A insuficiência renal, as patologias do foro endócrino, como a diabetes e o hipertiroidismo, e as doenças oncológicas são as patologias mais frequentes nos gatos e que suscitam maior procura de consultas no médico veterinário. Mas alguns sintomas também preocupam os donos de felinos, como por exemplo a perda de apetite, a perda de peso, a condição corporal e a prostração.
“Independentemente do que motiva a ida ao veterinário, a maioria dos gatos apresenta problemas do foro dentário que implicam dor, mas que passam despercebidos aos donos. Raramente a preocupação com a saúde oral do gato é o motivo da consulta e quando o é já se tornou num problema, sendo já muito grave e evidente. Os problemas dentários também são mais prevalentes em animais geriátricos”, explica a diretora clínica do Hospital do Gato, Maria João Dinis Fonseca. São também relevantes os problemas cognitivos frequentes em “50% dos gatos com idade superior a 15 anos. Os mesmos devem constituir um parâmetro a avaliar numa consulta geriátrica, mas são frequentemente subvalorizados pelo proprietário”, acrescenta a veterinária.
Na Clínica Veterinário do Castêlo, “a doença articular degenerativa, a gengivite e a pressão arterial elevada” são motivos de recorrência a consulta, conforme salienta o médico veterinário e diretor clínico Carlos Paulos. As consultas de rotina são fundamentais para o diagnóstico atempado de patologias que afetam os felinos em idade geriátrica. A adequada preocupação dos donos no que à Medicina Preventiva diz respeito divide a opinião dos veterinários. Maria João Dinis Fonseca considera que a prevenção é muito mais do que “protocolos vacinais e desparasitação”, sendo fundamental realizar “check-up´s, manter um plano nutricional adequado, promover o exercício físico, o estímulo cognitivo e promover o bem-estar do gato no seu ambiente com enriquecimento ambiental”.
A experiência clínica de Cristina Sobral, presidente do grupo GIEFEL (Grupo de Interesse Especial em Medicina Felina) diz-lhe que, por norma, os felinos não apresentam apenas um problema de saúde. “Normalmente temos de lidar com múltiplas patologias difíceis de conjugar. A mais comum é: Insuficiência renal crónica + hipertiroidismo + hipertensão + cardiomiopatia hipertrófica. Depois, temos também um problema enorme de má absorção e má assimilação / má digestão que faz com que os gatos geriátricos se apresentem normalmente com grande perda de peso e massa muscular, embora mantenham um bom apetite”. No fundo, a geriatria felina passa por acompanhar o envelhecimento do gato de um ponto de vista mais global. E para que esta mensagem passe aos donos dos felinos, o conhecimento sobre a espécie continua a ser uma das principais “e mais desafiantes tarefas a quem se dedica à Medicina Felina”.
Ainda que muitos donos cumpram escrupulosamente os protocolos vacinais, existe alguma relutância para tornar este acompanhamento mais abrangente ainda que “de há 20 anos para cá, a sensibilidade e recetividade dos proprietários também seja cada vez maior, permitindo trabalhar cada vez de um modo mais protocolar”. Na opinião de Helena Felga, diretora da Clínica dos Gatos, os donos mais experientes, ou seja, aqueles que já tiveram ou têm mais do que um gato estão mais alertados para os problemas de saúde. “Aos donos mais inexperientes é nossa política mantê-los informados, ao longo do percurso de vida do animal e das patologias típicas desta idade”, afirma.
São as consultas de rotina que alertam para os primeiros sinais de envelhecimento, “tanto ao nível do exame físico, como da anamnese”, refere Alexandra Seixas, diretora clínica do Hospital Veterinário Eden Vet. Este hospital preconiza a prevenção do envelhecimento precoce com o objetivo de tornar os “proprietários mais responsáveis e conscientes da saúde do seu animal”. Opinião distinta tem Carlos Paulos por considerar que, apesar de ser notório um maior interesse resultante do aumento do número de gatos domésticos nos lares portugueses, grande parte dos “felinos geriátricos não recebe os cuidados adequados à sua idade, principalmente por falta de informação dos proprietários”.
