quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Bebês, crianças e cachorros: como viver em harmonia

Os benefícios que os peludos trazem para as crianças estão mais do que comprovados: a convivência ajuda no desenvolvimento motor, estimula a visão, a audição e as relações interpessoais. Várias pesquisas comprovam que as bactérias contidas nos pelos dos cachorros aumentam a imunidade e evitam futuros problemas respiratórios, como asma e rinite alérgica. Além do mais, a convivência entre crianças e cães é deliciosa e ensina valores como amizade e companheirismo.
Mas, às vezes, o começo desse relacionamento acaba sendo um desastre. Isso acontece, em geral, por falta de planejamento: a pessoa até pensa em ter um filho nos próximos 10 anos, mas não se preocupa em preparar o cachorro desde agora. Enquanto os futuros herdeiros não chegam, é comum que os mais carinhosos extravasem seus instintos paternais e maternais com os peludos, que são tratados como verdadeiros filhotes humanos, com muitos paparicos, atenção e regalias.  Dormem na cama com os donos, estão sempre no colo, são beijados constantemente e não são raras as vezes em que o adjetivo “ciumento” (veja o nosso glossário no final do texto) define perfeitamente a personalidade do peludo.
Quando os pequenos bebês bípedes chegam (e não estou me referindo aos passarinhos), a vida muda de uma hora para outra, de supetão.  O cão não pode mais entrar no quarto, e subir na cama, então, nem pensar!  O colo da dona agora está ocupado com outro serzinho dia e noite.  Se antes era uma graça quando o peludo latia ao menor movimento no corredor (“este é o nosso cão de guarda!”), agora todo mundo berra: “cala a boca que vai acordar o bebê”.  Sair para passear só raramente ou com pessoas estranhas.  Os brinquedinhos, que antes ficavam pelo chão e eram todos dele, agora são disputados a tapas (tapas no cachorro, é claro) com o filhote novo.  A vida do peludo vira de patas para o ar.
Por isso, quem pensa em aumentar a família deve preparar o cachorro.  O primeiro passo é socializá-lo com o maior número de crianças possível, e o ideal é que se comece cedo, quando o peludo ainda é filhotinho. Peça aos sobrinhos, filhos de vizinhos e crianças amigas visitarem o seu cachorro, principalmente até ele completar seis meses de idade – é importante que ele relacione experiências prazerosas com a molecada. Mas atente à regra número um: nunca deixe crianças e cachorros sozinhos, sem a supervisão de um adulto – isso serve para proteger a integridade de ambos. Ensine as crianças a serem gentis e ao cachorro a brincar sem morder ou pular. Evite brincadeiras muito brutas, e se o clima entre eles ficar meio "estranho", pare a farra imediatamente e tire o cachorro.
Se você está pensando em engravidar ou já está esperando um bebê, acostume o seu cachorro com “movimentos estranhos” e novos limites o quanto antes.  O primeiro passo é fechar as cortinas para os vizinhos não acharem que você ficou louca de vez! Depois, pegue um boneco bem grande, do tamanho natural de uma criança, e embrulhe-o com uma manta, exatamente como fazemos com nossos pequenos.  Caminhe com o seu embrulhinho, ninando-o em seus braços na frente do cachorro.  Fale com o cão com uma voz bem carinhosa enquanto ele observa a cena.  Sente-se na sua poltrona preferida e procure manter o peludo no chão.  Se ele pular em cima do boneco, coloque-o de volta no chão e diga NÃO com firmeza.  Repita quantas vezes forem necessárias e faça muito carinho quando o peludo obedecer.  Na pior das hipóteses, você terá tempo de tornar estes movimentos “estranhos” mais comuns para o seu cão e, se tudo der errado, é só um boneco.  Nem você nem o cão precisam ficar estressados durante este treinamento.  Repita esta encenação várias vezes por dia.
Aproveite também para delimitar as áreas em que o seu cachorrinho não poderá frequentar mais livremente.  Só entrar no quarto do bebê quando for convidado funciona melhor do que não poder entrar nunca.
