O QUE É BRUCELOSE?
Caracterizada como importante zoonose mundial, é causada pelo gênero Brucella spp. Quatro espécies podem causar infecção em humanos: Brucella abortus, B. canis, B. suis e B. melitensis. Esta última, embora não detectada no Brasil, é responsável pela doença clínica mais severa.
Segundo estimativas da OMS, atualmente, a verdadeira incidência da brucelose humana pode ser cinco ou mais vezes superior aos números oficiais, uma vez que é sub-diagnosticada e sub-notificada. Estimam-se cerca de 500.000 casos de infecção humana anualmente em todo o mundo.
COMO A BRUCELOSE PODE CHEGAR NA MINHA CASA?
O consumo de leite não pasteurizado e seus derivados e de carne in natura ou mal cozida provenientes de animais infectados e doentes, transmite a infecção ao homem. A capacidade da bactéria se manter viável em queijos frescos e curados por cerca de 100 dias, mostrou ser possível fonte de infecção para o homem.
A incidência da brucelose humana varia de acordo com a prevalência regional da enfermidade em animais de produção, como bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equinos. Cães podem assumir risco de transmissão doméstica ou mesmo ocupacional, no caso de médicos-veterinários.
O número de casos de brucelose canina é desconhecido, pois não é exigida a notificação às autoridades de saúde. O cão infectado pode transmitir a doença para animais saudáveis por um longo período. Proprietários de cães, funcionários de canis de reprodução e médicos-veterinários formam o grupo com risco especial para a contaminação. Em pessoas idosas, imunossuprimidas, gestantes e crianças, a doença por Brucella canisapresenta diferentes graus de severidade.
Os cães são os principais hospedeiros da B. canis e também podem se infectar por outras espécies de Brucellasque acometem os animais de produção. As brucelas são excretadas pela urina e, nos machos, também pelo sêmen, causando falha na concepção e aborto em fêmeas, atrofia testicular e dermatite escrotal no macho.
A transmissão ocorre pelo contato oro-nasal e cópula. O tratamento de cães é controverso. Por não responderem adequadamente, recomenda-se a eutanásia. O exame dos animais domésticos deve ser indicado pelo médico-veterinário, uma vez que a brucelose canina pode não ser aparente. A investigação da brucelose canina ganhou importância com aumento expressivo do número de cães nos lares, o que exige maior alerta das autoridades sanitárias e profissionais.
QUEM ESTÁ MAIS VULNERÁVEL À BRUCELOSE?
A brucelose humana é uma preocupante doença ocupacional, citada na lista de doenças relacionadas ao trabalho, na Portaria n 1.339/1999 do Ministério da Saúde (Brucelose A23), responsável por incapacidade para o trabalho ou diminuição do rendimento. O principal grupo de risco são médicos-veterinários, inseminadores, auxiliares de campo, ordenhadores, magarefes, trabalhadores de abatedouros, tratadores em canis e laboratoristas.
Eles se infectam durante a lida com animais doentes e portadores da doença, quando ocorre contato direto com urina, descargas uterinas, sêmen, produtos de abortamento, carcaças infectadas ou por meio de procedimentos de necropsias, acidentes laboratoriais nos centros de diagnóstico e com a manipulação a campo da vacina B19 ou RB51.
A infecção pode acontecer ainda pelo contato indireto com utensílios e ambiente contaminado com brucelas. A inalação de aerossóis durante a excreção urinária dos animais ou aqueles produzidos acidentalmente na execução de procedimentos laboratoriais e de necropsias assume enorme importância na infecção humana.
Soluções de continuidade cutâneas e mucosas como orofaríngea, nasal, gastrointestinal e geniturinária se constituem em portas de entrada das brucelas, cuja dose infectante é extremamente baixa. Apenas 10-102 microrganismos podem conduzir a infecção.
A OMS classificou a bactéria de grau III no Manual de Biossegurança em Laboratório por sua elevada virulência, e preconizou que os procedimentos de segurança mínimos para a manipulação de amostras e culturas sejam realizados em câmaras de fluxo laminar de tipos II ou III e laboratórios NB3.
