O uso dos animais como auxilio em atividades terapêuticas
tem uma longa história, porém o uso extensivo, documentado
e organizado é relativamente novo. Os programas que incluem
animais já existem na Europa e América do Norte e, recentemente,
estão sendo integrados às práticas de diversas instituições
brasileiras visando benefícios terapêuticos, fisiológicos,
psicológicos e psicossociais (BECK e KATCHER, 1984; FARACO,
2003).
Atualmente, essa especialidade tem sido empregada numa
ampla variedade de contextos, como: terapias de grupo e individual,
com pacientes externos ou em circunstâncias de internação,
em escolas, em residências terapêuticas e para reabilitação
física e social. Além dessas, na Saúde Mental há programas direcionados
aos casos de: transtorno de ansiedade; transtornos
alimentares; transtornos de humor; comportamentos obsessivos-
compulsivos; estresse pós-traumático; déficit de atenção e
hiperatividade; conduta opositiva/ desafiante; nos casos de abuso
e dependência de drogas (FARACO et al, 2009).
Cabe ressaltar que devido a sua amplitude singular, há diferentes
profissionais contribuindo para o desenvolvimento desta
área: fonoaudiólogos, assistentes sociais, terapeutas de família,
terapeutas ocupacionais, veterinários, enfermeiros, psicólogos,
comportamentalistas, pedagogos, professores, médicos, entre
outros. A natureza interdisciplinar e multidisciplinar destas atividades
constitui um desafio adicional e uma oportunidade incomum
para os profissionais potencialmente envolvidos nessa
temática.
Para a Medicina Veterinária estas atividades terapêuticas
abrem novos caminhos para o exercício profissional. Possibilidades
essas, que demandam aquisição e adequação de habilidades
específicas. Este texto, preenchendo uma lacuna na área em
questão, aborda tópicos de interesse para o médico veterinário
que atua ou deseja participar destas intervenções.
Os programas de intervenção com animais
A decisão de incluir animais com fins terapêuticos pressupõe
que esses possam oferecer algo que as pessoas ou grupos
alvos necessitem para melhorar sua vida significativamente, ou
então, adicionar uma motivação especial para que sejam realizadas
determinadas atividades ou tratamentos.
Os resultados esperados poderão ser de natureza variada:
melhoria psicossocial, motivação para executar tarefas importantes
ou até mesmo ajuda para realizar determinadas tarefas
que são inalcançáveis para os beneficiários por seus próprios
recursos. Deve ficar claro que não devemos esperar que um animal
possa satisfazer as necessidades ou melhorar a vida de todas
as pessoas. Fatores trans-geracionais e experiências de vida
podem definir a possibilidade ou impossibilidade de contato
humano com determinadas espécies animais ou raças.
Quando um profissional idealiza um programa de AAT para
uma pessoa ou grupo, em cujo processo de tratamento será incluído
um animal, objetivos concretos devem ser estipulados
e adequados às peculiaridades de cada caso. A intervenção
pode ser realizada por um profissional ou por uma equipe inter/
multidisciplinar. No entanto, os cuidados higiênicos sanitários
devem ser de responsabilidade de um médico veterinário, bem
como a supervisão dos aspectos comportamentais do animal e
as formas de interação com os pacientes alvos.
Aspectos éticos envolvidos
Os aspectos éticos devem estar relacionados
a três perspectivas que muitas vezes são conflitantes
no seu interesse: pessoas, animais e delineamento
da intervenção. No que diz respeito
às pessoas, nas nossas intervenções seguimos a
Resolução do CFP Nº 016/2000 de 20 DE DEZEMBRO
DE 2000 que orienta sobre a realização
de intervenções com seres humanos.
Para as atividades educacionais seguimos as
recomendações da Declaração do Rio de Janeiro
sobre os Animais de Estimação nas Escolas, elaborada
pela International Association of Human-
-Animal Interaction Organizations (IAHAIO), em
2001. Esta dispõe sobre as condições sanitárias, de
segurança e de bem-estar dos animais e crianças.
Neste documento, é enfatizada a importância da
precisão de objetivos, da intervenção e do esclarecimento,
junto às escolas e famílias, sobre os
propósitos destes programas.
O início de cada programa implica em um acordo
sobre as regras de convivência entre pessoas e
animais e, nesse são previstos os cuidados com os
animais (incluindo informações sobre o manejo
adequado e o respeito com as características fisiológicas
e comportamentais de cada espécie).
Os animais selecionados para estas atividades
são considerados animais de serviço e devem
ter um regime especial de participação. É
preciso preservar o período de descanso, para
evitar estresse, sendo estabelecidas áreas de
isolamento em que o ruído, movimento e outros
fatores ambientais sejam controlados.
