FIGURA 3 e 4
Cão com cinomose durante crise epiléptica generalizada tônico-clônica
Cadela com cinomose nervosa apresentando tetraparesia não ambulatória e hipotrofia generalizada
CRÉDITO FOTOS: DIVULGAÇÃO
O diagnostico é baseado na apresentação clínica, na idade e condição de imunização do animal e em exames laboratoriais. Entretanto, nem sempre os exames laboratoriais específicos são conclusivos. O tratamento da CC se diferencia nas duas fases da doença
Autores
Vitor Márcio Ribeiro – professor adjunto da IV Escola de Veterinária da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Betim - vitor@pucminas.br
Bruno Benetti Junta Torres – professor assistente Temporário. Departamento de Medicina Veterinária. Universidade Federal de Lavras - brunotorres@dmv.ufla.br
A cinomose canina (CC) é uma doença viral altamente contagiosa e frequentemente fatal, com manifestações respiratórias, dermatológicas, gastrentéricas e neurológicas (APPEL, 2010).
Há relatos bem descritos sobre a CC que datam de 1746 na América do Sul, e parece ter sido levada da América à Europa no princípio do século XVIII. Em meados de 1760 a doença foi descrita na Espanha, seguida de Inglaterra, Itália e Rússia. Sua distribuição universal é reconhecida há muitos anos e no Brasil já era considerada disseminada desde 1944 (PINTO, 1944; MAGALHÃES, 1965; BLANCOU, 2004).
O vírus infecta os cães domésticos e selvagens, tornando-os os principais reservatórios naturais, apesar de afetar outras famílias além da Canidae, como a Mustelidae (furão, vison, doninha, texugo, lontra), Viverridae (cuíca), Procyonidae (guaxinim, coati, panda), que podem servir como reservatórios da infecção para populações de cães suscetíveis (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Afeta principalmente animais jovens e imunossuprimidos e, animais não imunizados, uma vez infectados, correm enorme risco de desenvolverem doença sistêmica grave e/ou do sistema nervoso, com taxa total de mortalidade em torno de 50% (APPEL, 2010).
Seu diagnostico é baseado na apresentação clínica, na idade e condição de imunização do animal e em exames laboratoriais. Entretanto, nem sempre os exames laboratoriais específicos são conclusivos e, nesses casos, o médico veterinário deve valorizar e interpretar os achados laboratoriais não específicos, mas que podem direcionar no diagnostico (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
O tratamento da CC se diferencia nas duas fases da doença, a saber, a sistêmica e a neurológica e segue como grande desafio ao clínico. Em virtude disso, a prevenção por meio da vacinação é a grande arma existente contra essa doença. Assim, o objetivo deste trabalho é fazer uma abordagem prática e atualizada sobre os principais aspectos que giram em torno de cães acometidos pela fase neurológica da cinomose.
Etiologia
O vírus da cinomose canina (VCC) pertence à ordem Mononegavirales, família Paramyxoviridae, gênero Morbillivirus. Trata-se de um RNA-vírus com característica pantrópica, infectando células dos diversos sistemas do organismo dos cães (MARTINS et al., 2009).
