quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Desenvolvimento - O velho não quer só comida (quer direitos, diversão, arte... e fazer amor)


Filipe Redondo

Vinte e quatro horas observando idosos em um residencial e outras nove em um centro-dia revelam que a terceira idade está sem voz e sem visibilidade no país


Em uma festa agitada em São Paulo - dessas que amanhecem com o néon iluminando a pista, energéticos, DJs e música contagiante -, uma mulher atravessa o corredor de gente que está fumando na área lateral, ao ar livre, única passagem para se chegar ao banheiro. Ela pede licença, vai abrindo caminho no mar de pessoas. Madura, 58 anos, adora dançar. Tem espírito alternativo, estética hipster, braços tatuados. Mas eles estão cobertos pela manga longa da blusa de seda que lhe dá um ar chique e eleva a sua idade à beira dos 65. Uma garota se espanta com a estranha no ninho e dispara, alto, a sua surpresa: "Olha, uma senhorinha!!!". O corredor polonês se concentra naquela figura como se ela fosse um macaco raro pulando fora do galho. Só falta atirarem pipocas. Como assim? Por que essa mulher deveria estar em casa jogando baralho com seus iguais?


O Brasil não conhece seus velhos. Não sabe que são 26,3 milhões (13% da população), que muitos ainda trabalham, vivem mais (hoje, 75,4 anos, em média; em 2000, 69,8), detêm 20% do poder de compra (ante 5% registrados há duas décadas), com 30% deles gastando além do que despendiam antes da aposentadoria. Mas é o idoso o último a opinar sobre qualquer assunto, na fa-mília e na sociedade.


Essa falta de direito de se expressar fica evidente na reportagem que leva Claudia a uma dupla jornada: nove horas no Centro Público de Atendimento ao Idoso, em Jundiaí (SP), serviço que cuida dos velhos enquanto suas famílias trabalham; e outra, de 24 horas, no Lar Sant’Ana, no Alto de Pinheiros, na capital paulista, onde a mensalidade varia de 11,5 mil reais a 14 mil reais. As duas estruturas figuram como oásis: a região de Jundiaí tem 52 mil cidadãos com mais de 60 anos para as 30 vagas desse único centro-dia. No Lar, da Liga Solidária, vivem 97 pessoas em confortáveis apartamentos; e elas praticam atividades físicas e de desenvolvimento da autonomia. No nosso enorme país, residenciais como esse ou com menor requinte não passam muito de mil. Chamados Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), eles baniram do vocabulário o assombroso termo asilo. Mas são moradias coletivas.


A decisão de ir para um local assim quase nunca é baseada no desejo pessoal. "Vim porque é melhor para os meus filhos. Não achava justo preocupá-los", diz Cecília Penteado Cardoso de Almeida, 96 anos, quatro filhos, ocupante do apê 247, decorado por ela com vasos e fotos e onde ficam seu computador e uma TV coberta com um xale. É uma amante do rádio e detesta televisão. "Desde que fiquei viúva, há cinco anos, tinha sempre um filho acordando no meio da noite, angustiado, e pensando: ‘Mamãe está sozinha; mamãe vai cair; mamãe não tem com quem contar’. Ora, quem quer ser esse peso morto na família?". Ela se considera moderna e entende que as coisas mudaram. "Hoje, o velho não mora mais com uma das filhas, vai para um lar. Elas trabalham muito, vivem ocu-padíssimas".


No atual contexto, Cecília criou uma etiqueta: "Em visita na casa de filho, mantenho a cerimônia. Minhas noras são duas joias, mas vou, janto e volto". Para ela, assim está ótimo. "Não ouço mais: ‘Quem vai ficar com mamãe?’. Essa pergunta me matava". Cilu, como é chamada, tem a seu favor um espírito de menina. "Olho para a janela, vejo uma árvore linda que dei de presente para a minha filha.
Tudo simbólico", explica. "Foi essa forma de fantasiar, ao longo da vida, que me trouxe lúcida e íntegra até aqui." Quando decidiu que desmancharia a casa, chamou os filhos e netos. "Cada um colou uma etiqueta com seu nome nos objetos que queria herdar. Acabou tudo rápido". E ela se mudou para o Lar, onde já viviam os irmãos Fernando, que aos 100 anos ainda sai para trabalhar, e Glorinha, 95 anos, mulher de ideias instigantes.


