sábado, 17 de janeiro de 2015

O papel da medicina veterinária na conservação da biodiversidade.


Na medida em que as questões ambientais ganham
relevância para a sociedade, assumem status de lei e
passam a integrar as políticas públicas, no campo da
conservação da biodiversidade, que hoje é um setor
em franca expansão, começam a surgir boas e novas
oportunidades de trabalho. O problema, segundo especialistas,
é a escassez de profissionais qualificados
para atuar a campo em projetos de conservação da
fauna silvestre, em particular aqueles com formação
em medicina veterinária.

Reportagem de Maria A. Medeiros.
O papel da medicina
veterinária na conservação da
biodiversidade.

Para falar sobre o assunto, a Academia Paulista de Medicina
Veterinária convidou o veterinário Paulo Magalhães Bressan.
Nesta entrevista, ele fala sobre o papel
do médico veterinário ambientalista, as perspectivas no mercado
de trabalho e a necessidade de se estabelecerem programas
bem estruturados de formação acadêmica para esses
profissionais.

APAMVET: Muitas pessoas ainda não conhecem o trabalho
da Fundação na área da conservação da fauna silvestre. O
sr. poderia falar um pouco sobre o assunto?

PAULO BRESSAN: A conservação é uma das competências
previstas no Estatuto da Fundação. Portanto, desde a sua

criação, em 1958, já estava claro que a Fundação não seria apenas um parque com animais
silvestres aberto à visitação. Entre as suas
atribuições, estava prevista a criação de uma estação de pesquisa biológica voltada para a fauna nativa na sua área de implantação, isto é, dentro de um fragmento de Mata Atlântica.
Naquela época, há mais de 50 anos, isso não refletia a visão da sociedade, mas o tempo passou e as pessoas começaram
a perceber o quanto estavam comprometendo a própria
sobrevivência não se preocupando com o ambiente. 

Quando assumimos a direção da Fundação, em 2001, nossa equipe
– que foi a primeira diretoria executiva formada por veterinários
– começou a discutir o papel da Fundação a longo prazo, como
instituição que deveria participar dos processos de conservação
da fauna. Essa discussão evoluiu internamente e nos levou à
conclusão de que, sendo uma instituição vinculada à Secretaria
de Esporte e Turismo, dificilmente a Fundação avançaria nesse
objetivo. Foi então que surgiu a proposta de mudança para a
Secretaria de Meio Ambiente, o que se efetivou em 2004. 

Essa nova situação nos deixou mais confortáveis para discutir dentro
do governo a questão da conservação da fauna no Estado de São
Paulo e propor políticas públicas nessa direção. Hoje a FPZSP
participa ativamente da política ambiental do Estado, sendo
responsável pelo projeto Fauna Silvestre da Secretaria de Meio
Ambiente, que visa normatizar a proteção da fauna silvestre,
instalar locais de recebimento de animais silvestres capturados
e combater o comércio ilegal de animais.

APAMVET: Na mídia fala-se muito em conservação das
florestas, mas pouco na conservação da fauna silvestre. Como
o sr. vê essa questão?

P. B.: No debate político que se instalou
no país e é notícia do cotidiano na
mídia, a mata, isto é, a vegetação, aparece
como referência da questão ambiental.
Então nós perguntamos: será que as
matas existiriam sem a fauna? Certamente
não, porque os animais têm um
papel essencial na manutenção das florestas,
participando de vários processos
como a polinização, a disseminação de
sementes etc. Portanto, uma floresta sem animais é uma floresta
morta. Mas essa discussão já está tomando vulto e vemos que a
imprensa e a sociedade já começam a olhar a fauna como parte
essencial dos ecossistemas.
APAMVET: Estamos avançando de fato na proteção da fauna?

P. B.: Sim, só para citar um exemplo, no Estado de São
Paulo a política ambiental está se consolidando e, a exemplo
do que já acontece na Secretaria de Estado de Meio ambiente,
que mantém uma equipe especializada na gerência de fauna,
em muitos municípios estão sendo criadas secretarias ou departamentos
de proteção ambiental, incluindo aí a questão da
fauna local.