O VCC está estreitamente relacionado com o vírus do sarampo, da peste bovina, peste dos pequenos ruminantes, cinomose das focas, morbilivírus dos golfinhos, morbilivírus das toninhas, morbilivírus dos equinos e morbilivírus dos suínos (GREENE & APPEL, 2006). Possui envelope lipoproteico, é sensível ao ambiente e suscetível à inativação por desinfetantes comuns, detergentes, luz ultravioleta, calor e ressecamento. Pode sobreviver no ambiente na temperatura de 0 a 4ºC por poucas semanas. A 20ºC em tecidos infectados mantém-se infectivo apenas algumas horas (WILLOUGHBY & DAWSON, 2001). É destruído por temperaturas de 50 a 60ºC por 30 minutos. Em tecidos excisados ou secreções, sobrevive por pelo menos uma hora a 37ºC e por três horas a 20ºC. Em climas quentes, o VCC não persiste em canis após a remoção dos cães infectados. Aumenta sua sobrevivência em temperaturas frias e à -65ºC sobrevive por pelo menos sete anos (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Apesar de pequena variação genética, isolados do VCC são sorologicamente homogêneos, mas apresentam variedades com diferentes patogenicidades (NEGRÃO et al., 2007a; NEGRÃO et al., 2007b). As variedades Snyder Hill, A 75/17 e R252 são altamente virulentas e neurotrópicas e as demais variam em suas habilidades em causar lesões no sistema nervoso central (SNC) (ZEE & MacLACHLAN, 2004; GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Hospedeiros
Os hospedeiros naturais do VCC incluem, além dos cães, certas espécies de carnívoros terrestres, como o panda vermelho, coiote, dingo, lobo, raposa, hiena, marta, furão, lontra, carcaju, texugo, jaritataca, quati, kinkajou, guaxinim, urso, panda gigante, macaco, civeta, mangusto, foca, meerkat, leopardo, leão, jaguar, margay e jaguatirica. Infecções subclínicas ocorrem em suíno e pecari, nos quais pode manifestar encefalite na infecção natural, e no elefante asiático (GREENE & VANDEVELDE, 2012). Gatos e porcos domésticos têm sido infectados somente de maneira experimental, não sendo considerados no grupo de risco (APPEL et al., 1974). A infecção humana pelo VCC foi descrita experimentalmente por Nicolle (1931) na forma assintomática e alguns autores têm sugerido sua participação em algumas doenças humanas como a esclerose múltipla (SUMMERS & APPEL, 1994; SIPS et al., 2007), doença de Paget (MEE & SHARPE, 1993; SELBY et al., 2006) e panencefalite esclerosante subaguda (GORMAN et al., 1980). Entretanto, até que os vírus envolvidos sejam isolados e completamente sequenciados, o papel do VCC, em tais doenças continua questionável (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Transmissão
A transmissão foi pela primeira vez demonstrada em 1844, por meio do contato de secreção de animais doentes com outros saudáveis (BLANCOU, 2004). A eliminação viral ocorre sete dias após a infecção experimental e pode durar até 60 a 90 dias após a exposição. É abundante em exsudatos respiratórios e o vírus é disseminado por aerossóis ou partículas infectantes provenientes de secreções de animais infectados. Também pode ser encontrado nas fezes, urina e secreções oculares (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
A idade de maior suscetibilidade é entre os três e seis meses de idade, coincidindo com a fase de esgotamento dos anticorpos colostrais após o desmame, embora possa afetar todas as idades (APPEL, 2010). A predisposição racial não é provada, mas cães braquicefálicos têm demonstrado menor prevalência, mortalidade e sequelas da doença que os dolicocefálicos. O contato de cães recém-infectados com outros suscetíveis e a constante reposição com cães jovens provém uma população suscetível, que mantém o vírus circulante nessa população (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Baseados em resultados de levantamentos sorológicos, a taxa de animais infectados ou que tiveram contato com o vírus é maior que a de cães doentes, o que reflete a existência de certa proporção de proteção natural contra o VCC (DEZENGRINI et al., 2007). Da mesma forma, por meio de exame molecular pela reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR) foi possível identificar a presença do VCC em cães assintomáticos e não vacinados, demonstrando o potencial de difusão do agente na população canina (DEL PUERTO et al., 2010).
Muitos cães são capazes, depois de infectados, de livrarem-se do vírus sem apresentar sinais de doença. Embora a maioria desses cães imunocompetentes eliminarem o vírus completamente, alguns podem hospedar o vírus no SNC (GREENE & VANDEVELDE, 2012). Embora discutível, existem indícios, de que cães com sinais de infecção apenas do SNC não eliminam o vírus para o meio ambiente (LAPPIN, 2006).
