A formação do biofilme bacteriano é um dos maiores problemas nas infecções. Isso ocorre quando, respondendo a uma condição ambiental adversa (excesso de temperatura, falta de nutrientes, alteração de pH, presença de antibióticos etc.), as bactérias mudam radicalmente seu modo de vida: deixam de se comportar como seres unicelulares, nadando livremente no meio, e formam uma grande colônia, com os indivíduos aderindo a uma superfície, ligando-se uns aos outros e produzindo uma matriz extracelular protetora, composta principalmente por açúcares.
Esse biofilme, que tende a crescer, é extremamente resistente a antibióticos, aumenta a toxicidade dos patógenos e leva a infecção a um estágio crônico. Por isso, a compreensão do mecanismo que faz as bactérias transitarem do modo livre e nadante para o modo de biofilme constitui um tema atualíssimo da microbiologia. Uma grande quantidade de pesquisa foi direcionada ao tema ao longo da última década.
Em muitos patógenos – tal é o caso da bactéria Pseudomonas aeruginosa, enfocada no estudo – o processo de transição da forma livre e nadante para a forma de biofilme é orquestrado pelo nucleotídeo c-di-GMP, diguanilato monofosfato cíclico, formado no interior das bactérias a partir de algum estímulo externo. O c-di-GMP é a molécula sinalizadora envolvida em diversos processos fisiológicos, entre eles o controle da expressão gênica na transição entre estilos de vida.
“Flutuações nos níveis intracelulares de c-di-GMP fazem com que as bactérias desliguem os genes responsáveis pela produção do flagelo [a estrutura proteica em forma de cauda que possibilita a esses seres unicelulares nadarem no meio líquido] e liguem os genes responsáveis pela produção da matriz extracelular de polissacarídeos [que envolve e protege a colônia bacteriana]”, disse Navarro à Agência FAPESP.
Esse processo já era conhecido pela comunidade especializada e reportado na literatura. A novidade trazida pelo estudo foi esclarecer o papel de uma proteína específica, a FleQ, no mecanismo de funcionamento do c-di-GMP. “A FleQ é uma proteína-chave na transição entre as duas formas de vida bacteriana. Ela é receptora do c-di-GMP. E, ao interagir com ele, inibe a expressão da biossíntese flagelar e promove a expressão da biossíntese polissacarídea. O que fizemos foi descrever exatamente como isso acontece”, afirmou o pesquisador.
A FleQ é chamada de “fator de transcrição” por ser uma molécula auxiliar no processo de transcrição do DNA no RNA mensageiro. Esses fatores de transcrição ligam-se a regiões específicas do DNA e, uma vez ligados, recrutam toda a maquinaria encarregada da transcrição para aquele ponto específico. Ali, a maquinaria lê os genes do DNA que serão transcritos no RNA e, posteriormente, serão traduzidos em proteínas.
“Em condições de baixas concentrações de c-di-GMP, a FleQ apresenta-se como uma proteína hexamérica. Ou seja, os milhares de átomos que a compõem interagem uns com os outros formando um arranjo hexagonal ou hexâmero. Essa estrutura complexa se liga a duas regiões específicas do DNA, promovendo a transcrição dos genes responsáveis pela formação do flagelo e inibindo a transcrição dos genes responsáveis pela formação da matriz polissacarídea. Assim, suscitam nas bactérias o modo de vida livre e nadante”, detalhou Navarro.
“Porém, quando interage com o c-di-GMP, a FleQ muda completamente sua forma espacial, passando de um hexâmero a uma dupla de trímeros. Nesta nova conformação, ela se torna incapaz de ativar a transcrição dos genes do flagelo e passa a ativar a transcrição dos genes da matriz polissacarídea. Demonstramos rigorosamente esse processo em nível molecular”, prosseguiu.
Para descobrir tudo isso, os pesquisadores utilizaram vários métodos físicos – como a cristalografia de raios X – que permitiram determinar a estrutura espacial da molécula da proteína FleQ e a enorme mudança que essa estrutura sofre na presença do c-di-GMP. Além disso, produziram mutantes da molécula para investigar como alterações pontuais influíam na atividade da proteína. “Fizemos um estudo completo in vitro. E complementamos esse estudo com uma investigação funcional in vivo, observando como essas variantes da proteína atuavam na bactéria”, resumiu Navarro.
O pesquisador classifica seu estudo como ciência básica. Mas o horizonte de aplicação é evidente. O entendimento do mecanismo de atuação do c-di-GMP é um tema emergente em microbiologia devido à procura de novos meios de combate aos processos infecciosos, novos antibióticos, novos adjuvantes, especialmente no contexto atual, de altíssima disseminação de cepas bacterianas multirresistentes. Está provado que, interferindo nas vias de sinalização que promovem a formação do biofilme, é possível tornar as bactérias muito mais suscetíveis. E há um novo boom de pesquisas na área.
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