sábado, 17 de janeiro de 2015

Entrevista CFMV - Responsabilidade do veterinário quanto ao impacto ambiental gerado para a fauna silvestre


O Médico Veterinário pode gerar algum
tipo de impacto ambiental para
a fauna silvestre?
Sim, caso não seja qualificado para manejar animais
silvestres.

Exemplifique
É necessário e obrigatório que o Médico Veterinário
conheça os habitats e nichos ecológicos de
nossa fauna, seu comportamento e hábitos, os
fatores estressantes gerados durante a captura e o
cativeiro, sabendo identificar corretamente as espécies
com domínio da nomenclatura científica,
as formas de resgate indicadas para as diferentes
espécies, as formas corretas de contenção física e
química. Importante também é conhecer as características
e particularidades de nossos ecossistemas
e biomas, a cadeia alimentar, a alimentação
correta das espécies na natureza e em cativeiro,
a zona de conforto térmico e de umidade para
as espécies manejadas e formas para melhorar a
ambientação da fauna resgatada entre outros fatores,
que permitirão o correto manejo e adequada
destinação de animais silvestres, evitando-se assim
o mal direcionamento tanto para cativeiro como
para o revigoramento de populações silvestres. A
falta de qualificação no manejo da fauna silvestre
poderá gerar impactos ambientais ainda maiores
do que os já registrados pela retirada de animais
silvestres da natureza, uma vez que uma soltura
mal planejada poderá ser desastrosa para um
ecossistema, como por exemplo, o revigoramento
de uma espécie de carnívoro topo de cadeia em
uma região onde esta espécie não ocorra naturalmente.

Este carnívoro poderá vir a morrer por
falta de alimentação ou então poderá acabar com
grande parte das espécies consumidoras primárias
e secundárias da cadeia alimentar, quebrando elos
importantes desta cadeia no local onde foi erroneamente
solto, podendo alterar a dinâmica populacional
da fauna deste ecossistema.

O que é habitat?
É o lugar onde vive ou pode ser encontrado um
organismo

O que é nicho ecológico?
É o lugar ocupado por um organismo incluindo
seu papel funcional na comunidade, por exemplo,
sua posição na cadeia trófica; é o lugar onde existe
uma população organizada com relação de dominância
sobre o espaço físico.

O que é fragmentação de paisagem?
É uma transformação da terra onde há conversão
de grandes habitats naturais em pequenas
partes, representa a quebra de habitat ou de tipo
de solo em pequenas parcelas que são desigualmente
separadas.

O que é revigoramento populacional?
É a soltura de espécimes de uma determinada
espécie, com a intenção de aumentar o número
de indivíduos de uma população, em seu habitat
e distribuição geográfica originais.

Que tipo de impactos ambientais gerados
por desmatamentos podem ser
detectados pelo Médico Veterinário?
É grande a responsabilidade do Médico
Veterinário atuante na área ambiental, nossas
competências nos permitem detectar aspectos
e impactos ambientais de alta relevância sobre
a manutenção do equilíbrio e da saúde de
ecossistemas. Desmatamentos podem gerar
ou potencializar a poluição do ar por perda da
capacidade de produção e emissão de oxigênio
pelo processo de fotossíntese; diminuir o seqüestro
de gás carbônico que é naturalmente
realizado pela vegetação; aumentar a emissão
de gás carbônico para a atmosfera, uma vez que
a queima de biomassa vegetal é uma das fontes
de emissão deste gás de efeito estufa, sendo
este tipo de impacto considerado como altamente
preocupante uma vez que alterações da
qualidade do ar influenciam diretamente sobre
a saúde do meio ambiente e a manutenção da
vida em nosso planeta. 

