domingo, 18 de janeiro de 2015

Cuidados intensivos em pets acelera e assegura a recuperação pós-operatória.


A relação entre o proprietário e seu animal de estimação
tornou-se bastante estreita nos últimos anos. Estes proprietários
mostram-se dispostos a oferecer melhor assistência médica veterinária
aos seus animais de companhia. A internação para tratamento
intensivo muitas vezes define o prognóstico bem como
acelera e assegura a recuperação pós-operatória.

Ainda que recentemente os avanços tecnológicos corroborem
com a monitoração de pacientes graves, é importante ressaltar
a atenção integral do veterinário a estes pacientes, com
o intuito de observar e intervir nas discretas alterações clínicas
que podem ser letais.

O objetivo do tratamento intensivo é detectar alterações na
função orgânica, antes que essas disfunções se tornem falência
orgânica. Na admissão do paciente na UTI o foco do exame
físico deve ser o sistema cardíaco e respiratório, priorizando a
oferta de oxigênio aos tecidos. (HACKETT, 2009). Os exames
complementares, a monitoração da hemodinâmica, da ventilação
e da oxigenação suplementará as informações obtidas no
exame físico (BOAG; HUGHES, 2005).

A monitoração hemodinâmica permite a detecção precoce
de alterações nos parâmetros fisiológicos. Alterações estas
que muitas vezes necessitam de intervenção terapêutica rápida
(RHODES; GROUNDS; BENNET, 2005). Compreende desde
os parâmetros obtidos com o exame físico até a observação eletrocardiográfica
contínua, a monitoração da pressão arterial e
da pressão venosa central, bem como as técnicas mais invasivas
como a monitoração da pressão de oclusão da artéria pulmonar,
raramente utilizada na medicina veterinária (WADDELL;
BROWN, 2009)

Em pacientes graves, o decréscimo da pressão arterial pode
significar perfusão inadequada de órgãos vitais como cérebro
e rins (ANDREWS; NOLAN, 2006). Os métodos não invasivos
incluem o sistema Doppler e o monitor oscilométrico. 

Doppler mensura somente a pressão arterial sistólica (PAS)
e seus valores são mais fidedignos que os valores fornecidos
pelo método oscilométrico, especialmente quando se trata de
animais com hipotensão grave ou com taquiarritmias (BOAG;
HUGHES, 2005). O método invasivo por meio da canulação
de uma artéria fornece medidas mais acuradas. Valores de PAS
abaixo de 90 mm Hg e de pressão arterial média menor que 60
mm Hg promovem hipoperfusão grave, necessitando de tratamento
de urgência (BOAG; HUGHES, 2005). A pressão arterial
é um parâmetro pouco sensível para determinar hipoperfusão de
moderada a grave, uma vez que mecanismos compensatórios
aumentam a freqüência cardíaca e o volume sistólico com o objetivo
de manter a pressão arterial dentro dos valores normais
(BOAG; HUGHES, 2005). Assim, a pressão arterial deve ser
avaliada em conjunto com outras variáveis clínicas e hemodinâmicas.

A pressão venosa central (PVC) é um parâmetro hemodinâmico
comumente utilizado em terapia intensiva em pacientes
submetidos à reposição volêmica. A PVC é mensurada por
meio de um cateter inserido na veia jugular e localizado na veia
cava intratorácica (Figura 1). Os valores normais de pressão venosa
central estão entre 0 e 5 cm H20 e refletem o equilíbrio
entre o volume sanguíneo venoso central, a capacitância venosa
e a função miocárdica direita (GOOKIN, 1999).

A mensuração do débito urinário avalia indiretamente o
débito cardíaco, a perfusão esplâncnica e a função renal em
pacientes graves. Valores anormais podem alertar sobre a existência
de algum problema, bem como sobre a necessidade de
ajustar a reposição volêmica destes animais. Os valores normais
devem exceder 2 ml/kg/hora, mas vale ressaltar que a interpretação
do débito urinário deve estar associada ao exame físico e
a outros parâmetros avaliados (MATHEWS, 2006).

Segundo Rivers e colaboradores (2001 a), a ocorrência de
hipoperfusão pode ser concomitante à melhora dos parâmetros
clínicos rotineiros. Nestas situações, é importante avaliar as variáveis
de oxigenação tecidual como a saturação venosa central
de oxigênio (SvcO2), obtida por meio da análise de gases no
sangue venoso central (BOAG; HUGHES, 2005). No homem, a
monitoração contínua da (SvcO2) tem sido utilizada como guia
para o tratamento de pacientes graves, demonstrando redução
da mortalidade (RIVERS, 2001b).