Além do crescimento da população felina, o aumento da esperança média de vida destes animais tem permitido aumentar “a casuística relacionada com os problemas geriátricos. Os médicos veterinários mantêm-se a par das novidades e tentam sempre ter a formação necessária para corresponder às necessidades de conhecimento exigidas na prática clínica”, acrescenta o diretor clínico. O interesse pela geriatria felina surge com naturalidade. “A Medicina Felina tem vindo a desenvolver-se muito nos últimos três anos e são cada vez mais os colegas que se dedicam ao assunto. O Hospital do Gato recebe muitos colegas já licenciados que pedem para estagiar aqui”, assinala Maria João Dinis Fonseca.
Alertar para a questão do peso
É um dos temas a que se deve ter mais atenção e por vezes acaba por ser descurado. “Muitas vezes, e com culpa nossa, os donos consideram normal que o gato geriátrico se apresente magro e com perda muscular, apesar de não evidenciar nenhuma patologia. Procuro sempre esclarecer que o problema pode estar no tipo de alimentação fornecida ao gato”, defende Cristina Sobral.
A questão do peso é fundamental mas, para tal, há que estar atento. “Todos devíamos alertar os donos para que estejam mais alertas sempre que o gato apresente os seguintes sinais: perda de peso sem motivo aparente, aumento de consumo de água ou produção de urina, aumento da frequência do vómito, alteração de rotinas do gato”, sublinha a médica veterinária. No seu caso particular pede regularmente aos donos de gatos geriátricos que os pesem com regularidade, “pois se o gato perde 200 ou 300 gramas é muito fácil passar despercebido ao dono e geralmente pode indicar atempadamente que algo pode estar a correr mal”.
Como clínica exclusivamente dedicada à Medicina Felina, no Porto, a Clínica dos Gatos tem a preocupação de disponibilizar aos seus pacientes, em particular os geriátricos, “uma boa qualidade de vida e uma sensibilização dos proprietários para os problemas mais frequentes”. Na opinião de Helena Felga, os médicos veterinários em geral estão “minimamente sensibilizados para as particularidades felinas, em especial, a fase geriátrica”.
O diagnóstico precoce de várias doenças que afetam os felinos em idade geriátrica pode fazer de facto a diferença. É que “o mais atento dos donos pode não aperceber-se de quão doente está o seu gato e isto relaciona-se com a própria natureza destes animais”, revela a diretora clínica do Hospital do Gato. Em algumas patologias, como a insuficiência renal, o diagnóstico atempado pode significar “o aumento da sobrevida do gato”, e no caso de alguns tumores pode ser a diferença entre “uma cirurgia curativa e uma cirurgia apenas paliativa”. Apesar de a Medicina evoluir todos os dias, apenas com a informação e colaboração dos donos é possível “aplicar os meios disponíveis”, sugere Maria João Dinis Fonseca.
Os planos terapêuticos adaptados ao temperamento de cada paciente são fundamentais. “Existe hoje uma maior disponibilidade de ferramentas diagnósticas e terapêuticas para os gatos de idade avançada. No entanto devemos ser cuidadosos e avaliar a qualidade de vida destes pacientes. Estes são menos tolerantes às mudanças, às intervenções médicas e à hospitalização, em comparação com os gatos jovens. O grau de tolerância varia de gato para gato”, refere Carlos Paulos.
E se o acompanhamento e devido encaminhamento dos animais podem aumentar a esperança média de vida, também as condições do agregado familiar são cruciais. “Clinicamente somos confrontados com pacientes cada vez mais idosos e em melhor estado clínico. Surge então a necessidade de avaliar detalhadamente estes felinos e protocolar as patologias relacionadas com este envelhecimento”, defende Alexandra Seixas.
As principais doenças geriátricas felinas são “o resultado de processos crónicos que se arrastam, por vezes, por tempo demasiado. Assim, as novas abordagens relacionadas com a geriatria felina têm-se debruçado principalmente sobre o estudo do ambiente onde o gato se encontra, e sobre o estudo do comportamento felino, de forma a se minimizarem os fatores de stresse que muito contribuem para o aparecimento e agravamento de patologias, como a insuficiência renal crónica e oncologia”, afirma David Ferreira, vice diretor do Hospital Veterinário Eden Vet.
