As primeiras normas disciplinadoras do meio ambiente do Brasil são encontradas na legislação portuguesa que aqui vigoraram até o advento do Código Civil de 1916. Na época do descobrimento do Brasil vigiam em Portugal as denominadas Ordenações Afonsinas de 1446 que previam como “crime de lesa-majestade” o corte “de árvores alheias, que dêem fruto”.
A essas Ordenações seguem-se as Ordenações Manuelinas de 1521, que reiteraram a proibição do corte de árvores frutíferas e estabeleceram a proibição da caça de perdizes, lebres e coelhos através de meios capazes de causar sofrimento no momento da morte destes animais. A propósito, efetuando um paralelo entre as Ordenações Manuelinas e a legislação atual destaque-se a Constituição Federal de 1988 que determina ao poder público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”, e, também, a Lei de Crimes Ambientais n.º 9.605 de 1998, que prevê pena de três meses a um ano e multa para aquele que praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, e incorre na mesma pena aquele que realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
Das Ordenações Manuelinas vieram as Ordenações Filipinas de 1603 que reafirmam o disposto nas Ordenações Manuelinas no sentido de que aquele que cortasse árvore de fruto pagaria o triplo de seu valor ao respectivo proprietário. E, na hipótese de o valor do dano ser igual ou superior a “trinta cruzados”, a pena era o degredo para sempre no Brasil. Situação essa, aliás, contraditória, pois se o autor do crime residisse no Brasil estaria impune. Mas não é só! Os degredados acabariam por encontrar na nova terra um lugar extremamente propício para a continuação da prática desse tipo de crime.
Vale ressaltar, ainda, que as Ordenações Filipinas proibiram que qualquer pessoa jogasse material que pudesse matar peixes e sua criação ou sujar as águas dos rios e das lagoas. A atual Lei de Crimes Ambientais n.º 9.605/98 comina pena de detenção de um a três anos, ou multa, ou ambas cumulativamente, para aquele que “provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras”.
E, com relação às normas elaboradas pela Coroa Portuguesa especificamente para o Brasil, mencione-se uma primeira iniciativa de 1542, com a Carta Régia que estabeleceu normas disciplinares para o corte do pau-brasil e determinou punição ao desperdício da madeira. Porém, advirta-se que tal medida era uma proteção indireta às florestas brasileiras, uma vez que a preocupação portuguesa era com a evasão sem controle da riqueza representada pelo pau-brasil.
Tal norma não surtiu efeito. Calcula-se que em 1588, 4.700 toneladas da madeira já haviam passado pela aduana portuguesa. Assim, em 1605 foi estabelecido o “Regimento sobre o Pau-Brasil” que previa a pena de morte para aquele que cortasse o pau-brasil sem expressa licença real ou do provedor-mor. O Código Criminal do Império de 1830 previa penalidades de multa e prisão para corte ilegal de madeiras. Por outro lado, em 1886, o Império permitiu o desmatamento em propriedades particulares sem autorização. O Código Penal de 1890 determinou a pena de prisão de um a três anos e multa de 5% a 20% do dano causado, para o infrator que incendiasse plantações, colheitas, lenha cortada, pastos, ou campos de fazenda de cultura, ou estabelecimentos de criação, matas, ou florestas pertencentes a terceiros ou à nação.
Em 1916 o Código Civil estabeleceu a proibição de construções capazes de poluir ou inutilizar para o uso ordinário a água de poço ou fonte alheia. Na década de 1930 surgiram: o Código de Águas, a Lei de Proteção aos Animais, o Código de Pesca e o Código Florestal. Na década seguinte, o Decreto-Lei nº 2.014 de 1940 autorizou governos estaduais a efetuarem a fiscalização das florestas. Em 1965 nasceu outro Código Florestal e em 1975 vem à baila a Lei nº 6.225 que dispõe sobre discriminação, pelo Ministério da Agricultura, de regiões para execução obrigatória de planos de proteção ao solo e de combate à erosão. Nos anos de 1980 foi estabelecida a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938 de 17/01/1981) e, ainda, a nova Constituição Federal de 1988 que dedicou um capítulo inteiro ao meio ambiente. Em 1990 foi estabelecido o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), que prevê como nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais.