"Aqui temos aulas e palestras sobre tudo. Mas gostaria de ver os velhos levando as próprias discussões. A gente podia se organizar, fazer teatro...". Voltando a Cilu: ela lembra que "não doeu nada", abrir mão dos pertences. "Entrei na casa de uma neta, vi meu sofá, meu piano, meu tapete e fiquei feliz. A família tem carinho com as minhas memórias". Os registros que fez do clã em filmes Super 8 e fotos ficaram com dois netos. "Falo mais sobre eles que sobre os bisnetos, reparou? Bisnetos são parentes distantes. Você nunca os vê, já nascem na escolinha".


Filipe Redondo
Cecília, em seu apartamento, responde aos e-mails de amigas e familiares: "São como telegramas. Têm que ser curtinhos"


ÚLTIMA SAÍDA
A luz do quarto de Cilu ainda está acesa. Já é madrugada. Ela relê Antologia Poética, de Carlos Drummond de Andrade, à beira do rádio. Menos de 1% dos idosos brasileiros encontra vagas em uma ILPI. No Canadá, são 6%; na Espanha, 5%. "Nem todos precisam morar em uma instituição. Essa deve ser a última alternativa", afirma Vanessa Idargo Mutchnik, terapeuta ocupacional e mestre em gerontologia. "Numa ILPI, com padrões e horários inegociáveis e onde o idoso é comandado em tudo, há perda de identidade e de cognição".



Para Thânia Rodrigues Ferreira, 57 anos, secretária, deixar a mãe em uma casa de repouso em Mongaguá, no litoral paulista, foi, de fato, a única saída. Aos 77 anos, Walda Rodrigues havia se jogado na linha do trem e, depois, na piscina da casa de Thânia. Repetia que não queria morar com a filha, que não gostava de depender de alguém. Andava agressiva, vivia emburrada, consumia as atenções de Thânia. "Para não deixá-la sozinha, eu a levava para o meu emprego, mas a situação foi ficando insustentável. Pedi demissão". Ela trancava as portas de casa enquanto tomava um banho rápido, fazia supermercado correndo antes de o marido sair para o trabalho, abriu mão da vida pessoal. "Eu estava estressada, e ela não parava de pedir por uma casa de repouso". A decisão foi dura. "Senti culpa por não ter contornado a situação", afirma. Acabou, porém, aliviada ao notar, nas visitas diárias, que a mãe está mais calma. "Ela até fez amizades e a nossa relação melhorou", revela.


Pode ser bom para o idoso quando o ambiente é instigador, reconhece Vanessa. "Mas a maioria das instituições não foca na socialização, e sim na saúde. Se o cidadão foi medicado, tomou banho e comeu, está resolvido o problema", critica. "Devemos ao velho a oportunidade de ter um projeto de vida, de aprender, traba-lhar, estudar". No modelo que ela defende, o centro-dia, o inscrito se sente incluído, desenvolve habilidades. "E volta com assuntos para comentar com a família, que o havia posto de lado". Diante do baixo número de equipamentos, ela comenta: "Hoje, estamos apenas apagando o incêndio". E lembra que quem tem 80 anos sofre mais. Pertence à primeira geração que conquistou a longevidade e pegou o país despreparado. Já os de 60, 65 têm conseguido se impor, abrindo espaços a marretadas, principalmente no mercado de trabalho, que torce o nariz para quem tem cabelos brancos.
"O envelhecer é resultado do avanço tecnológico, que aumentou o bem-estar e a saúde. E tem futuro", diz Marília Berzins, mestre em gerontologia social e presi-dente da ONG Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe). "Para isso, basta desconstruir o modelo que associa o velho à incapacidade e à improdutividade". Um bom começo é perguntar aos garotos de 6 ou 7 anos o que vão ser quando ficarem idosos. Se eles desejarem algo para o tempo que virá, muda-se a cultura. Outra coisa é fazer o empresariado enxergar a oportunidade de negócio. "O velho participa do PIB", diz Marília, que tem ouvido muitas recusas ao buscar financiadores para projetos da Olhe. "O idoso mudou, rompeu o portão de casa. Ele está em todos os lugares, fala de homossexualidade, como o casal Fernanda Montenegro e Nathália Timberg na novela Babilônia."