Prolongar a qualidade de vida
A geriatria felina tem como objetivo principal “prolongar o tempo de vida dos pacientes, mantendo ao máximo a sua qualidade de vida”, explica Helena Felga. Consoante o problema diagnosticado e devidamente monitorizado são necessárias “consultas de controlo e a avaliação contínua, bem como a resposta do paciente, ajustando as terapias em função de cada caso em particular”. E qual o período recomendado para as visitas ao médico veterinário? “Apenas consultas anuais ou binuais conseguem rastrear a saúde dos gatos de forma efetiva. Nestas consultas, além do exame físico completo irá ser incluindo um painel analítico e exames imagiológicos. Cabe ao veterinário conseguir transmitir a importância da realização atempada destes exames. Não nos podemos esquecer que a idade, por si só, não é uma doença”, salienta a diretora clínica do Hospital do Gato.
O conhecimento do comportamento do animal é o primeiro alerta para os proprietários. Quando o gato se comporta de forma diferente, por norma recorrem ao médico veterinário. “Mas nesta fase provavelmente já temos alguma patologia iniciada e com sintomas clínicos e a isto chamo de correr atrás do prejuízo”, explica Alexandra Seixas. A relação construída dentro de um consultório veterinário deve ir mais além da resolução da causa da visita, cabendo ao veterinário “o alerta e a sensibilização para a consciência de que o gato que ali se encontra está a envelhecer e, como tal, as suas necessidades são outras. A abordagem integrada entre o animal, o dono, o ambiente, a alimentação e a história clínica anterior são a rampa de lançamento para a criação de um protocolo individual, com conhecimento e participação do cliente e do médico veterinário”, acrescenta.
A Clínica dos Gatos aproveita a consulta anual de vacinação para recolher uma história clínica detalhada, na qual são despistadas as principais patologias geriátricas e realizado um exame físico detalhado. “Em gatos com mais de sete anos aproveitamos essa consulta para proceder à medição da pressão arterial e nessa altura explicamos a importância de recolher uma amostra de sangue para um perfil analítico e assim avaliar a função hepática, renal e tiroideia, de forma a fazer acompanhamentos mais frequentes para detetar problemas em fases iniciais”, afirma Helena Felga.
Em simultâneo, os médicos veterinários devem transmitir a necessidade de realizar check-ups’s regulares ao gato geriátrico de modo a despistar qualquer patologia numa fase inicial. “É necessário relembrar os donos de adequar o ambiente, bem como a alimentação a esta fase da vida do animal, de estimular o consumo de água, de manter uma boa higiene oral e condição dentária e de estar atento a alterações comportamentais subtis”, reforça o diretor clínico da Clínica Veterinária do Castêlo.
Mais idade, maiores necessidades nutricionais
As exigências nutricionais são maiores em animais geriátricos e recomendam-se ingredientes de “elevada palatibilidade, de fácil digestão e absorção, e ricos em vitaminas e antioxidantes. Os suplementos imunoestimulantes assumem um papel preponderante em animais que sejam portadores de patologias imunossupressoras, como é o caso do vírus da imunodeficiência felina”, diz-nos David Ferreira. Quando um animal atinge uma idade avançada, “o seu organismo vai perdendo capacidade regeneradora celular de forma mais significativa. Estas alterações traduzem-se numa maior dificuldade na absorção de ingredientes, e a sua metabolização não é tão eficaz”.
A nutrição felina surgiu ao longo dos anos como complemento do que já existia para cães. “Hoje, a nutrição felina é um desafio quer para nós clínicos, quer para os próprios fabricantes. Por exemplo, as necessidades proteicas dos gatos seniores são superiores às de um gato adulto, no entanto ainda existem marcas que fazem erradamente restrição proteica em gatos seniores. Ensinar os proprietários a analisar a qualidade da alimentação também deve fazer parte do nosso aconselhamento”, sugere Maria João Dinis da Fonseca. Mais do que prescrever determinada marca, há que dotar o proprietário de ferramentas para que saiba selecionar. “A desmistificação da má informação que existe em torno da alimentação ‘húmida’ também continua a ser uma questão pertinente. As necessidades hídricas dos gatos dificilmente são respeitadas, sobretudo num gato sénior, se o gato apenas comer comida desidratada. Estimular a ingestão de água é por isso também uma necessidade. Ninguém melhor dos que os médicos e os enfermeiros para transmitirem esta informação de um modo lúdico mas científico”, sublinha.
