sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Morte de cão recém-comprado não gera dano moral, somente dano material


Quanto vale, em termos jurídicos, o amor e o afeto destinado a um animal de estimação?


Essa a questão que os desembargadores das 11ª e 12ª Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tiveram de enfrentar ao julgar recursos em ação de indenização por danos morais e materiais que uma mulher e sua filha apresentaram contra um pet shop que lhes vendeu um cachorrinho que estava com uma doença oculta e que veio a morrer, em consequência dela, dias depois da compra.

Só ao julgar os Embargos Infrigentes contra a decisão dividida da 11ª Câmara é que a 12ª Câmra chegou a um veredito: por ter ocorrido depois de tão curto período de convivência com suas novas proprietárias, a morte do cãozinho era digna de reparação por danos materiais, mas não por danos morais.

Quem decide comprar um animal de estimação deposita naquele ser vivo a expectativa de ter um companheiro leal por vários anos. Foi essa a intenção de Betriz e Françoise Picot, que, ao se encantarem por dois filhotes da raça poodle expostos no Pet Gávea, no Rio de Janeiro, decidiram arrematá-los. Os cachorrinhos deveriam substituir o vazio deixado pelo antigo cachorro, com quem a dupla conviveu por 13 anos.

Acontece que os pequenos animais não tardaram a apresentar sintomas de uma doença e um deles não resistiu. Inconformadas com a fatalidade, as Picot decidiram entrar com ação contra o pet shop que lhes vendeu o casal.

Segundo as autoras, seria responsabilidade do estabelecimento apresentar um laudo médico atestando que os bichinhos eram portadores de um vírus, na época da compra ainda incubado, poupando-lhes assim de gastos e sofrimento. Após um par de dias na nova casa, foi constatada pelo veterinário a presença de uma virose nos caninos, altamente contagiosa, denominada cinomose. Pouco depois a fêmea morreu.

Diante dos fatos, as autoras requereram na Justiça a quantia de R$ 2.802, o total de gastos com o tratamento, e também, a devolução do valor pago pelo animal (R$ 967,50), além da reparação pelos danos morais. Um laudo pericial detectou que os animaizinhos já estavam com o vírus incubado.

A juíza Marisa Simões Mattos, em sentença, utilizou-se do seguinte dispositivo para objetivar a culpa do pet shop: "o artigo 8º do Código de Defesa do Consumidor, que materializa o princípio da segurança, que estabelece o dever do fornecedor de não colocar no mercado de consumo produtos ou serviços com defeito ou que coloquem em risco a saúde ou segurança do consumidor. Assim, nos casos de defeito nos produtos à venda, responderá objetivamente pelos danos causados ao consumidor, isto é, com culpa presumida."

A partir deste entendimento ficou configurada a responsabilidade do pet shop em relação ao dano material, de acordo com a juíza. Já quanto ao dano moral, ela afirmou "que não há como acolher a pretensão das autoras, haja vista que se trata de fato do produto, cuja responsabilidade do comerciante é subsidiária nos casos em que o produtor é perfeitamente identificado, nos termos do artigo 13 do CDC."

As proprietárias do pet shop entraram com recurso contra a sentença. Recurso este analisado pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. As Picots, por sua vez, reforçaram a tese de que se trata de defeito do produto, o que caracteriza responsabilidade solidária do criador e do comerciante e que, tal fato, tem o condão de provocar danos morais.

A 11ª Câmara Cível do TJ-RJ concedeu às autoras indenização por danos morais no valor de R$ 4 mil. Os desembargadores entenderam que o objetivo da compra do animal foi aplacar o sofrimento pela morte do antigo cão, mas a doença do filhote só trouxe desgastes emocionais e físicos, com idas a veterinários e clínicas.

Mas o voto vencido do desembargador José Carlos de Figueiredo deu à história mais um capítulo. Para ele, a perda do cachorro não implica em danos morais, uma vez que o animal morreu uma semana após sua compra e, portanto, não houve tempo suficiente para que fosse criado um laço afetivo entre espécies. Utilizou-se também do Súmula 75 do TJ-RJ no sentido de que o mero descumprimento contratual não configura ofensa capaz de ensejar indenização por danos morais.

Como não houve acordo na 11ª Câmara, a decisão final acabou por conta da 12ª Câmara Cível, por meio de Embargos Infringentes. Por unanimidade, os desembargadores seguiram o entendimento do voto vencido na 11ª Câmara: o pet shop deve pagar pelos danos materiais, mas não houve dano moral. "Data maxima venia do entendimento esposado pelos cultos prolatores do voto majoritário, o vencido é o que melhor se coaduna com a realidade dos autos", escreveu em seu voto o relator Mario Guimarães Neto.

Para reforçar o entendimento, acrescentou: "Embora se compreenda o apego das recorridas pelo animal e a intenção de sanarem a grave doença que o acometeu, inexistente de qualquer outra prova que tenham sido vítimas as autoras de dano moral que, como de sabença, se corporifica na dor psíquica, vexame, sofrimento íntimo, humilhação, angústia e aflição".


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