O levantamento mediu a qualidade da água em 289 pontos de coletas distribuídos em 76 municípios de 11 estados brasileiros e do Distrito Federal e constatou que nada menos do que 36,3% dos pontos analisados apresentam qualidade ruim ou péssima.
Outros 59,2% estão em situação regular, o que significa um estado de alerta. Do total, apenas 13 pontos foram avaliados com qualidade de água boa (4,5%). Nenhum, porém, foi avaliado como ótimo.
Os dados da pesquisa foram coletados entre março de 2015 e fevereiro de 2016, um período marcado por fortes chuvas, e comparados aos resultados da pesquisa anterior, de março de 2014 a fevereiro de 2015, quando as regiões Nordeste e Sudeste enfrentaram uma grave estiagem.
"Buscamos essa comparação para ver como como os picos climáticos impactam na qualidadde da água e no controle de poluentes. Existe uma percepção de que as chuvas aumentam a capacidade de autodepuração dos poluentes nos rios. Mas a gente tem notado que, nos últimos anos, as chuvas têm influenciado negativamente a qualidade da água em regiões urbanas, principalmente nas áreas metropolitanas, como São Paulo", explica Malu Magalhães, coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica.
Neste ano, a cidade de São Paulo perdeu dois pontos que, até 2015, apresentavam qualidade de água boa, localizados em áreas de manancial no Parque dos Búfalos (Represa Billings) e em Parelheiros (Represas Billings/Guarapiranga).
O que mudou
Na comparação em todo o país, 125 pontos de coleta monitorados apresentaram tendência de comprometimento da qualidade da água, com leve piora nos indicadores. Houve ainda um aumento dos pontos com qualidade ruim de 41,6% para 47,2% e apenas 3,2% dos rios seguem apresentando qualidade de água boa.
Falta de tratamento de esgoto, lançamento ilegal de efluentes industriais e desmatamento associado a ocupações irregulares e a mudanças no uso do solo próximo a mananciais são as principais causas de poluição das águas e fontes de graves doenças de veiculação hídrica, como diarréia, hepatite e cólera.
Diante de números tão preocupantes, o estudo assinala o papel fundamental do cuidado com o meio ambiente natural para a garantia de água de boa qualidade. Boa parte dos pontos (4,5%) que se encaixaram nessa categoria estão localizados em áreas protegidas e que contam com matas ciliares preservadas.
Em contrapartida, nas áreas com pouco cobertura verde, como a Cantareira, que possui apenas 20% de vegetação remanescente, as fortes chuvas aumentam as cargas difusas de poluição, como lixo, material particulado de veículos diesel e a gasolina, sedimentos, entre outros.
"Temos aí um alerta para as autoridades de que as chuvas não resolvem o problema da poluição. Mudar esse quadro exige que o saneamento entre para as prioridades dos gestores públicos", aponta Malu.
O tamanho do desafio
Em um país onde metade da população ainda não tem esgoto coletado em suas casas e cerca de 35 milhões de pessoas nem sequer têm acesso a água tratada, tal ambição pode parecer fadada ao fracasso.
Historicamente, o setor de saneamento sempre foi visto como uma espécie de patinho feio da infraestrutura, e o estudo comprova este descaso.
O próprio Plano Nacional de Saneamento Básico postergou a universalização do saneamento no país para 2033 - sendo que antes o prazo era até 2020 - em virtude da falta de investimentos no tratamento de esgoto e para acabar com os lixões nos municípios.
De acordo com a especialista da SOS Mata Atlântica, esses indicadores reforçam a importância da campanha "Saneamento Já", lançada pela ONG com o objetivo de engajar a sociedade em uma petição pela universalização do saneamento e por água limpa nos rios e praias brasileiras.
"As pessoas não associam a questão da saúde ao saneamento, coleta de esgoto e de lixo e acesso à agua tratada. Só a mudança de mentalidade vai transformar o saneamento em prioridade" diz. "Os rios são espelhos das políticas públicas, se a saúde deles vai mal, alguma coisa não está sendo feita", alerta.
É fato que o cenário econômico desfavorável e os cortes nos gastos públicos do ajuste fiscal devem reduzir os investimentos no setor, mas a implementação de projetos de melhoria enfrentam um obstáculo maior: a má gestão.
Um levantamento recente do Instituto Trata Brasil, ONG que faz estudos sobre saneamento, mostra que a burocracia somada à problemas de gestão ajudam a retardar o avanço do setor por aqui.
Do total das 337 obras de água e esgoto do PAC monitoradas pela ONG, apenas 29% estão concluídas, 15% em situação normal e 52% estavam em situação inadequada (sendo 20% paralisadas, 17% atrasadas e 15% não iniciadas). Talvez só mesmo uma ampla demonstração de insatisfação popular mude esse quadro.
Fonte:
Nenhum comentário:
Postar um comentário