Dos que não ultrapassaram o portão, 25%, conforme uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, necessitam de algum tipo de cuidado - que, em geral, a família não consegue suprir. Por outro lado, o panorama é alentador: 75% poderiam ter autonomia, gerir a própria vida e morrer bem. Nos casos em que dependem de ajuda, o Estado deve ser o provedor, conforme a Política Nacional do Idoso, de 1994, e o Estatuto do Idoso, de 2003. "Há, porém, um longo abismo entre os instrumentos legais e a realidade", afirma Marília. "O Brasil acredita que é um país de jovens e não criou políticas públicas, como preparar cuidadores que atendam o velho na casa onde vive sozinho". O profissional vai com ele às atividades físicas, às compras, ao cabeleireiro, à igreja. A Prefeitura de São Paulo já oferece esse serviço a 2,5 mil paulistanos, um contingente ainda muito pequeno.


A MORTE
Cecília anda lépida a caminho do refeitório para o café da manhã. É exuberante até ao falar naquele tema árido que todos evitamos. "Acho que está na minha hora de morrer. Fiz tudo que precisava, a família caminha bem, estou tão realizada que já posso partir", discursa, eloquente. "Trato disso com naturalidade com os filhos; digo que tenho meu amor para rever do outro lado. Estamos preparados, embora eles queiram que eu me demore um pouco mais".



Os outros entrevistados também mantêm a morte na vizinhança. "Vi seis filhos morrerem. Então, ela não me espanta mais", afirma Marina Reghini Dini, 84 anos, quatro filhos. Todos os meses, ela paga 280 reais para um conhecido levá-la de carro até o centro-dia. Viúva, vive sozinha. "Não é uma escolha. Não me sinto bem, mas até um cachorro gostaria de ter companhia". Ex-faxineira, ela explica a solitude com abnegação: "Eu sou idosa, estou mais sensível e nervosa. Uma pulga vira cavalo. E isso ninguém quer". Os filhos não se ofereceram para acolhê-la. "Eu entendo. Uma filha já sofreu muito. Por que teria que passar por mais isso? A outra mora num sobrado; seria difícil para eu subir e tomar banho. E os filhos têm suas mulheres".


Apoiada em uma bengala, com problemas de circulação, artrose e as pernas inchadas, diz o que mais a entristece. "O desprezo na relação do novo com o velho. Não tem nada que me doa mais". Exemplos? Sua colega Nair Souza Lima, 86 anos, cita um: "Sou alegre. Se falo ou brinco além da conta, a família censura, diz que estou virando criança de novo".
Marina intui quando uma nora se sente incomodada com sua presença. E comenta com o filho, que desconversa: "Isso não existe, é coisa da sua cabeça". Ela resmunga o desabafo: "Minha cabeça é livre para pensar, está boa, me lembro de coisas da infância. E meu coração é para sentir". Mais uma pulga vira cavalo no domingo quando um dos filhos a visita e dá uma desculpa qualquer para não ficar para o almoço. "Não sou boba, percebo." Nair faz uma observação sobre a velhice: "Tem uma inversão injusta que a natureza faz com a gente. O corpo fica fraco, na melhor hora para se viver. Depois de aprender e trabalhar tanto, a gente merecia a liberdade. Sem depender dos filhos".