As espécies de Brucella podem ser utilizadas como potentes armas biológicas, dado o seu potencial para infectar seres humanos e animais na forma de aerossóis. A contaminação acidental em laboratórios está associada à aspiração de aerossóis durante o cultivo de amostras clínicas, nos procedimentos de extração de DNA, no contato com a pele e na pipetagem. Qualquer pessoa presente no laboratório durante o trabalho de identificação de um isolado patogênico de Brucella é considerada exposta.
COMO EVITAR A DOENÇA?
Os principais pontos para a prevenção da brucelose humana são a erradicação da brucelose animal, a partir de programas sanitários obrigatórios aos rebanhos e notificação compulsória de casos; a educação sanitária sobre o perigo do consumo de leite e derivados não pasteurizados, assim como sobre consumo de carne in natura ou mal cozida, sem conhecimento da origem ou de abate clandestino; e a adoção de medidas preventivas com obrigatoriedade de uso de equipamentos de proteção individual para os profissionais que compõem os grupos de risco.
Os programas de combate à brucelose baseiam-se principalmente em vacinação das bezerras e detecção, seguida do sacrifício de animais infectados. Em 2001, o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento instituiu o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose sendo obrigatória a vacinação com vacina B19 de fêmeas bovinas e bubalinas entre 3 e 8 meses de idade. E, em 2007, regulamentou o uso especial da vacina RB51, ambas vivas e atenuadas para essas espécies.
Entretanto, são patogênicas ao homem, devendo os profissionais tomarem cuidado com o manuseio de agulhas ou respingos de vacina nos olhos, nariz e boca. Ainda não foi encontrada qualquer vacina eficaz e segura para o homem.
Entre as vacinas disponíveis, a B19 induz anticorpos aglutinantes detectados nas provas sorológicas. Porém, a RB51 é atenuada por passagem em rifampicina ou penicilina e perde a sua capacidade aglutinante, impedindo o diagnóstico sorológico em indivíduos que se infectaram acidentalmente durante a manipulação dessa vacina. É crucial saber como o paciente se infectou para que seja estipulado o tratamento adequado, pois a RB51 é resistente a rifampicina, um dos antibióticos de escolha na terapia humana.
Em caso de acidentes vacinais, as respostas sorológicas à infecção pela estirpe B19 podem variar quanto a sua detecção nos testes usuais de diagnóstico. Entretanto, com a vacina RB51, mutante rugosa por sucessivas passagens em rifampicina ou penicilina, os testes sorológicos continuam negativos.
Recentemente, duas condições atípicas chamaram atenção da comunidade médica. A primeira foi o isolamento de estirpe de Brucella a partir de ferida infetada pós-implante de mama em paciente de 71 anos com sinais clínicos de brucelose. Frente às análises fenotípicas e moleculares foi reconhecida uma nova espécie, a Brucella inopinata.
A segunda foi uma estirpe de Brucella (BO2) isolada a partir de biópsia de pulmão de um paciente australiano de 52 anos, com pneumonia crônica, a qual com bases moleculares foi identificada como Brucella inopinata.
Também foram confirmados casos de transmissão inter-humana por meio de transplante de órgãos e tecidos, sobretudo medula óssea; transfusão de sangue; aleitamento materno; transmissão intra-uterina e contato sexual.
COMO DIAGNOSTICAR A BRUCELOSE?
Os principais problemas com o diagnóstico da brucelose humana são: o histórico complexo na suspeição clínica, os diferentes fatores de risco, o período variável de incubação e os múltiplos sintomas.
O período de incubação da brucelose em humanos varia entre cinco e 60 dias, não sendo raros os casos de meses de incubação antes dos primeiros sintomas. A classificação da doença em formas aguda, subaguda ou crônica é puramente teórica. Mas, a localização das lesões auxilia na escolhe do tratamento.
Em muitos pacientes, surge apenas como infecção, identificada em testes sorológicos, sem sintomas e sinais clínicos aparentes. Por outro lado, o comprometimento sistêmico de vários órgãos e tecidos conduz a sintomas variados e nem sempre concomitantes.
Fadiga, astenia e adinamía podem estar acompanhadas de cefaleia, anorexia, desânimo, depressão, alteração do sono, exacerbação da sensibilidade ao frio, sudorese intensa principalmente à noite com odor alterado, mialgia, tendinite, uveíte, tosse, ardor ou incomodo ao urinar, dor abdominal, alteração do trânsito intestinal, icterícia. Ainda é sintoma a febre aguda, insidiosa, remitente ou ondulante. Lesões cutâneas como vasculite, exantema e eritema nodoso também são comuns.
