quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Escassez de aves pode afetar evolução de plantas

Tucano-de-bico-preto: aves cumprem funções ecossistêmicas importantes em relação às plantas, por polinizar suas flores e dispersar suas sementes, favorecendo a regeneração das florestas

Queda na população de espécies pode ajudar a explicar redução no tamanho de sementes de palmeira da mata atlântica

A queda na população de aves frugívoras de grande porte, como tucanos e arapongas, capazes de comer frutos com sementes grandes, pode estar associada à diminuição do tamanho das sementes de certas espécies de plantas da mata atlântica, e, consequentemente, a mudanças em seus padrões evolutivos. Essa relação foi observada por um grupo de pesquisadores de várias instituições brasileiras e internacionais, liderados pelo biólogo brasileiro Mauro Galetti, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro. Com base em análises estatísticas, genéticas e em modelos evolutivos, eles estudaram a ecologia de uma palmeira conhecida como palmito-juçara (Euterpe edulis) – importante fonte de alimento para mais de 50 espécies de aves da mata atlântica, como papagaios, sabiás e tucanos, que se alimentam de seus frutos, além de ter importância econômica. Para isso, coletaram nove mil sementes de 22 populações da palmeira espalhadas ao longo da costa sudeste do Brasil.

Ao combinarem todos esses dados, os pesquisadores verificaram que em locais onde as aves de maior porte haviam sido extintas há mais de 50 anos, tanto pela caça predatória quanto pelo desmatamento, as populações das palmeiras produziam apenas frutos pequenos, enquanto em áreas de floresta mais conservada, e com quantidade de aves suficiente para desempenhar sua função ecológica de dispersão de sementes, as palmeiras produziam frutos de tamanhos mais variados, com sementes pequenas e grandes. Os detalhes do estudo serão publicados na edição desta sexta-feira (31) darevista Science.

Há algum tempo se sabe que as aves cumprem funções ecossistêmicas importantes em relação às plantas, seja por polinizar suas flores ou por comer seus frutos e dispersar suas sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas. Contudo, aves de bicos menores, como os sabiás, não conseguem engolir e dispersar as sementes grandes, que geralmente caem embaixo da palmeira. Isso acaba dificultando o surgimento de novas plantas da espécie. Na ausência das aves grandes, as novas plantas acabam sendo geradas a partir de sementes pequenas e, como consequência, também produzem sementes pequenas. Com o tempo, a tendência é que somente as sementes menores sejam encontradas na natureza, em um efeito cascata induzido pela ação humana que pode desencadear mudanças ecológicas significativas.

De acordo com Galetti, a redução do tamanho das sementes dessas populações pode trazer consequências negativas, inclusive para as próprias plantas, já que sementes pequenas apresentam maiores índices de mortalidade devido ao dessecamento. “Como os modelos climáticos sugerem períodos de seca mais severa no futuro, em decorrência das mudanças do clima, uma proporção maior de sementes pequenas pode não germinar”, explica. Isso também pode resultar em um menor potencial de resposta evolutiva às mudanças climáticas. “Acreditava-se que os efeitos da seleção natural demonstrada por Charles Darwin há mais de 100 anos poderiam levar gerações para se manifestar”, diz Galetti, “mas nossos dados mostram que o impacto humano sobre a população das aves ajuda a selecionar rapidamente as plantas com sementes pequenas”, disse.

A mata atlântica é um dos principais e mais degradados ecossistemas brasileiros, do qual restam, segundo algumas estimativas, aproximadamente 12% de sua cobertura original – mais de 80% da vegetação remanescente encontra-se altamente fragmentada em áreas com menos de 50 hectares. “Essas áreas são pequenas demais para manterem populações de grandes aves frugívoras”, afirma Galetti. A fragmentação mais intensiva da mata Atlântica teve início em 1800, com o desenvolvimento dos cultivos de café, cana-de-açúcar e a exploração madeireira.

“Infelizmente, os efeitos que documentamos em nosso trabalho não refletem uma situação isolada”, afirmou. “A rápida diminuição das populações de grandes vertebrados parece estar causando mudanças sem precedentes na trajetória evolutiva e na composição de muitas áreas tropicais”, concluiu.

No entanto, o biólogo afirma que ainda há tempo para reverter esse quadro. Segundo ele, é preciso aumentar a conectividade entre os fragmentos de floresta, o que estimularia o fluxo gênico, a fiscalização em relação à caça dessas espécies de aves e o contrabando ilegal do palmito. “Isso só pode ser feito se as autoridades aumentarem a fiscalização das unidades de conservação em parques estaduais”, disse. “O que estamos vendo, porém, é o contrário. A aprovação da última versão do Código Florestal estimulará o desmatamento. Além disso, a fiscalização em áreas que deveriam estar protegidas é inócua”, completou.

Assim, a degradação de hábitats, junto da extinção de espécies, pode causar drásticas mudanças na composição e estrutura de ecossistemas importantes, já que interações ecológicas críticas estão sendo perdidas. “Isso significa funções ecossistêmicas que podem determinar mudanças evolutivas podem estar sendo perdidas muito mais rápido do que imaginamos”. Daí a importância de se identificar quais funções estão sendo afetadas, de modo a evitar o colapso desse ecossistema.

Projeto
Efeitos de um gradiente de defaunação na herbivoria, predação e dispersão de sementes: uma perspectiva na Mata Atlântica (nº 2007/03392-6); Modalidade:Auxílio Pesquisa; Coordenador: Mauro Galetti Rodrigues/Unesp; Investimento:R$692.437,03 (Biota-FAPESP)

Artigo científico
GALETTI, Mauro. et al. Functional Extinction of Birds Drives Rapid Evolutionary Changes in Seed Size. Science. v. 340, p. 1086-1090. 2013.

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