AMOR, AMOR
O café da manhã em Jundiaí é interrompido quando o fotógrafo chega. Blandina Visinho, 93 anos, o saúda: "Que bom, um homem! Aqui quase não tem". Tanto nos ILPIs quanto nos centros-dia, o sexo masculino é minoria, já que vive menos (em média 71,88 anos ante os 79 anos do sexo feminino) e também porque a família acha mais fácil ficar com o velho. "Quando eles são mais longevos, têm melhor qualidade de vida. A mulher se deprime e sente a demência mais rápido", explica a psicóloga Lilian Lourencini, gerente de saúde da Cidade Vicentina Frederico Ozanan, que, em parceria com a prefeitura, se encarrega da linha de atendimento do centro.



Mesmo com poucos homens, os romances ocorrem. "Muito obrigada por permitir que eu falasse do meu amor", encerra, Juracy da Silva, 80 anos, o seu relato sobre a paixão por José Maria, morto oito meses atrás, de infarto. Eles se conheceram entre as aulas de alongamento e artesanato. A história ganhou os contornos comuns de qualquer relação afetiva. "Eu tinha muito ciúme, ele era paparicado pelas mulheres daqui", lembra. Numa sexta-feira, Juracy ligou e percebeu que o amado estava passando mal. "Fui a última a falar com ele. Eu nem sabia, era a nossa despedida. A saudade não quer passar".

O SEXO
"As melhores lembranças são da vida amorosa de antes de casar, dos banhos de mar em Santos (SP), onde vivi, da casa que fiz para minha família em São Paulo. E do sexo. O ato em si é uma bela memória", conta Odair Teixeira Buarque de Gusmão, 93 anos, despachante aduaneiro aposentado, morador do Lar. Aos 90, ele procurou um urologista, intrigado por não ter uma vida sexual comparada a de um amigo, da mesma idade, que gabava-se de satisfazer as mulheres. "O médico disse: ‘Me traga esse fenômeno’. Nesse momento, percebi que não havia mais chances, o que me entristeceu. Gostaria de ter, de novo, o prazer".



Odair é assíduo no grupo de homens que, mediados por um psicólogo, falam, entre outras coisas, da virilidade que muda de conotação. Ele aprendeu a revelar ali suas dúvidas e angústias. "Mas os outros não se revelam tanto". Depois do jantar, Odair conta que a labirintite está atacada. "Foram as notícias da crise financeira e moral do país", diz ele a uma colega, com quem conversa bastante. "As mulheres são mais abertas".


De fato, elas se expõem mais. Lenyr Novaes Olyntho, 74 anos, educadora, fala sobre sexo no debate proposto pela revista Claudia depois da exibição de E Se Vivêssemos Todos Juntos?, de Stéphane Robelis. No filme, em que cinco amigos setentões enfrentam a velhice morando em regime de república, a personagem de Jane Fonda confessa que se masturba.
"O idoso tem vergonha e medo de falar. A gente pensa em sexo, sim, se masturba, sim", afirma, segura, Lenyr. "A sociedade nos nega mais esse direito. Como se não pudéssemos ter fantasias".


Ela sofreu dois acidentes vasculares cerebrais e crises de ausência; por isso mora no Lar. "Mantenho a capacidade intelectual, escrevo, ajudo terapeutas daqui nos trabalhos para a universidade. Por que não posso continuar a ser eu mesma?". Em Jundiaí, o assunto deixou de ser tabu. "Alguns mantêm a libido", diz Lilian. "E a tendência das famílias é, de fato, coibir, como se não fosse próprio do ser humano. Aqui, não coibimos nem promovemos, mas orientamos".


ALGUM PODER
Filipe Redondo
João dança com Maria de Lourdes
João José da Silva, a 11 dias de completar 90, havia chegado ao centro-dia às 7h45, tomando dois ônibus. Sozinho. É vaidoso, conta que tem muitos chapéus e bonés porque não gosta de ser careca. Está bem-disposto, apesar da miocardiopatia e da pouca audição. "Queria muito morar num sítio e tomar conta de uma plantação. Gosto de trabalhar". Talvez não pudesse, mas o sonho o alimenta. Há poucos anos, ainda mantinha um carrinho de lanches, conhecido pela qualidade do hot dog.