Patogenia
O VCC penetra no epitélio do trato respiratório superior e em 24 horas multiplica-se em macrófagos teciduais, de onde se dissemina para os linfonodos regionais e multiplica-se por mais dois a quatro dias. Nesse período, a multiplicação viral concentra-se nos folículos linfóides do baço, tecido linfático associado à lâmina própria do estômago e intestino delgado, linfonodos mesentéricos e nas células de Kupffer no fígado (SUMMERS & APPEL, 1994). A multiplicação viral no tecido linfóide gera imunossupressão durante o período de incubação, que contribui para desenvolvimento de infecções secundárias oportunistas, fator importante no desfecho da doença e principal causa de morte. A fase inicial da infecção com o VCC está esquematizada na figura 1 (GREENE & APPEL, 2006).
O VCC propaga-se para os tecidos epiteliais do trato respiratório, gastrintestinal e geniturinário, provavelmente pela via sanguínea, e depende do estado humoral e celular da imunidade do cão. Posteriormente, atinge o SNC levando a doença desmielinizante (VANDEVELDE & ZURBRIGGEN, 2005). Após a disseminação viral aos tecidos epiteliais, dá-se inicio a eliminação viral (figura 2), mesmo em cães com infecções assintomáticas (GREENE & APPEL, 2006).
Quatorze dias após a infecção, os animais com boa resposta imune celular e humoral podem livrar-se do vírus da maioria dos tecidos e não apresentar sinais da doença. Anticorpos específicos IgG-VCC são eficientes em neutralizar o vírus extracelular e, assim, impedir sua propagação intercelular. Portanto, a gravidade da doença é inversamente proporcional ao título de anticorpos. Cães com baixa resposta imune terão maior dispersão viral e, consequentemente, doença clinica. A elevação da taxa de anticorpos pode eliminar o vírus da maioria dos tecidos, com exceção do tecido uveal, neurônios e tegumento, como o coxim plantar e espelho nasal (GREENE & VANDEVELDE, 2012). A invasão no SNC depende da magnitude da viremia (AMUDE et al., 2007).
A manifestação convencional da doença neurológica é caracterizada por meningoencefalomielite desmielinizante. O primeiro componente do SNC a ser acometido é o endotélio vascular, seguido pelas células da neuroglia e neurônios. Possivelmente, na maioria das infecções, o vírus atinge o SNC, mesmo quando o animal não apresenta sinais neurológicos (GEBARA et al., 2004).
Embora controverso, acredita-se que a desmielinização na CC seja um processo bifásico (SUMMERS & APPEL, 1994). Na fase inicial ocorre pela ação direta do vírus sobre as células do SNC, como os neurônios e células da neuroglia, e causa degeneração nos oligodendrócitos como efeito secundário (VANDEVELDE & ZURBRIGGEN, 2005). Já a progressão das lesões desmielinizantes parece ser influenciada por reações imunes que podem agravar e acelerar a destruição da mielina nos estágios mais avançados da doença (SUMMERS & APPEL, 1994).
Sinais clínicos
Os sinais neurológicos podem ser agudos ou crônicos e, tipicamente, são monofásicos e progressivos, embora recidiva crônica da doença nervosa possa ocorrer (PLATT & OLBY, 2004). Além da meningoencefalomielite desmielinizante podem ser enumeradas outras manifestações clínicas não convencionais para a doença do SNC provocada pelo VCC, tais como encefalite crônica, polioencefalomalacia, encefalite do cão idoso e poliencefalite com corpo de inclusão (Amude et al., 2007).
O tipo de lesão e os sinais clínicos variam conforme a região do SNC acometida pelo vírus. Os principais sinais neurológicos estão relacionados à polioencefalomielopatia aguda com necrose neuronal e glial em cães imaturos ou imunodeficientes, ou à leucoencefalomielopatia crônica com desmielinização em cães idosos ou imunossuprimidos (PLATT & OLBY, 2004). A desmielinização é, portanto, característica mais proeminente nas fases crônicas da doença (VANDEVELDE & ZURBRIGGEN, 2005).