Acostumar o seu cachorro a puxões de orelhas, no rabo, nos pelos ou a tapinhas estabanados na cabeça também é importante, pois fatalmente irão acontecer. Aproveite que você sabe dosar a sua força para não machucar de verdade o peludo, e segure as extremidades dele bem de levinho.  Vá aumentando a pressão aos poucos e não se esqueça de agradá-lo sempre que ele tolerar os seus abusos.  Se o bichão tentar se soltar mordendo, repreenda-o. Diga NÃO com firmeza, sem gritar, mas com voz áspera, e continue manipulando o cão.  Se ele aguentar por 10 segundos, solte-o e faça carinhos.  Da próxima vez que você estiver treinando-o a ser “puxado”, conte até 20 antes de soltá-lo, e assim por diante.  O objetivo deste treinamento não é fazer do cachorro um pequeno saco-de-pancadas, mas torná-lo mais tolerante caso eventualmente a criança pegue-o desprevenido.
Quando o bebê estiver para chegar, deixe que os cães participem desta felicidade cheirando as roupinhas e sapatinhos. E assim que a criança puder ser apresentada oficialmente, deixe seu cachorro dar uma olhada e uma cheiradinha. Fale palavras carinhosas, num tom de voz bem doce, e faça carinhos enquanto ele vê o bebê. Sempre que possível deixe o cachorro ficar deitado aos seus pés enquanto você cuida do pequeno. O mais importante é não excluir o cachorro da vida da criança e deixar que eles se conheçam com calma e em momentos de prazer.
Em uma situação inversa – você já tem crianças e vai introduzir um peludo em suas vidas – tenha cuidado redobrado na hora de escolher o temperamento do filhote, não apenas pelo potencial de agressividade do bichinho, mas por seu grau de agitação.  Normalmente as mães (sempre sobra para elas!) ficam enlouquecidas com uma criança agitada e um cãozinho “levado”. Para complicar ainda mais, às vezes o filhote que foi tão esperado pela criança se torna um problema para ela. No meu trabalho como consultora vejo com frequência famílias onde o filho mais novo passa a demonstrar grande ciúme do cachorrinho.  A grande maioria destas crianças adora o peludo, mas ao mesmo tempo desenvolve uma atitude agressiva e nervosa quando o cão está por perto para chamar a atenção dos pais, principalmente porque os filhotes caninos costumam se ligar muito ao pai ou à mãe, encarando as crianças como outros filhotes, ou seja, ótimos para brincar, mas não alguém a ser respeitado. Posso dizer que quase todos os pais acabam chegando à conclusão de que deveriam ter esperado o herdeiro crescer um pouco mais para ter o cãozinho.
Além disso, um filhote costuma ser uma grande alegria, mas também é uma grande responsabilidade e dá muito trabalho.  Não é raro que as pessoas acabem se sentindo sobrecarregadas com tanta demanda de atenção e cuidados, especialmente quando se tem outros filhotes humanos para tomar conta. Uma maneira de contornar, ou pelo menos diminuir este problema, é dar à criança uma tarefa específica e que não seja muito difícil, nem muito demorada, para não deixar ambos, crianças e cães, entediados e irritados.  Colocar a comida é ótimo, além de manter o cachorro atento ao fato de que o pequeno humano detém o poder da fonte da alimentação. Crianças maiores vão adorar escovar o peludo e até levá-lo para passear.
Em caso de estresse entre os “filhotes”, o melhor é tirar o cachorro de circulação por uns 20 minutos, deixando-o preso na cozinha, por exemplo.  Isso ajudará o animal a entender que, se ele brincar de maneira bruta, a farra acaba e ele fica sozinho até se acalmar, e a criança a perceber que o filhote não pode ser alvo de “maus tratos” e será preservado até que ela esteja mais calma.  Assim você também aproveita para desestressar e não tem de tomar “partido”.
Com planejamento e firmeza, seus filhos, humanos e caninos, poderão aprender desde cedo o que é amizade verdadeira.
Por Cláudia Pizzolato
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