"Ganho três salários mínimos de aposentadoria (foi vigia em uma fábrica), gasto pouco e acho bom dar o dinheiro para ajudar na casa do meu filho, onde moro". No seu universo particular e familiar, o valor é alto e bem-vindo. O dinheiro está no centro das preocupações dessa população, como revela Odair. "Passei uma vida trabalhando e, felizmente, posso bancar as despesas no Lar. Minha filha cuida das finanças, o marido dela ajuda, porque sabe aplicar os recursos." Realidade nada comum num país em que a previdência oficial está quebrando. "Quem vai pagar as contas de uma existência tão longa?" é pergunta recorrente e angustiante para muitos brasileiros.


João, que vendeu três imóveis, vive em harmonia com a nora, com os netos, se sente entrosado. "De noite, meu filho lava a louça e eu enxugo." Para ele, estar no centro-dia é uma oportunidade de ver gente, fazer cestos de papel na aula de artes, se cuidar e dançar. "Sou baiano, filho de músico de baile", define-se. Bom de forró, é disputado por duas Marias, suas colegas, assim que a música começa. Uma delas, a Maria de Lourdes da Silva, 80 anos, é uma dama interessante, que se retira para o jardim, enrola e acende um cigarrinho de palha. Jamais tira o lenço do pescoço e a calça, que compõem seu traje, embaixo do vestido, como ela usava na roça


"Aceitar que o velho mantenha seu jeito, sua história, sua personalidade é fundamental", afirma Maria Lígia Pagenotto, jornalista e mestra em gerontologia, que escreve sobre o tema. "Nunca se dirija a ele no diminutivo. Idoso detesta que o chamem de bonitinho, que lhe ofereçam uma cadeirinha, um chazinho", diz. Também abomina a expressão melhor idade; 90% veem nisso uma forma de tapar o sol com a peneira. Maria Lígia lembra, ainda, que a sociedade precisa deixar de valorizar o folclore, o velho que contraria a ordem natural das coisas, saltando de paraquedas e namorando mocinhas. "É uma caricatura desnecessária." O mais sensato está em prestar atenção e ouvi-lo se quisermos compreender a velhice e entender para onde todos estamos caminhando.

Fonte:

Saúde - Brasil vive revolução da longevidade, diz especialista


Marcos Santos/USP Imagens/Fotos Publicas
Há três décadas, uma criança nascida no Brasil tinha chances de viver, em média, até os 62,5 anos. Hoje o número chega a 74,9 anos, segundo dados do IBGE recém-divulgados.

A tendência é que, até 2040, 30% da população brasileira seja composta por idosos. O problema é que o Brasil não está devidamente preparado para este novo perfil populacional

Esta é a percepção de Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil. "Não era para eu estar aqui. Quando eu nasci, a expectativa de vida era de 43 anos. Hoje é de 76. São mais 33 anos de vida - e não de velhice", afirmou na segunda-feira, 01/12, para uma plateia de executivos durante oFórum Exame Info - O futuro da saúde

Segundo ele, o Brasil vive uma "Revolução da Longevidade". "É um processo súbito a partir do qual asociedade não volta mais a ser o que era e é preciso que a gente se prepare para essa longevidade. Meu corpo tem que durar todos esses anos a mais do que era esperado", explica. 

De acordo com o especialista, 12% da população brasileira já é composta por pessoas com mais de 60 anos de idade - proporção que pode dobrar nas próximas décadas. "Em 30 anos, o Brasil vai ter 64 milhões de idosos. É uma população idosa do mesmo tamanho de toda a população brasileira em 1960", afirmou.

O problema é que o envelhecimento está acontecendo na contramão da História. Nas nações desenvolvidas, por exemplo, a longevidade veio depois do enriquecimento do país. O resultado é que o custo de uma população formada por idosos pode sair mais caro para o Brasil do que foi para os países ricos - que já estavam preparados para o fenômeno. 

De acordo com Kalache, nem mesmo os profissionais de saúde estão preparados para este novo perfil populacional. "Estamos formando médicos para o século 20 e não para o século 21", afirmou.