Dentre os principais sinais clínicos observam-se alterações comportamentais, crises epilépticas focais com automatismo orofacial que secundariamente tornam-se generalizadas tônico-clônicas (figura 3), sinais vestibulares e cerebelares, déficits visuais, paresia (figura 4), paralisia, tremores e mioclonia (PLATT & OLBY, 2004). Sinais de acometimento da leptomeninge, como rigidez cervical e hiperestesia generalizada, também podem estar presentes (CRAWFORD & SELLON, 2010).
Filhotes infectados no útero ou após o nascimento, podem desenvolver sinais neurológicos durante a fase neonatal. Abortos ou morte neonatal podem ocorrer (CRAWFORD & SELLON, 2010). Existem indícios, embora controversos, que cães que desenvolvem dermatite vesicular e pustular não evoluem doença do SNC, enquanto aqueles que manifestam hiperqueratose nasal e digital usualmente manifestam tais sinais (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
É importante ressaltar que os sinais neurológicos podem ser observados simultaneamente ou surgem dentro de uma a três semanas depois da recuperação da doença sistêmica. Menos comumente, podem ser observados semanas a meses mais tarde. Por outro lado, cães que apresentam inicialmente a fase neurológica podem desenvolver sinais sistêmicos uma a duas semanas mais tarde e, finalmente, os sinais neurológicos podem ser a única apresentação clínica da infecção (AMUDE et al., 2007).
Os principais sinais clínicos extraneurais são apatia, anorexia, febre, desidratação, caquexia, sinais respiratórios, gastrintestinais e oculares, lesões cutâneas, hipoplasia de esmalte dentário e hiperqueratose do espelho nasal e dos coxins plantares. O primeiro pico febril ocorre entre três e seis dias após a infecção e corresponde à distribuição do vírus pelos órgãos linfóides. Exame de fundo de olho é recomendado em todos os casos suspeitos, já que muitos apresentam evidências de coriorretinite (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Diagnóstico
Os métodos disponíveis para diagnóstico ante mortem são de valor limitado e, em muitos casos, o diagnóstico definitivo só é possível por meio de análise histológica post mortem (Amude et al., 2007).
Clinicamente, o diagnóstico da CC nervosa tem sido realizado quando os sinais sistêmicos precedem ou acompanham uma doença neurológica multifocal em associação com idade e condição de imunização do animal. Além disso, movimentos mioclônicos, frequentemente presentes, têm sido amplamente utilizados para sua caracterização clínica (LAPPIN, 2006).
Entretanto, esses critérios devem ser considerados com cautela, uma vez que, a fase neurológica pode ocorrer na ausência de sinais sistêmicos e de mioclonia e, os sinais neurológicos, manifestados focalmente, confundindo o veterinário (Amude et al., 2007). Além disso, o envolvimento sistêmico também é observado nas demais meningoencefalomielites e a mioclonia pode ser consequência de outras afecções neurológicas desmielinizantes e, sobretudo, não deve ser confundida com crises epilépticas mioclônicas. Vale ressaltar que a doença pode se desenvolver em cães perfeitamente vacinados, portanto, histórico de vacinação prévia não exclui a possibilidade de CC (PLATT & OLBY, 2004).
Cães apenas com a fase nervosa da cinomose apresentam leucograma normal, ou leucopenia três a seis dias após a infecção, devido à linfopenia causada pelo dano viral às células linfóides, afetando linfócitos B e T. Uma vez que a doença esteja instalada, observar-se-á linfopenia, monocitose e discreta neutrofilia, podendo haver leucocitose devido à infecção bacteriana secundária (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Na análise do líquido cerebroespinhal (LCE) de cães com alterações neurológicas, nem sempre são encontradas alterações. Entretanto, podem ser observados aumento de proteínas (superior a 25mg/dl) e pleocitose mononuclear (mais de 10 células/mm3), com predomínio de linfócitos. Sugere-se ainda, que a elevação de anticorpos no LCE seja achado definitivo para o diagnostico da encefalite pelo VCC, pois indicam produção local de anticorpos (PLATT & OLBY, 2004).