Seleção dos animais
A seleção de animais tem como foco o
princípio de que quem recebe as atenções co-
-terapêuticas dos animais é portador de transtornos físicos
ou mentais e poderá beneficiar-se através da inclusão destes
como modalidade terapêutica complementar.
Muitos dos princípios que se empregam para selecionar animais
de companhia em ambientes domésticos podem ser empregados
em settings terapêuticos. Dentre esses, podemos salientar:
os animais que participam de atividades devem ser saudáveis, ter
o esquema de vacinação completo, padrão para a espécie, e tratamento
antiparasitário. É de fundamental importância que cada
animal seja avaliado no que diz respeito a sua estabilidade comportamental
frente às mudanças de ambiente físico e social.
Existem inúmeras razões para a variação dos animais utilizados
nas intervenções em relação à espécie,
raça, e nível de treinamento. O contexto da
atividade e os objetivos a serem alcançados
são etapas básicas a detalhar, quer dizer, os
animais serão facilitadores para exercícios,
para aprendizagem, transmitirão segurança
ou serão facilitadores sociais? Estas e outras
questões devem ser respondidas já no planejamento.
É necessário conhecer amplamente as espécies,
sendo um erro básico escolhê-las pela
afinidade do profissional/equipe ou pela sua
disponibilidade, sem levar em conta todos os
aspectos envolvidos no contexto. Os cães, sem
sombra de dúvida, são os mais freqüentemente
utilizados, mas cabe salientar, que as diferentes
raças ou as cruzas entre elas somadas as
experiências de vida de cada animal, podem
resultar em indivíduos com comportamentos
opostos, por ex: agressividade ou tolerância,
ser submissos ou dominadores e serem brincalhões
ou pacatos. Reiteramos que as avaliações
comportamentais são também responsabilidade
dos veterinários (WENG et.al,2006).
É indispensável o controle sanitário dos
animais, detectando manifestações clínicas
precoces de enfermidades infecciosas e de patologias
comportamentais. A avaliação periódica
por um médico-veterinário é obrigatória,
assim como devem ser elaborados protocolos
preventivos e de manejo desde a etapa de planejamento
destas atividades.
Considerações finais:
Para concluir, consideramos ser muito promissora a implantação
de programas adequadamente planejados de intervenção
mediada por animais como modalidade terapêutica complementar,
e a conseqüente divulgação dos resultados obtidos. A
incipiente publicação de resultados consistentes é ainda o imenso
desafio a ser superado no nosso país.
Os desafios futuros incluem a participação imprescindível
de médicos veterinários nas equipes para exercer a responsabilidade
e a supervisão dos animais participantes. Além disso,
é essencial que esses profissionais estejam capacitados para
contribuir nas diferentes fases destas atividades, ou seja, do
planejamento à análise de resultados. Conhecimentos sobre
Etologia e Antrozoologia são requisitos indispensáveis para
associar aos conhecimentos básicos sobre clínica e saúde pública.
É um novo campo profissional da Medicina Veterinária
e, para ser desenvolvido, necessitará do esforço conjunto entre
profissionais, entidades de classe e academia.
REFERÊNCIAS:
BECK A.M. & KATCHER A.H. A new look at pet-facilitated
therapy. Journal of the American Veterinary Medical Association
184, 414–420, 1984.
FARACO, C. B. Animais em sala de aula: um estudo das repercussões
psicossociais da intervenção mediada por animais.
Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Faculdade de Psicologia,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2003.
FARACO, C. B; PIZZINATO, A.; CSORDAS, M. C, MOREIRA,
M. C; ZAVASCHI, M. L. S; SANTOS, T; OLIVEIRA, V. L. S;
BOSCHETTI, F. L; MENTI, L. M. Terapia mediada por animais
e Saúde Mental: um programa no Centro de Atenção
Psicossocial da Infância e Adolescência em Porto Alegre.
Saúde Coletiva, n.34, p.231-236,2009.
WENG, HSIN-YI; KASS, P. H.; HART, L. A.; CHOMEL, B. B.
Risk factors for unsuccessful dog ownership: An epidemiologic
study in Taiwan. Preventive Veterinary Medicine, v.
77, n. 1-2, p. 82-95, 2006
WOOD, L, GILES-CORTI,B.BULSARA, M. The pet connection:
Pets as a conduit for social capital? Social Science &
Medicine 61, 1159–1173, 2005.
Profa Dra. Ceres Berger Faraco
Médica Veterinária, Dra. em Psicologia PUCRS/Universidade de
Valencia,Espanha. Professora do Curso de Psicologia da FACCAT,
Coordenadora Grupo de pesquisa INTERHA – Estudos da relação humanoanimal.
Presidente da AMVEBBEA – Associação Médico-Veterinária Brasileira
de Bem-Estar Animal. Email: ceresfaraco@gmail.com . Av. Oscar Martins
Rangel, 4500, Taquara, RS, CEP: 95600-000
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