Desmatamentos e queimadas
alteram e/ou destroem a cobertura de
vegetação do solo que perde matéria orgânica,
mineral e microrganismos importantes para
manutenção e reciclagem de ciclos biológicos,
deixando os solos mais expostos a intempéries
com facilitação de processos erosivos. Desmatamentos
matam, ferem e afugentam a fauna
local que perdendo seus habitats e nichos ecológicos
é obrigada a invadir novas áreas que já
tem populações pré-estabelecidas, alterando a
dinâmica populacional de ecossistemas do entorno,
aumentando assim o grau do impacto
ambiental gerado pela supressão de vegetação;
aumentam a predação pela caça e/ou facilitação
para o tráfico de animais; alteram a cadeia alimentar
que perde importantes elos entre presas,
predadores, competidores e decompositores.


Desmatamentos causam fragmentação de paisagem
com formação de “ilhas” de vegetação
afastando populações de flora e fauna; isolam
populações nos fragmentos florestais interferindo
sobre a riqueza biológica local de forma
diferenciada de espécie para espécie, na medida
em que reduz a capacidade de recolonização;
quebram a conectividade de paisagens reduzindo
a condução e escoamento de fauna e flora;
levam a alterações estruturais nos fragmentos
de vegetação causadas por fatores bióticos e abióticos,
dentre eles o aumento de temperatura,
a redução da umidade do solo e do ar, a maior
penetração de luz solar, o aumento da exposição
aos ventos e a potencialização de incêndios
devido ao surgimento de espécies generalistas,
como capoeiras, cipós e trepadeiras que com a
maior exposição aos ventos nas bordas dos fragmentos
provocam um maior aporte de caules,
ramos e folhas facilitando a passagem do fogo
que por ventura esteja grassando no entorno
do fragmento; provocam a competição entre
espécies da flora generalistas e espécies do interior
dos fragmentos florestais que por sua
vez acabam morrendo, visto que as generalistas
adaptam-se melhor a condições degradadas,
podendo a perda da flora acarretar em perda
de espécies da fauna silvestre dependentes da
mesma para sobreviver. Desmatamentos reduzem
a migração de espécies da fauna, uma
vez que alguns animais silvestres relutam em
atravessar áreas mais abertas entre fragmentos
florestais podendo assim levar a diminuição da
biodiversidade local por estabilização genética
destas populações isoladas. Outro ponto importante
na saúde do meio ambiente a ser analisado
pelo médico veterinário diz respeito a aspectos
da saúde humana, animal, vegetal e as doenças
que são determinadas por fatores ambientais.

Desmatamentos têm potencial para causar alterações
na dinâmica populacional de vetores,
hospedeiros e agentes infecciosos, que a princípio
estavam em equilíbrio na floresta preservada,
mas que sujeitos a novas condicionantes
ambientais (como diminuição de precipitações
pluviométricas, alterações na movimentação
dos ventos, alterações na temperatura média local
ou até mesmo regional, dependendo do tamanho
da área desmatada) pode gerar situações
críticas com surgimento de eventos epidemiológicos.

A aproximação e facilitação de contato
entre fauna silvestre, populações humanas e de
animais domésticos também é avaliada pelo
médico veterinário, uma vez que podem ser
criadas condições favoráveis para o surgimento
de enfermidades diversas, entre elas zoonoses,
doenças emergentes e reemergentes, além do
aumento da probabilidade de transmissão de
doenças tipicamente humanas ou de animais
domésticos para a fauna silvestre.

Maria do Rosário Lira Castro
Possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Fluminense, RJ (1979), pósgraduação
"lato sensu" em Ciências Ambientais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004)
e em Manejo, Biologia e Medicina da Conservação de Animais Selvagens pela Fundação RIOZOO,
RJ ( 2008). Atualmente é médica veterinária de Projeto Ambiental que monitora, resgata, maneja,
recupera clinicamente e destina fauna silvestre em rodovia federal na região serrana do estado do
Rio de Janeiro. Tem experiência em resgates, identificação de espécies, manejo, cuidados clínicos e
revigoramento de fauna silvestre. Faz parte da equipe do Projeto de Monitoramento de mamíferos
terrestres de médio e grande porte no mosaico de Unidades de Conservação da Mata Atlântica
central Fluminense. É membro da Comissão Nacional de Saúde Ambiental - CNSA - do Conselho
Federal de Medicina Veterinária - CFMV.
E-mail: lcastro1102@globo.com



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