Outro método utilizado laboratorialmente é a visualização de corpúsculos de inclusão (Corpúsculos de Lentz) no LCE e em esfregaços sanguíneos, de mucosas nasal, prepucial, vaginal e principalmente conjuntival (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Dentre os testes para se pesquisar a enfermidade é possível citar o histopatológico, a soroneutralização, imunoistoquímica, imunofluorescência, o ELISA e o isolamento viral a partir de cultura celular (MARTINS et al., 2009). A imunofluorescência em esfregaços conjuntival, nasal, vaginal não é sensível e pode detectar antígenos apenas três semanas após a infecção, quando o vírus ainda está presente nas células epiteliais. Altos títulos de anticorpos contra o VCC podem ser detectados por vários meses após a vacinação, e após a infecção subclínica ou clínica pelo método de ELISA. As imunoglobulinas M (IgM), vírus-específicas, podem persistir durante pelo menos três meses após a infecção e podem ser reconhecidas pelo método de ELISA e utilizadas como marcador de infecção recente (DEZEGRINI et al., 2007; MARTELLA et al., 2008). Ensaios moleculares, tais como RT-PCR em tempo real, estão cada vez mais disponíveis na rotina veterinária brasileira, são sensíveis e específicos e seu uso deve ser encorajado (GERABA et al., 2004; NEGRÃO et al., 2007b).
Ao exame de tomografia computadorizada (TC) áreas hipodensas focais ou multifocais, com captação homogênea de contraste podem ser observadas. No exame de ressonância magnética (RM), em ponderação T2, observam-se múltiplas áreas de hiperintensidade na substância branca, principalmente cerebelar. Estudos histopatológicos das regiões indicadas pela TC e RM correspondem áreas de desmielinização (WILLOUGHBY & DAWSON, 2001; GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Tratamento
Não há terapia específica para o tratamento da fase nervosa da CC. O prognóstico é desfavorável, especialmente em casos em que a progressão dos sinais clínicos é rápida. As crises epilépticas são relatadas como sinal que desfavorece ainda mais o prognóstico, já que são de difícil controle com drogas antiepilépticas (PLATT & OLBY, 2004). Entretanto, a doença nem sempre é fatal e alguns animais podem se recuperar. Consequentemente, nos casos em que os sinais neurológicos não são tão graves, recomenda-se que o animal seja assistido com terapia suportiva e a progressão da doença monitorada durante uma a duas semanas, antes que a eutanásia seja considerada (PLATT & OLBY, 2004).
A utilização de corticosteróides deve ser desaconselhada, pois não existe evidência real de qualquer benefício nesses pacientes, além de resultar em diversos efeitos colaterais como alterações gastrintestinais, maior risco a infecções e efeitos deletérios ao próprio SNC com aumento de apoptose neural e desmielinização (DINKEL et al., 2003; LeCOUTEUR, 2007).
A terapia mais recentemente discutida para tratamento da CC consiste na utilização da ribavirina (30 mg/kg ao dia, oral, por 15 dias), com intuito de inibir a replicação viral associada ao dimetil-sulfóxido (DMSO) (20 mg/kg ao dia, intravenoso, por 15 dias, diluído em solução 10 a 20% de NaCl 0,9%), que aumenta sua penetração no SNC e favorece sua ação antiviral (ELIA et al., 2008).