Ele exemplifica que o conteúdo lecionado nas escolas de medicina tende a focar na saúde materna e infantil ou na saúde reprodutiva da mulher até a menopausa. No entanto, na prática, os jovens médicos provavelmente terão que lidar com pacientes que já passaram dessas fases. "O estudante aprende anatomia de um corpo de um jovem de 26 anos no seu apogeu e depois vai ter que encontrar o fígado de uma mulher obesa de 85 anos", disse Kalache.

Apesar da crítica contundente aos profissionais de saúde, Kalache afirma que a sociedade como um todo precisa entender e se preparar para a mudança que está acontecendo e para as oportunidades de negócio que surgem junto.

"Devemos caprichar para chegar aos 85 anos com os quatro capitais vitais: capital da saúde, capital financeiro, capital social (família e amigos) e capital intelectual", diz.


Beatriz Souza 

Fonte:

Ração com erva-mate para boi melhora qualidade da carne


Misturar uma pequena quantidade de extrato de erva-mate à ração do gado de corte pode ser suficiente para produzir uma carne com mais benefícios à saúde, mais agradável ao paladar e com maior prazo de validade.

O resultado vem de uma colaboração entre pesquisadores brasileiros e dinamarqueses, projeto que durou três anos e desenvolveu estratégias inovadoras para a produção de proteína animal e de pão.

Apoiado pela FAPESP e pelo Innovation Fundation Denmark (antigo Danish Council for Strategic Research), o projeto “Pão e Carne para o Futuro” foi concluído com um workshop realizado no dia 28 de agosto de 2015 no Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP).

Além do efeito positivo do mate sobre o rebanho bovino, a equipe verificou benefícios semelhantes na alimentação do frango de corte, descobriu maneiras mais eficientes e saudáveis de produzir carne curada (como o presunto tipo parma ou a carne-seca) e estratégias para incorporar até 30% de farinha de mandioca à fabricação de pão em escala industrial.

“Conseguimos reunir de forma muito interessante uma equipe multidisciplinar que nunca tinha trabalhado junta, incluindo químicos, microbiologistas, agrônomos, engenheiros de alimentos e farmacêuticos, fazendo experiências que ainda não tinham sido tentadas no Brasil”, disse Daniel Rodrigues Cardoso, professor do IQSC-USP e coordenador da iniciativa do lado brasileiro.

“Hoje, se alguém quiser saber como determinada ração afeta o perfil metabólico da carne, conseguimos responder sem dificuldade a essa pergunta graças ao projeto”, disse.

Além da USP e da Universidade de Copenhague, participaram do projeto a Embrapa e duas empresas, a Centroflora (fornecedora dos extratos de erva-mate) e a Novozymes (que colaborou com as enzimas usadas em diversos experimentos), além de pesquisadores de outras instituições. O investimento nacional na pesquisa ficou em cerca R$ 1,4 milhão, com contrapartida idêntica dos financiadores dinamarqueses.

Macia e sem estresse

De acordo com os pesquisadores, há uma série de indícios sobre os benefícios à saúde humana que podem estar ligados ao consumo do mate. É possível que a erva facilite o controle do peso e modere processos oxidativos e inflamatórios, por exemplo.

Os efeitos do consumo do mate foram estudados em um plantel de cerca de 50 cabeças de gado, que recebiam um extrato da erva em proporções de 0,25% a 1,5% do total de sua ração.

Não houve mudanças no crescimento e na quantidade de carne obtida a partir de cada animal. Por outro lado, os pesquisadores verificaram, em primeiro lugar, que a carne se tornou mais macia e mais elogiada por consumidores, em teste sensorial cego feito com cem pessoas.

“O desempenho foi melhor inclusive nos testes de força de cisalhamento [feitos por um aparelho que verifica a textura da carne]”, disse Renata Tieko Nassu, da Embrapa Pecuária Sudeste.

A análise das diferentes moléculas presentes na carne mostrou ainda um aumento significativo do ácido linoleico conjugado (CLA) nos bovinos que receberam o suplemento de mate.

