sexta-feira, 1 de abril de 2016

A arte de enganar: os animais também mentem

Pode ser surpresa para quem pensa que a desonestidade é uma característica exclusiva dos seres humanos, mas para muitos zoólogos não há dúvida: eles afirmam que os animais usam a linguagem muito mais para dissimular e mentir do que para trocar informações “honestas”. A natureza está repleta de bichos vigaristas, cujo comportamento chega a ser quase humano, no pior sentido dessa expressão. Um desses trambiqueiros é um jovem babuíno do sul da África, batizado de Paul pelos primatologistas ingleses Richard Byrne e Andrew Whiten, que o flagraram várias vezes passando o seguinte conto do vigário: assim que notou que uma fêmea arrancava uma suculenta raiz da terra, Paul pôs-se a gritar como se estivesse apanhando. Imediatamente, sua mãe apareceu e, pensando que a fêmea tivesse atacado seu filhote, expulsou-a. O esperto babuíno aproveitou para roubar e saborear a raiz.
Paul é apenas um dos 253 casos de mentiras contadas por macacos estudados pelos dois ingleses. Amparados pela quantidade de lorotas, Byrne e Whiten não hesitam em classificar os símios como criaturas maquiavélicas, que têm a chance de ser honestos mas insistem em enganar os próprios companheiros. Outro exemplo é o do chimpanzé Figan, que descobriu as vantagens da omissão. Ao encontrar algumas bananas, Figan soltou um grito para avisar o bando de que encontrara comida, conforme manda seu instinto. Os outros macacos apareceram e comeram as bananas. No dia seguinte, ele voltou a achar frutas, mas dessa vez não gritou. Fez um esforço supremo para conter o som, mas valeu a pena: comeu as bananas sozinho.
Byrne e Whiten conseguiram coletar os 253 casos graças a uma lista de farsas que poderiam ser obra de macacos enviada a mais de 100 primatologistas em todo o mundo. A resposta foi surpreendente: somente a família dos lêmures, animais de cérebro pequeno e organização social simples, não se encaixou em nenhuma das fraudes listadas. Além disso, os cientistas fizeram outra descoberta — quanto mais dissimulado o primata, maior o seu cérebro.
Mesmo as criaturas menos evoluídas e com cérebros menores do que os primatas têm sua dose de desonestidade. Que, aliás, não merece reprovação: para os cientistas ingleses John Krebs e Richard Dawkins, as mentiras são apenas elementos da justa disputa pela sobrevivência. Segundo eles, todo animal procura tornar seu ambiente o mais vantajoso possível para si mesmo. Se aparece um concorrente, é preciso expulsá-lo. Mas como uma luta aberta seria onerosa, pois pode acarretar ferimentos e não há garantias de vitória, é melhor tentar afugentar o intruso com ameaças.
O zoólogo americano Eugene Morton, da Smithsonian Institution, sugere uma incrível hipótese sobre as carriças, pequenas aves dos Estados Unidos. Segundo ele, esses pássaros defendem seu território por meio do canto. Assim, cada ave tenta ameaçar as outras, que se afastam e cedem terreno. Morton afirma que as carriças avaliam a intensidade e o timbre do canto do inimigo, pois de algum modo percebem que os sons são amortecidos de forma diferente pela floresta. Sons graves, por exemplo, costumam passar mais facilmente; se uma carriça ouve um som grave e outro agudo, sabe que o autor do segundo está mais perto. Mas o zoólogo garante que as carriças cantam na mesma freqüência, além de modificar sempre as canções. Ou seja, o canto nada mais é do que um bombardeio recíproco de mentiras.
Outro tipo de ameaça comum na natureza se relaciona com tamanho avantajado, que geralmente é sinônimo de perigo. Tais advertências serão mais bem-sucedidas quanto maior se insinuar o orador. Além do mais, parecer grande é melhor do que ser grande de fato. Uma ave corpulenta demais não voaria, um elefante monstro sucumbiria sob o próprio peso. Por isso, as aves abrem as asas e os felinos eriçam o pêlo da nuca, a fim de parecer mais assustadores do que realmente são. Algumas espécies de peixes diminutos das Ilhas Maldivas, no Oceano Índico, por exemplo, logram predadores maiores ao fazer seu cardume assemelhar-se a um só peixe gigante, navegando sempre bem perto uns dos outros.