O uso da vitamina A foi associado a diminuição da morbidade e mortalidade em crianças com sarampo que receberam 200.000 U (60 mg) por duas vezes, com intervalos de cinco dias (HUSSEY & KLEIN, 1990) e demonstrou eficácia no tratamento da cinomose em furões na dose de 30 mg intramuscular por dois dias, no início da infecção (RODEHEFFER et al., 2007). Embora seu uso no tratamento da CC não seja comprovado, um regime similar de tratamento poderia ser proposto para os cães na fase sistêmica (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
O uso da sinvastatina vem sendo estudada, após a erradicação da viremia, como substituto dos corticóides para diminuir a sobrecarga inflamatória mediada pelos astrócitos contra o tecido nervoso. Assim, visa diminuir os efeitos deletérios produzidos pelo VCC sobre o SNC, principalmente a desmielinização (YOUSSEF et al., 2002).
O soro hiperimune é utilizado para tentar aumentar a resposta imunológica do animal, mas devido seu alto custo não vem sendo empregado frequentemente na rotina veterinária e sua eficácia vem sendo alvo de discussões. Terapias complementares, como fisioterapia e acupuntura devem ser estimuladas para reabilitação e promoção de plasticidade sináptica aos circuitos neurais sobreviventes, que estão quiescentes e podem fornecer melhora funcional.
Prevenção e controle
O VCC é muito sensível a desinfetantes comuns, o que facilita a desinfecção do ambiente exposto a cães infectados. Os animais infectados devem ser isolados e aqueles que se recuperam da infecção, mesmo sendo considerados protegidos de reinfecções por longos períodos, podem continuar eliminando alguma carga viral (CRAWFORD & SELLON, 2010; GREENE & VANDEVELDE, 2012).
A vacinação é indicada para cães rotineiramente e é a principal forma de prevenção. As vacinas existentes no mercado são de vírus vivo modificado (VVM), compostas com diferentes variedades virais e oferecem forte proteção contra a infecção pelo VCC. A prevalência da doença é baixa nas regiões em que são praticados regimes controlados de vacinação. Para as outras espécies são preferidas as vacinas inativadas ou recombinantes e monovalentes (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
A imunidade passiva gerada por mães imunizadas é transferida pelo útero (3%) e pelo colostro (97%). Aqueles que mamam o colostro normalmente apresentam titulo inicial de anticorpos anti-VCC igual a 77% do apresentado pela mãe, os quais se esgotam em torno de 12 a 14 semanas. Em filhotes que não mamaram o colostro, a imunidade passiva provavelmente prevalece por uma a quatro semanas (GREENE & APPEL, 2006).
A vacinação deve ser iniciada com seis semanas de idade e a cada três a quatro semanas até 16 semanas. A vacinação deve ser periódica, pois os cães podem perder sua imunidade em situações de estresse, imunossupressão ou contato com indivíduos adoentados. O “booster” vacinal deve ser dado anualmente após a série vacinal e, dependendo da região e desafio, no mínimo a cada três anos (CRAWFORD & SELLON, 2010; GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Estudos indicam que a vacinação com VVM pela via intravenosa parece proteger os cães quando é dada pelo menos dois dias antes da exposição ao VCC, comparados com pelo menos cinco dias com a vacinação subcutânea (CHAPUIS, 1995). Entretanto, quando associada aos antígenos leptospirais e do adenovirus canino tipo I, podem provocar reações alérgicas e, por isso, devem ser evitados (GREENE & VANDEVELDE, 2012).
Perspectivas
Métodos de diagnóstico ante mortem, como a RT-PCR, têm sido desenvolvidos e utilizados com o objetivo de proporcionar a identificação de forma rápida e eficiente. Entretanto, tais técnicas ainda não estão amplamente difundidas em nossa rotina, devido principalmente a seu alto custo. Por outro lado, sabemos da escassez de terapias eficazes, frente a uma doença incapacitante que rapidamente leva o paciente a óbito, quando não deixa graves sequelas. Deposita-se grande esperança na terapia gênica e celular, as quais devem ser voltadas tanto para a prevenção e infectividade viral, quanto para cura clínica em animais acometidos.