No homem, a dor testicular pode estar presente devido à orquite e à epididimite. Já nas mulheres, salpingite, cervicite, abcesso pélvico e abortamento foram descritos. Em ambos os sexos, com o emprego da Polimerase Chain Reaction- PCR no diagnóstico, foi constadada a elevada frequência do comprometimento gênito-urinário com excreção urinária.
Complicações osteoarticulares podem ocorrer em 60% dos casos, comprometendo o andar pela dor intensa advinda de artrites, bursites e calcificações articulares. Espondilodiscites e demais alterações na coluna vertebral, principalmente lombar são muito frequentes e limitantes ao trabalho. Nos casos ainda mais severos, são descritas encefalite, meningite (neurobrucelose), neurites periféricas e endocardite bacteriana, que podem evoluir ao óbito se não diagnosticadas precocemente. Comumente ao exame clínico, são detectadas hepatomegalia, esplenomegalia e adenopatias.
Diagnóstico da brucelose baseia-se principalmente na suspeição clínica de exposição de risco, seguido da confirmação laboratorial por meio de hemoculturas, culturas de medula óssea e de tecidos infectados, exames sorológicos e fundamentalmente pela PCR de urina e liquor. A cultura é sensível e específica, entretanto, necessita incubação prolongada. Aumento de quatro vezes a titulação sorológica ou uma única titulação maior ou igual a 1:60 podem ser usadas para confirmar o diagnóstico clínico.
A localização intracelular da bactéria e seu pequeno tamanho dificultam a utilização de microscopia direta para fins diagnósticos. Dependendo da fase clínica da doença, o resultado sorológico pode ser falso negativo, sendo essencial o emprego de várias técnicas diagnósticas concomitantemente. O exame de PCR da urina tem se mostrado excelente nos pacientes cujos demais exames falharam em confirmar a brucelose.
O diagnóstico humano conta com o serviço do Ambulatório de Zoonoses do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e o diagnóstico laboratorial é realizado no Instituto Adolfo Lutz. Já o Laboratório de Doenças Bacterianas da Reprodução do Instituto Biológico, acreditado pelo MAPA, apresenta equipe de excelência no diagnóstico animal.
COMO TRATAR A DOENÇA?
O sucesso da cura está ligado à persistência do tratamento mesmo diante da melhora clínica e aparente remissão dos sintomas, que podem ocorrer já nas primeiras semanas. Efeitos adversos da medicação como náusea, vômitos, desconforto abdominal, epigastralgia, desequilíbrio, vertigem, fotossensibilidade, nefro-toxicidade, reações de hipersensibilidade e a possível ocorrência de ototoxicidade, desestimulam a continuidade do tratamento. Nos casos osteoarticulares o tempo mínimo é de quatro meses, podendo ser maior na dependência da avaliação médica.
São observadas recidivas geralmente nos seis primeiros meses após o tratamento em até 23% dos pacientes tratados. Estão associadas à terapêutica inadequada e ao tempo insuficiente de tratamento.
O monitoramento pela PCR da excreção urinária de Brucella spp. ao longo do tratamento é uma medida auxiliar importante para avaliar o êxito do protocolo terapêutico escolhido e a duração necessária para evitar recidivas. O esquema terapêutico completo para brucelose humana está disponível no link http://www.dive.sc.gov.br/conteudos/zoonoses/Noticias/2012/.
SERVIÇO:
Hospital Emílio Ribas: Avenida Doutor Arnaldo, 165 – Pacaembu – São Paulo. Telefone: (11) 3896-1200. Site: www.emilioribas.sp.gov.br.
Instituto Adolfo Lutz: Avenida Doutor Arnaldo, 355 – Pacaembu - São Paulo. Telefone: (11) 3088-3041. Site: http://www.ial.sp.gov.br.
Laboratório de Doenças Bacterianas da Reprodução do Instituto Biológico: Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, 1252 – Vila Mariana – São Paulo. Telefone (11) 5087-1770. Site: http://www.biologico.sp.gov.br/.
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