E, ainda, na década de 1990 foram instituídas as seguintes leis: a Política Nacional de Recursos Hídricos (9.433/97), a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) e a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n.º 9.795/99). O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza foi criado no ano 2000 através da Lei n.º 9.985/00 e o novo Código Civil, que entrou em vigor em 2003, dispõe no artigo 421 que: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Desse modo, contratos que violem regras ambientais ou a utilização racional do solo não poderão prevalecer ante o novo ordenamento civil.
Em 2003 surgiu a Lei de Acesso à Informação Ambiental. No ano de 2005 foi publicada a Lei nº 11.254 que estabelece sanções administrativas e penais em caso de realização de atividades proibidas pela Convenção Internacional sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e uso de Armas Químicas e sobre a Destruição das Armas Químicas existentes no mundo. Em 2006 cite-se a Lei n.º 11.284 que dispõe, além de outros, sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável. Em 2009 surgiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima – Lei n.º. 12.187/09 -, e no ano de 2010 mencione-se a publicação da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos n.º 12.305/2010, que dispõe sobre à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, além das responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. Já em 8 de dezembro de 2011 vem à baila a Lei Complementar n.º 140 que trata a questão do licenciamento ambiental, o qual para fins desta citada Lei é o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental. Em 25 de maio de 2012 vem à luz o Novo Código Florestal (Lei n.º 12.651) que estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos. E no dia 20 de maio de 2015 foi sancionada pela Presidência da República a Lei n.º 13.120, que define o novo marco legal da biodiversidade. Trata-se da regulamentação do acesso ao patrimônio genético de plantas e animais do Brasil, bem como de conhecimentos indígenas e tradicionais associados.
Enfim, independentemente da existência de inúmeras leis de caráter ambiental existentes no decorrer dos quinhentos anos de história do Brasil, o fato é que a degradação do meio ambiente do país provocada pelo homem persiste ainda hoje. Na Mata Atlântica, por exemplo, originalmente distribuída em uma área com cerca de 130 milhões de hectares, hoje ocupa menos de 8% dessa cifra. Perdemos cerca de 20% da Floresta Amazônica, 48% do Cerrado, 45% da Caatinga, 53% dos Pampas e 15% do Pantanal*1. E justamente pelo fato de que desmatamos muito, o Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do Planeta, cuja consequência é a intensificação das mudanças climáticas globais. Isso demonstra a enorme dificuldade de se fazer com que as leis sejam cumpridas no Brasil desde o seu descobrimento. Nem ao menos a mais rigorosa das penas, a de morte, prevista no Regimento sobre o Pau-Brasil de 1605, conseguiu inibir a quase extinção dessa madeira pela ação do homem. Deduz-se, assim, pela premente necessidade de que encontremos caminhos para o uso inteligente e responsável das florestas e cheguemos ao desmatamento zero, caso contrário, o citado remanescente da Mata Atlântica, por exemplo, pode deixar de existir, até porque, foi-se o tempo em que Pero Vaz de Caminha mostrou seu “assombro” ante a magnitude das florestas brasileiras: “mataria que é tanta, e tão grande, tão densa e de tão variada folhagem, que ninguém pode imaginar”.*2.
*1Fonte: http://ambientalistasemrede.org/greenpeace-publica-30-motivos-para-preservar-florestas-brasil/
Referência
*2. MARCONDES, S. Brasil, amor à primeira vista! Viagem ambiental no Brasil do século XVI ao XXI. São Paulo: Editora Fundação Peirópolis, 2005.
Sandra Marcondes é Advogada, com mestrado em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente.
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