Referências bibliográficas
AMUDE, A.M.; ALFIERI, A.A.; ALFIERI, A.F. Clinicopathological findings in dogs with distemper encephalomyelitis presented without characteristic signs of the disease. Res. Vet. Sci., v.82, p.416-422, 2007.
APPEL, M.J.G.; SHEFFY, B.E.; PERCY, D.H. et al. Canine distemper virus in domesticated cats and pigs. Am. J. Vet. Res. 1974; 35:803-806.
APPEL, M.J.G. Cinomose. In: BARR, S.C.; BOWMAN, D.D. Doenças Infecciosas e Parasitárias em Cães e Gatos Consulta em 5 minutos. Livraria e Editora Revinter Ltda, Rio de Janeiro, Cap. 23, 113-118, 2010.
BLANCOU, J. Dog distemper: imported into Europe from South America ? Hist. Med. Vet., v.29, n.2, p.35-41, 2004.
CHAPUIS, G. Control of canine distemper. Veterinary Microbiology,v.44, p.351-358, 1995.
CRAWFORD, P.C.; SELLON, R.K. Canine Viral Diseases. In: ETTINGER, S.J.; FELDMAN, E.C. Textbook of Veterinary Internal Medicine. p.958-962, 2010.
DEL PUERTO, H.L.; VASCONCELOS, A.C.; MORO, L.; et al. Canine distemper vírus detection in asymtomatic and non vaccinated dogs. Pesq. Vet. Bras. v.30, n.2, 2010.
DEZENGRINI, R.; WEIBEN, R.; FLORES, E.F. Soroprevalência das infecções por parvovírus, adenovírus, coronavírus e pelo vírus da cinomose canina em cães de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Cienc. Rural, v.37, n.1, 2007.
DINKEL, K.; MACPHERSON, A.; SAPOLSKY, R.M. Novel glucocorticoid effects on acute inflammation in the CNS. J Neurochem., v.84, n.4, p.705-716, 2003.
ELIA, G.; BELLOLI, C.; CIRONE, F.; et al. In vitro efficacy of ribavirin against canine distemper virus. Antiviral Res., v.77, n.2, p.108-113, 2008.
GEBARA, C.M.S.; WOSIACKI, S.R.; NEGRÃO, F.J.; et al.; Lesões histológicas no sistema nervoso central de cães com encefalite e diagnóstico molecular da infecção pelo vírus da cinomose canina. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.56, n.2, 2004.
GORMAN, N.T.; HABITCHT, J.; LACHMANN, P.J. Intracerebral synthesis of antibodies to measles and distemper viruses in patients with subacute sclerosing panencephalitis and multiple sclerosis. Clin. Exp. Immunol. v.39, p.44-62, 1980.
GREENE, C.E.; APPEL, M.J. Canine Distemper. In: GREENE, C. E. Infectious Diseases of the Dog and Cat. 3rd. Philadelphia: Elsevier, p.25- 41, 2006.
GREENE, C.E.; VANDEVELDE, M. Canine Distemper. In: GREEENE, C.E. Infectious Diseases of the dog and cat. Fourth Edition, Elsevier, St. Louis, Missouri, p.25-42, 2012.
HUSSEY, G.D.; KLEIN, M. A randomized controlled trial of vitamin A in children with severe measles. N Engl J Med 323:160-164, 1990.
LAPPIN, R.M. Doenças virais polissistêmicas. In: NELSON, R.W.; COUTO, C.G. Medicina Interna de Pequenos Animais. p.1235-1237, 2006.
LeCOUTEUR, M. Use and misuse of glucocorticoids in veterinary neurology/neurosurgery. Proceedings of the World Small Animal Veterinary Association Sydney, Australia. 2007.
MAGALHAES, L.M. Cinomose. In: HIPÓLITO, O.; FREITAS, M.G.; FIGUEIREDO, J.B. Doenças Infeto-contagiosas dos Animais Domésticos. Quarta edição. Edições Melhoramentos. São Paulo. p.488-495, 1965.