Com a progressão da hipoperfusão, os tecidos sofrem hipóxia,
desencadeiam o metabolismo anaeróbico produzindo lactato
e promovendo acidose metabólica. A hipoperfusão sistêmica
leve está associada a concentrações plasmáticas de lactato entre
2,5 e 4,9 mmol/L e hipoperfusão moderada a 5 e 7 mmol/L
(BOAG; HUGHES, 2005). Entretanto, o lactato parece ser um
marcador de perfusão tecidual tardio, uma vez que elevados níveis
séricos só ocorrem quando a extração de oxigênio pelos
tecidos já foi maximizada e a hipóxia tecidual persiste. Assim,
o lactato deve ser avaliado em conjunto com outros marcadores
de hipoperfusão tecidual (BOAG; HUGHES, 2005).

Assim como os níveis séricos de lactato, o déficit de base
ou excesso de base também pode ser utilizado para monitorar
de maneira indireta a hipoperfusão tecidual em pacientes graves
(SMITH et al., 2001; KARAGIANNIS et al., 2006). Em geral,
valores negativos (diferença ou déficit de base) indicam acidose
metabólica, enquanto valores positivos indicam alcalose metabólica.
(KARAGIANNIS et al., 2006).

A administração intravenosa de fluidos é uma prática bastante
comum em unidades de terapia intensiva com o intuito de
restaurar o equilíbrio entre o a oferta e o consumo de oxigênio
tecidual (RIVERS et al., 2005; HOTCHKISS; KARL, 2003).

Os cristalóides e os colóides são soluções comumente utilizadas
durante o tratamento intensivo de acordo com a avaliação física
do paciente e de seus exames complementares (GROCOTT;
HAMILTON, 2002).

Quando a hipotensão arterial persiste após a reposição volêmica,
é recomendada a terapia com vasopressores e fármacos
inotrópicos com o intuito de elevar a pressão arterial e promover
a manutenção do fluxo sanguíneo aos tecidos (BOLLER;
OTTO, 2009). 

A dopamina, fármaco mais comumente utilizado,
atua na ativação dos receptores dopaminérgicos promovendo
vasodilatação esplâncnica e maior fluxo sanguíneo aos rins
e sistema gastrintestinal. Em doses de 5 a 10μg/kg/min, a dopamina
estimula os receptores beta-adrenérgicos e em menor grau
os receptores alfa-adrenérgicos. Assim, aumenta a contratilidade
cardíaca e a freqüência cardíaca com moderado aumento na
resistência vascular sistêmica (MARIK, 2002).

A admissão em terapia intensiva de animais com distrição
respiratória é bastante freqüente. A insuficiência respiratória
ocorre quando a pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2) é
menor que 60 mm Hg com fração inspirada de oxigênio (FiO2)
acima de 50% ou pressão parcial de dióxido de carbono arterial
acima de 50 mm Hg. Clinicamente o animal apresenta aumento
da frequência e do trabalho respiratório, bem como alteração
postural. 

A insuficiência respiratória pode ser hipoxêmica, secundária
a doença que acomete o parênquima pulmonar como
nos casos de pneumonias, edemas, e hemorragias pulmonares,
ou hipercapnica, secundária a alterações no sistema nervoso
central (SNC), músculos respiratórios e parede torácica como
nos casos de overdoses de fármacos depressores do SNC, trauma
crânio-encefálico, efusão pleural e pneumotórax entre outras
(BARTON, 2009). Independente da causa da distrição respiratória,
todos os animais devem receber suplemento de oxigênio
via máscara ou cateter nasal. 

Se a causa da falência respiratória não pode ser rapidamente identificada
e tratada como no caso,
por exemplo, da drenagem da efusão pleural, o paciente deve
ser intubado e submetido à ventilação mecânica. A monitoração
deve ser realizada por meio da oximetria de pulso bem como
pelos valores obtidos na gasometria arterial.

A manutenção da normoglicemia também é muito importante
nos pacientes graves. A glicose é fonte de energia fundamental
para o tecido do sistema nervoso que possui habilidade
limitada na utilização de outros substratos (KOENIG, 2009).

O suporte nutricional é um componente fundamental embora
muitas vezes subestimado durante o tratamento intensivo.
Os animais graves desenvolvem balanço energético e
protéico negativo que comprometem o sistema imunológico,
tornando-os susceptíveis a infecções e aumentando a mortalidade.

A avaliação física deve ser diária e a dieta planejada
conforme o quadro clínico apresentado. A via de escolha é a
enteral, no entanto em situações nas quais o trato gastrointestinal
está comprometido, a via parenteral deve ser considerada
(ELLIOT, 2009).

O prognóstico da doença de base, a resposta ao tratamento
estabelecido, a qualidade de vida prévia e a possibilidade de
qualidade de vida após a internação na UTI são fatores muito
importantes para a tomada de decisão quanto a admissão na
UTI e quanto a manutenção do tratamento intensivo. O médico
veterinário deve estar apto a reconhecer e intervir em situações
emergenciais, bem como garantir o bem estar animal.

Andreza Conti-Patara
UTI-Vet Support / Instituto Sirio-Libanês de Ensino e Pesquisa.
Silvia Renata Gaido Cortopassi

Profa. Livre Docente da FMVZ-USP


Fonte:



Referências
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