APAMVET: Que dificuldades ou desafios o sr. vê neste momento?

P. B.: Em relação à conservação da fauna, uma das dificuldades
que percebemos hoje é a falta de profissionais qualificados
para o trabalho de campo. Nós temos biólogos e alguns
veterinários com experiência na fauna silvestre mantida em cativeiro,
como os que trabalham aqui no Zoológico, mas existem
pouquíssimos veterinários ambientalistas, que são os profissionais
treinados para atuar com a fauna de vida livre. O problema
é que no Brasil ainda não existe um programa específico para
a formação desses profissionais. Nós entendemos que, assim
como as universidades preparam seus alunos para cuidar dos
animais de companhia ou dos rebanhos de valor econômico,
elas devem começar a oferecer qualificação específica na área
ambiental. Essa necessidade já começa a ser reconhecida e eu
acredito que este seja um momento de virada, de mudança.

APAMVET: Qual é o papel da medicina veterinária na conservação
da fauna silvestre?

P. B.: Isso já foi tema de vários encontros e congressos aqui
na Fundação, porque nós identificamos que esses profissionais
fazem muita falta nos programas de conservação in situ. O
Brasil tem uma diversidade faunística muito grande, mas ainda
pouco conhecida do ponto de vista da medicina veterinária. Carecemos
de pesquisas nessa área, assim como de profissionais
capazes de avaliar o estado sanitário de
certas populações, em especial as que
se encontram em risco de extinção ou
que estejam sendo afetadas pelas atividades
humanas, e orientar a tomada de
decisões. Para ser realmente efetivas, as
ações de conservação têm de levar em
conta os vários aspectos ambientais envolvidos,
e isso requer uma equipe multidisciplinar,
capaz de agregar conhecimento de diversas áreas, como a botânica,
a zoologia, a ecologia e também a medicina
veterinária.

APAMVET: Quais seriam os principais
campos de trabalho para esses profissionais?

P. B.: O leque de possibilidades é muito
grande. No setor de empreendimentos,
podemos citar como exemplo a obra do
Rodoanel, no Estado de São Paulo. A construção desse sistema
viário deve levar 20 anos, e ainda temos pelo menos 10 anos
pela frente. 

Em torno dele, diversas outras obras terão de ser
realizadas para completar os acessos aos municípios abrangidos
no projeto, todos grandes empreendimentos que afetam diretamente
a condição de equilíbrio ambiental, tanto do ponto de
vista da vegetação como do ponto de vista da fauna que habita
essas regiões. O que fazer com essa fauna? Em primeiro lugar,
faz-se um levantamento faunístico dessas áreas para então decidir
se os animais serão capturados e transportados para outro
local. Aqui, o papel do biólogo é claro – ele faz a avaliação das
espécies, identifica as espécies, faz o manejo, mas não está em
sua competência atestar as condições sanitárias dessa fauna e
decidir se esses animais podem ser transportados com segurança.

Quando são capturados, os animais precisam receber atendimento
e acompanhamento veterinário durante todo o processo
de realocação.
Outros exemplos são as grandes barragens, que geralmente
envolvem a captura de um grande número de animais, os empreendimentos
imobiliários e industriais, como as usinas sucroalcooleiras
e outros. Todas essas obras precisam também de
licenciamento ambiental, o que exige a elaboração de um laudo
de fauna com informações veterinárias.

APAMVET: Se faltam veterinários nesses projetos, devemos
presumir que os laudos de hoje sejam deficientes ou incompletos?

P. B.: Sim. Hoje os laudos técnicos são muito completos
no que diz respeito à vegetação, mas, com relação à fauna, eles
pecam pela deficiência de informações. Os próprios empreendedores
não dão muita importância para a questão da fauna
porque eles sabem que do outro lado, nos órgãos fiscalizadores,
também não existem profissionais em condições de avaliar corretamente
esse laudo. Então, o próprio empreendedor não se
preocupa muito, apesar de isso ser uma exigência legal. É claro
que os biólogos fazem uma boa avaliação dentro da competência
deles, mas na competência do veterinário não há quem
faça. Dificilmente se encontra um laudo com acompanhamento
de um veterinário, nem do lado do empreendedor, nem do lado
do órgão fiscalizador. Veja que só aí existe
demanda para dois profissionais em um
único projeto.