MARTELLA, V.; ELIA, G.; BUONAVOGLIA, C. Canine distemper virus. Vet Clin North Am Small Anim Pract., v.38, n.4, p.787-797, 2008.
MARTINS, D.B.; LOPES, S.; FRANÇA, R. Cinomose canina – revisão de literatura. Acta Veterinaria Brasilica, v.3, n.2, p.68-76, 2009.
MEE, A.P.; SHARPE, P.T. Dogs, distemper and Paget´s disease. Biossays, v.15, p.783-789, 1993.
NEGRÃO, F.J.; AMUDE, A.M.; BARRY, A.F.. et al. Naturally occurring canine distemper: different clinical outcomes in dogs infected by the same wild-type CDV strain. Virus Review and Research., v.12, p.114, 2007a.
NEGRÃO, F.J.; BARRY, A.F.; AMUDE, A.M.; et al. Phylogenetic analysis of the complete hemagglutinin gene of Brazilian canine distemper virus strains. Virus Review and Research., v.12, p.114-115, 2007b.
NICOLLE, C. La maladie du jeune age des chiens est transmissible expérimentalement a l´homme sous forme inapparent. Arch. Inst. Pasteur Tunis, v.20, p.312-323, 1931.
PINTO, C. Doenças Infecciosas e Parasitárias dos Animais Domésticos. Editora Cientifica. Rio de Janeiro. Capitulo 28, 303-306, 1944.
PLATT, S.R.; OLBY, N.J. BSAVA Manual of Canine and Feline Neurology. 3ª ed. Athens: British Small Animal Veterinary Association, 2004, 432p.
RODOHEFFER, C.; VON MESSLING, V.; MILOT, S.; LEPINE, F.; MANGES, A.R.; WARD, B.J. Disease manifestations of canine distemper virus infection in ferrets are modulated by vitamin A status. J Nutr 137:1916-1922, 2007.
SELBY, P.L.; DAVIES, M.; MEE, A.P. Canine distemper virus induces human osteoclastogenisis through NF-KappaB ans sequestone 1/P62 activatiion. J. Bone Miner. Res., v.21, p.1750-1756, 2006.
SIPS, G.F.; CHESIK, D.; GLASENBURG, L.; et al. Involvement of demyelinating disease. Rev. Med. Virol., v.17, p.223-244, 2007.
SUMMERS, B.A.; APPEL, M.J. Aspects of canine distemper virus and measles virus encephalomyelitis. Neuropathol. Appl. Neurobiol., v.20, p.525-534, 1994.
VANDEVELDE, M.; ZURBRIGGEN, A. Demyelination in canine distemper virus infection: a review. Acta Neuropathologica, v.109, n.1, p.56-68, 2005.
YOUSSEF, S.; STÜVE, O.; PATARROYO, J.C.; et al. The HMG-CoA reductase inhibitor, atorvastatin, promotes a Th2 bias and reverses paralysis in central nervous system autoimmune disease. Nature, v.420, n.6911, p.78-84, 2002.
WILLOUGHBY, K.; DAWSON, S. The Respiratory Tract. In: RAMSEY, I.K.; TENNANT, B.J. BSAVA Manual of Canine and Feline Infectious Diseases. British Small Animal Veterinary Association, UK, Cap. 6,89-115, 2001.
ZEE, Y.C.; MacLACHLAN, N.J. Paramyxoviridae, Filoviridae, and Bornaviridae. In: HIRSH, D.C.; MacLACHLAN, N.J.; WALKER, R.L. Veterinary microbiology. 2nd ed. Iowa: Blackwell, 2004. cap. 60, p. 369-376.
- See more at: http://www.caesegatos.com.br/artigo-nova-abordagem-da-epilepsia-canina/#sthash.GnBOKwH6.dpuf
Nenhum comentário:
Postar um comentário