No mundo das ondas sonoras não é diferente. O reino animal aprendeu a manipular instintivamente uma verdade biofísica valiosa: a de que sons graves refletem grandeza. O latido grave e carregado do cão são-bernardo, por exemplo, soa mais ameaçador do que a aguda gritaria de um chihuahua. A Física explica essa associação. O som vem da vibração das cordas vocais. Quanto maior for o comprimento delas, menor será a freqüência das vibrações. Os sons de baixa freqüência são percebidos como graves. Um animal pequeno, dono de cordas vocais curtas, produzirá ruídos mais agudos.
Essa lei física determina códigos de comunicação no reino animal. Para o zoólogo americano Eugene Morton, os sons graves indicam hostilidade ou agressão. Já os agudos são sinal de submissão ou carência. Ele ilustra a teoria com um exemplo simples: imagine ouvir de dentro de uma caverna escura um barulho fino e alto. Com todo o instinto de proteção despertado, será muito fácil acudir o animal. Mas se o som vindo da escuridão for grave e rouco, é melhor fugir da fera que deve morar na caverna. Praticamente todos os animais estudados pelos cientistas ameaçam com sons graves: os pássaros chilram em tom mais baixo, os cães rosnam e os felinos resmungam perigosamente. Com esses truques, alguns animais parecem ainda mais perigosos do que já são. O leão, por exemplo, complementa a poderosa mandíbula com a juba arrepiada e com seus rugidos extremamente graves.
Mas os bichos, assim como os homens, não conversam apenas para enganar uns aos outros. Justiça seja feita: a linguagem no reino animal serve também a propósitos mais nobres. Um exemplo é o dos elefantes e sua comunicação inaudível para os humanos. Os zoólogos se admiravam com o comportamento dos elefantes machos — habituados a passear pelas savanas sozinhos, eles subitamente correm distâncias quilométricas, como que atraídos por uma força misteriosa, e chegam sempre a uma fêmea no cio. A bióloga americana Katharine Payne, da Universidade de Butler, decifrou o enigma: constatou que as fêmeas chamam os machos com infra-sons, ruídos abaixo de 20 hertz que o ouvido humano não consegue captar. Hoje se sabe que os infra-sons não são usados unicamente nos períodos de acasalamento, mas também para socorrer um animal ferido ou induzir o grupo a fugir de algum perigo.
Em algumas espécies, o domínio do som já se transformou numa linguagem razoavelmente elaborada, como no caso dos macacos-do-sudão (Cercopithecus aethiops), estudados pelos zoólogos americanos Dorothy Cheney e Robert Seyfarth na África Oriental. Eles descobriram que os animais utilizam gritos para transmitir informações precisas: uma espécie de latido avisa a chegada de um leopardo. Imediatamente, os outros sobem na árvore mais próxima e se refugiam nos galhos finos, onde o pesado predador não pode pegá-los. O segundo sinal de alarme é um som gutural, traduzido pelos pesquisadores como “águia”. Ao ouvir esse alerta, o grupo procura um arbusto, de forma a não ser alcançado pela ave. Já ao som de um grito estridente, a reação é outra: levantam-se sobre as patas posteriores e aguardam a chegada da cobra anunciada.
A descoberta mais impressionante aconteceria nas florestas de Camarões. Os americanos encontraram um quarto sinal de alarme: um chamado suave e quase imperceptível. Para surpresa dos dois, ele significava “caçador”. Quando o ouviam, os macacos procuravam um arbusto denso, mas que permitisse uma saída por trás. Dorothy e Robert ficaram atônitos. O grupo não podia ter aprendido o chamado por herança genética, pois sua caça pelo homem é recente para que isso ocorresse. Além disso, os macacos-do-sudão de outras regiões, nunca perseguidos por humanos, não entendiam o alarme.
Surge aqui uma linguagem racional? Os pesquisadores não sabem responder, embora haja quem acredite que a fala humana nasceu exatamente assim — pela cooperação e não pela mentira — e que talvez um dia os macacos também cheguem às palavras. Só que para confirmar isso, os cientistas têm de esperar com paciência — provavelmente alguns milhares de anos.
Por Paula Cleto
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