APAMVET: E quanto aos programas
de conservação?

P. B.: É possível quase contar nos dedos
das mãos os veterinários que atuam
a campo prestando serviços e assessoria
para as entidades conservacionistas. A demanda
existe e a tendência é que aumente rapidamente. Nós já
sentimos isso aqui na Fundação. Frequentemente somos chamados
a participar de projetos e muitas vezes temos que recusar
porque não temos capacidade operativa para tanto. Também
temos feito um grande esforço para auxiliar o governo na sua
política pública de gestão da fauna silvestre do Estado, mas às
vezes não temos condições de atender a essa demanda. Outro
campo em aberto são as Prefeituras do interior paulista, que certamente
vão precisar de técnicos em sua estrutura organizacional
para atender à legislação ambiental, sob pena de perder parte
dos recursos a que têm direito. Essa é uma demanda que está aí, e é importante que os 
profissionais sejam treinados para isso.

APAMVET: Pode-se dizer então que esta é uma área bastante
promissora.

P. B.: Sem dúvida. O mercado está absolutamente aberto,
não há concorrência e os profissionais são bastante valorizados.
Para se ter uma ideia, existe uma única profissional especialista
em tamanduás, que é uma espécie nativa em risco de extinção
e, portanto, alvo de grande interesse para a conservação. Essa
veterinária, que é a dra. Flávia Miranda, hoje é respeitadíssima
e muito requisitada no mundo inteiro. Não existe outra. Então,
as perspectivas são muito boas, desde que o profissional perceba
o seu real valor, pois ele é um elemento que está faltando no
processo e ele é essencial a esse processo.

APAMVET: E quanto à questão da qualificação?

P. B.: Em primeiro lugar, é importante que as academias desenvolvam
programas dentro de suas competências nas universidades
para a formação desses profissionais. É a academia que
tem competência para produzir programas bem estruturados.

Do contrário, corremos o risco de se estabelecerem fora delas
programas de conteúdo duvidoso. 

Enquanto isso não ocorre, a alternativa para os interessados é buscar formação em instituições do terceiro setor voltadas para a conservação. 

Sabemos que o nosso profissional veterinário tem grande capacidade de
aprendizado quando colocado à prova no campo. Então, é uma
questão de treinamento, porque ele já tem uma base teórica que
lhe permite evoluir e ser reconhecido no mercado de trabalho.



Paulo Magalhães Bressan
Nascimento: 26.06.1944. Médico Veterinário graduado pela Faculdade de
Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, 1970. Pós-
-graduado em Saúde Pública Veterinária pela Faculdade de Saúde Pública
da Universidade de São Paulo, 1979. Durante sua vida profissional, trabalhou
nas seguintes instituições: Fazenda Haras Mondesir; Dow Chemical do
Brasil; Eaton/Paraquimica S.A.; Laboratórios Andrômaco S.A.; Prefeitura do
Município de São Paulo; Governo do Estado de São Paulo. Cargos ocupados:
Diretor de Divisão no Departamento de Vigilância Sanitária de Alimentos
da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo (1978-1981); Assessor
Técnico de Gabinete da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São
Paulo (1982-1985); Diretor do Departamento de Controle de Zoonoses da
Secretaria de Saúde do Município de São Paulo (1986-1994); Secretário Adjunto
da Secretaria de Administração e Modernização do Estado de São Paulo
(1995-2000); Diretoria de Administração da Fundação Pró-Sangue de São
Paulo - Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (2000-2001); Diretor
Presidente da Fundação Parque Zoológico de São Paulo - Secretaria do Meio
Ambiente do Estado de São Paulo (2001-2004); Subprefeito da Lapa - Prefeitura
do Município de São Paulo (2005- 2007); Diretor Presidente da Fundação
parque Zoológico de São Paulo - Secretaria do Meio Ambiente do Estado de
São Paulo (2007- ).

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