso de medicamento
e na taxa de mortalidade. A partir dessa experiência os
responsáveis pela fazenda resolveram adotar o manejo
racional como rotina.
Com base no levantamento de dados da fazenda
do período de setembro de 2004 a agosto de 2006
foi possível fazer uma comparação entre os dois tipos
de manejo, caracterizando o período I (setembro
de 2004 a agosto de 2005) como o de prevalência do
manejo tradicional (MT) e o período II (de setembro
de 2005 a agosto de 2006) como o de prevalência do
manejo racional (MR).
No MT os bezerros eram alojados até 30 dias de
idade em baias individuais (1,5 x 0,75m) instaladas
dentro de um galpão (Figura 1), cujo piso era coberto
com fina camada de maravalha; os bezerros recebiam
em média 5 litros de leite por dia (em duas mamadas)
em baldes individuais e havia oferta de ração
concentrada e água a vontade. Posteriormente eram
transferidos para casinhas tropicais (Figura 2), onde
permaneciam até a desmama (por volta de 70 dias de
idade). Nesta instalação a ração concentrada era oferecida
duas vezes ao dia, com a inclusão de feno na dieta,
sendo que a água era fornecida à vontade.
No MR os bezerros até 30 dias de idade eram mantidos
no mesmo galpão, aumentando-se as dimensões
das baias, que passaram a ser de 1,5 x 1,5m com o piso
coberto por capim seco, com pelo menos 10 cm de
cobertura (Figura 3); além disso, o leite passou a ser
fornecido em baldes com bico (para o bezerro sugar) e
enquanto mamavam eram escovados pelas tratadoras
até terminarem de mamar.
Foram adotados os seguintes procedimentos de manejo:
nos cinco primeiros dias de vida os bezerros recebiam
colostro á vontade (da mesma forma que durante o
MT, sendo no primeiro dia recebiam o colostro da própria
mãe e nos quatro dias restantes era utilizado o banco
de colostro da fazenda); do 5° ao 20° dia era fornecido
6 litros de leite/bezerro/dia, em duas mamadas por dia.
Do 20° ao 30° dia a quantidade de leite diminuiu para 5
litros/dia; após a mamada da manhã os bezerros eram
soltos em um piquete (Figura 4). Os bezerros entre 1 e
15 dias de idade permaneciam no piquete somente pela
manhã, e retornavam para o galpão por volta de 11h, enquanto
que os bezerros mais velhos permaneciam o dia
todo no piquete, indo para o barracão somente por volta
de 17h. A ração concentrada e água estavam disponíveis
à vontade no piquete e nas baias individuais.
A partir do 30° dia os bezerros eram transferidos
para um piquete, onde permaneciam até a desmama,
por volta de 70 dias. Neste piquete havia uma
pequena área coberta, onde ficava situado o cocho
para oferta de alimentos, neste local recomendava-
-se a colocação de cama (capim seco) que deveria ser
mantida sempre limpa e seca.
Entre 30 e 55 dias de idade os animais recebiam
4 litros de leite/dia, ainda em duas mamadas, com
decréscimo progressivo até a desmama (com 3 litros
entre 55 e 60 dias de idade já em apenas uma mamada,
2 litros de 60 a 65 dias e apenas 1 litro entre 65 e 70 dias
de idade. O aleitamento nesta instalação também foi
feito em balde com bico, e a escovação individual nos
bezerros durante a mamada era mantida.
Ração concentrada e feno eram fornecidos duas vezes
ao dia e os bezerros dispunham de água a vontade.
Com a adoção do manejo racional houve expressiva
redução nas mortes de bezerros, de 6,67±3,85 para
2,25±2,21 mortes por mês para os manejos tradicional e
racional, respectivamente (Teste t emparelhado: t=3,11;
GL=11; P=0,01). Bem como, foi menor a freqüência de
uso de antibióticos, de 36,42±14,71 para 18,51±14,78
tratamentos por mês para os manejos tradicional e
racional respectivamente (teste t emparelhado: t= 2,4;
GL=11; P=0,035).
Além disso, ficou evidente que os bezerros submetidos
ao manejo racional se mostravam mais ativos
e vigorosos. Assim, além da melhoria dos índices de
produtividade, o manejo mais íntimo e positivo com
os bezerros possibilitou a obtenção de características
comportamentais desejáveis.
Assim, concluímos que mudanças simples de instalações
e de manejo podem melhorar as condições de
vida de bezerros leiteiros, com reflexos positivos na
sua saúde e taxa de sobrevivência. Para tanto devemos
tratar cada bezerro como se fosse único, dedicando-
-lhe atenção e carinho.


BIBLIOGRAFIA
Broom, D.M., Johnson, K.G., 1993. Stress and animal welfare.
Chapman & Hall, London, 211pp
Lensink, B. J., 2002. A relação homem-animal na produção
animal. I Conferência Virtual Global sobre produção
orgânica de Bovinos de Corte, 02 de setembro à 15 de
outubro - Via Internet.
Nussio, C.M.B.; Comportamento ingestivo de bezerros leiteiros
criados em grupos, disponível em www.milkpoint.
com.br, com acesso no dia 06/07/2006.




Lívia Carolina Magalhães Silva e
Mateus J. R. Paranhos da Costa
Grupo ETCO - Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e
Ecologia Animal, Departamento de Zootecnia, FCAV-UNESP,
14884-900, Jaboticabal-SP, Brasil.
*Texto publicado no site da Milkpoint 25/01/2007


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