As necessidades nutricionais devem ser sempre adequadas “à fase da vida do animal, à condição corporal e às doenças associadas. Os gatos geriátricos têm necessidades energéticas de manutenção acrescidas e este facto, associado a uma perda de função intestinal, faz com que necessitem de uma dieta altamente digestiva e calórica, com exceção dos gatos obesos. Oferecer pequenas quantidades de comida com mais frequência também aumenta a disponibilidade dos nutrientes, o que pode ser vantajoso nestas idades”, afirma Carlos Paulos. Na opinião de Cristina Sobral, “as necessidades energéticas e proteicas dos gatos aumentam a partir dos 10-12 anos. A maioria das rações para gatos seniores diminuem o aporte energético e proteico, tornando-os magros e com grande perda de massa muscular. A proteína deve ser de origem animal e com grande digestibilidade. Curiosamente, esta perda de peso e massa muscular não se verifica em gatos que vivem em colónias e que podem escolher a sua alimentação”, defende.
Desfazer mitos e enfentrar desafios
Para a diretora clínica da Clínica dos Gatos, “a ideia que os gatos envelhecem e ficam mais sossegados e dorminhocos é um erro comum à grande maioria dos proprietários de gatos geriátricos. O gato é um animal ativo, brincalhão e extremamente ágil durante toda a sua vida, desde que se encontre nas melhores condições de saúde”. Para a veterinária, o maior desafio é conseguir fazer com que “cada um, em sua casa, observe o seu gato e consiga ver/perceber as mudanças comportamentais para que nós, clínicos, consigamos orientar-nos corretamente para o problema e atempadamente tentar a sua resolução”.
A formação do veterinário nestas e noutras áreas deve ser contínua. “A Medicina Veterinária faz-se de muita formação, tanto para o médico veterinário, como a que disponibilizamos aos nossos clientes e pacientes”, diz-nos Alexandra Seixas. Formação contínua, prevenção de um envelhecimento precoce ou fazer com que os cuidados paliativos permitam uma maior qualidade de vida tornam-se desafios atuais. “Se há uns anos era raro, por exemplo, ter que realizar uma cirurgia a gatos idosos, hoje é frequente realizar procedimentos cirúrgicos a gatos com 19 e 20 anos. Surgem assim novos desafios em termos anestésicos com muita frequência”, refere a diretora clínica do Hospital do Gato.
Surgem também novas questões éticas que se prendem com o bem-estar felino. “Até onde devem ir os tratamentos médicos? Como avaliar de um modo mais objetivo a qualidade de vida dos gatos? São questões que nos colocam diariamente e que diariamente exigem reflexão por parte das equipas médicas”. São cada vez mais frequentes as consultas de felinos em idade avançada. “Não sendo os problemas dos animais geriátricos propriamente uma novidade para os veterinários, este envelhecimento da população traz-nos a necessidade de estarmos a par das novidades e tecnologias que nos auxiliem a diagnosticar o mais cedo possível os problemas mais comuns nestas idades, bem como das novas abordagens terapêuticas que permitam prestar os melhores e mais eficazes cuidados de saúde”, salienta Carlos Paulos. O grande desafio, na opinião da presidente do GIEFEL, é tentar “que os gatos que têm mais de 12 anos e não têm nenhuma patologia diagnosticada consigam manter o seu peso e a sua massa muscular”.
Além da importância dos veterinários na passagem de informações e conhecimentos, os enfermeiros podem também ter um papel importante. “Embora numa consulta seja difícil passar muita informação, temos que criar canais de comunicação com o dono, sejam em papel ou suporte informático. O que interessa é partilhar conhecimentos tendo a enfermagem um papel fundamental”, afirma Maria João Dinis Fonseca.
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