Ao tratar com melatonina células metastáticas de câncer de mama cultivadas in vitro, pesquisadores da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) observaram uma redução em torno de 55% na capacidade de migração e invasão celular. Experimentos feitos com camundongos mostraram que o tratamento também é capaz de diminuir a progressão da doença in vivo.
Os resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP, foram divulgados no Journal of Pineal Research.
“Esses dados reforçam a hipótese, já apontada em estudos anteriores do grupo, de que doses terapêuticas de melatonina – acima do que normalmente é encontrado no organismo humano – poderiam funcionar como adjuvante no tratamento do câncer”, afirmou Thaiz Ferraz Borin, que desenvolveu o trabalho durante seu pós-doutorado, realizado no Laboratório de Investigação Molecular do Câncer (LIMC-Famerp) sob supervisão da professora Debora Zuccari.
A melatonina é um hormônio secretado naturalmente pela glândula pineal, localizada no cérebro, e participa da regulação do ciclo de sono e vigília em todos os mamíferos. Estudos recentes têm mostrado que ela também ajuda a regular outros importantes processos, como pressão arterial, ingestão alimentar, gasto energético, síntese e ação da insulina nas células.
O grupo coordenado por Zuccari na Famerp vem há alguns anos estudando, com auxílio da FAPESP, o efeito da melatonina sobre o câncer – particularmente sobre um tipo agressivo de tumor de mama conhecido como triplo negativo, que não responde nem ao tratamento antiestrogênico, nem à quimioterapia, nem à radioterapia e tem maior tendência a formar metástase (Leia mais em agencia.fapesp.br/17443/).
“Nós temos estudado como a melatonina afeta a angiogênese (formação de novos vasos que vão nutrir o tumor), o microambiente tumoral (que pode favorecer ou dificultar a passagem das células malignas para a circulação), a formação de metástase e a expressão de proteínas e de microRNAs importantes para a progressão da doença”, contou Zuccari.
Segundo a pesquisadora, o objetivo é entender por meio de quais mecanismos a melatonina atua, pois isso pode favorecer novas abordagens terapêuticas contra o câncer. “Já havia alguns trabalhos mostrando que ela inibia a metástase, por exemplo, mas não mostravam como isso acontecia”, disse Zuccari.
Esse foi o tema explorado durante o pós-doutorado de Borin. Os experimentos in vivo foram feitos nos Estados Unidos, graças a uma parceria com o pesquisador Ali Syed Arbab, atualmente na Georgia Regents University.
O grupo focou as atenções no efeito da melatonina sobre a expressão de ROCK-1 (proteína quinase associada a Rho, na sigla em inglês), molécula responsável por fornecer ATP (adenosina trifosfato, molécula que armazena energia) para a contração do citoesqueleto da célula, algo necessário para o processo de migração e invasão celular. Estudos anteriores já haviam mostrado que a expressão dessa proteína frequentemente está aumentada em células metastáticas.
“Nos trabalhos anteriores, um tumor primário de mama era induzido em animais e depois era observado se o tratamento com melatonina impedia ou não a formação de metástase. No nosso caso, injetamos sistemicamente células metastáticas em animais imunossuprimidos. Dessa forma, todos desenvolviam metástase pulmonar e nós pudemos observar o efeito do tratamento com melatonina”, disse Borin.
As células metastáticas de câncer de mama humano foram injetadas na veia caudal de camundongos, que então foram divididos em três grupos. O primeiro recebeu durante duas semanas injeções intraperitoneais de melatonina. O segundo recebeu durante o mesmo período injeções de uma substância chamada Y27632, capaz de inibir a síntese da proteína ROCK-1. O último grupo recebeu apenas placebo.
Após o término do tratamento os animais foram avaliados por uma metodologia conhecida como tomografia por emissão de pósitrons (SPECT, na sigla em inglês), na qual é administrado um radiofármaco que é mais absorvido por células com alta atividade mitocondrial, como as tumorais, que então tornam-se cintilantes no exame de imagem.
O grupo tratado com melatonina apresentou 40% menos metástase que o grupo placebo. Nos animais que receberam o inibidor de ROCK-1 a redução foi de 58%.
Em um outro experimento, animais tratados com melatonina durante cinco semanas apresentaram 25% menos metástase que o grupo que recebeu placebo. Neste caso não foi usado inibidor de ROCK-1.
“Essa substância Y27632 não pode ser usada como um medicamento, pois pode induzir morte celular se administrada por um período prolongado. Nós a usamos em um dos experimentos apenas para comprovar que o efeito antimetastático da melatonina estava relacionado com a produção de ROCK-1”, explicou Borin.
Ainda segundo a pesquisadora, ao comparar o tecido pulmonar dos grupos tratados com melatonina e com Y27632, notou-se que, no primeiro, o tumor estava mais localizado e o tecido pulmonar, mais bem preservado.
Nos experimentos in vitro, observou-se que a melatonina reduz em 50% a expressão de ROCK-1 e em 55% a capacidade de migração e invasão das células tumorais. A substância também inibiu a viabilidade e a proliferação das células em cultura.
Atualmente, a pesquisadora está investigando como a melatonina pode modular a ação de certos microRNAs – pequenas moléculas de RNA que não codificam proteínas, mas regulam a expressão dos genes codificadores – que normalmente estão superexpressos nas células metastáticas.
“Acreditamos que alguns desses microRNAs degradam genes com papel de suprimir tumores e que a melatonina pode reverter esse processo”, disse Borin.
Segundo Zuccari, também está nos planos do grupo a realização de ensaios clínicos com pacientes portadores de câncer de mama que não respondem a outros tratamentos.
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