Essa substância, explica Cardoso, tem papel anti-inflamatório e pode também auxiliar na diminuição do nível de colesterol de quem a consome. De quebra, atua como antioxidante – ou seja, reduz a formação de moléculas altamente reativas no organismo, que podem causar danos às células. Isso não só é bom para a saúde como também contribui significativamente para aumentar o tempo de prateleira da carne.

Tudo indica que esse efeito benéfico é mediado pela atuação do consumo de mate sobre as bactérias do sistema digestivo dos bois, favorecendo a multiplicação de certos microrganismos. Isso, por sua vez, altera a maneira como o gado absorve nutrientes e, consequentemente, afeta a qualidade da carne.

Além disso, os pesquisadores também observaram uma aparente redução do estresse e melhora no bem estar animal, o que também ajuda a melhorar a qualidade da carne.

Para que a suplementação seja aplicada em larga escala nos rebanhos do país, o próximo passo é achar uma maneira mais econômica de oferecê-la aos animais, segundo explicou Rymer Ramiz Tullio, da Embrapa Pecuária Sudeste.

A questão é que, nos experimentos, foi usado um extrato feito seguindo padrões da indústria farmacêutica, o que encarece o produto. “É preciso verificar se a administração direta das folhas de erva-mate tem o mesmo efeito ou então usar o resíduo que é descartado na produção do extrato, o que também seria bem mais barato”, disse Cardoso.

Mais mandioca

Ampliar o potencial de uso da mandioca na indústria panificadora mundo afora foi outro objetivo-chave do projeto. Como não há expectativa de expansão das áreas de lavoura de trigo no planeta, incluir farinha de mandioca em pães e outros produtos aumentaria a segurança alimentar de muitos países, em especial os de clima tropical.

O grande desafio, conta a pesquisadora dinamarquesa Ulla Kidmose, da Universidade de Aarhus, é compensar a ausência da rede proteica de glúten que está presente na massa de pão feita exclusivamente com trigo.

“Já a mandioca é praticamente só amido, com pouquíssima proteína. E é justamente o glúten do trigo que aumenta o volume do pão e dá a ele uma textura mais suave, duas coisas que, para a indústria, fazem muita diferença”, explicou.

Essa dificuldade, no entanto, foi contornada graças à escolha da variedade de mandioca mais apropriada para a fabricação da farinha e ao uso de um coquetel de enzimas que modificam ligeiramente o processo de fermentação da massa. Com tais ajustes, foi possível fazer com que até um terço da farinha usada na produção do pão fosse de mandioca.

Ulla afirma que a tecnologia poderia ser transferida imediatamente para a indústria, sem muita dificuldade ou custo. “O problema que eu vejo por enquanto é de aceitação, ao menos no mercado europeu ou do hemisfério Norte de maneira geral, porque pouca gente por lá conhece a mandioca hoje”, disse.

Apesar das diferenças de clima, cultivares e animais de criação, Dinamarca e Brasil têm muitos interesses em comum na área da ciência de alimentos, como destacou o coordenador dinamarquês do projeto, Leif Skibsted, da Universidade de Copenhague.

“Os problemas básicos que temos de enfrentar são mais ou menos os mesmos, independentemente do país”, disse Skibsted, que visita a USP de São Carlos ao menos uma vez por ano desde 1998 e foi co-orientador de Daniel Cardoso durante o período em que o pesquisador brasileiro esteve na Dinamarca em seu doutorado-sanduíche. 

Reinaldo José Lopes 
Fonte:


"Escorpião-gigante" pode ter sido o primeiro grande predador do nosso planeta

Pesquisadores descobriram fóssil do 'Pentecopterus decorahensis', um escorpião de quase 2 metros que reinava nos oceanos primitivos


A nova espécie de escorpião gigante tinha cabeça comprida protegida por um escudo, corpo achatado, grandes membros para capturar presas e um membro traseiro em forma de remo, usado para nadar e escavar.(Patrick Lynch/Yale University/Divulgação)

O animal que pode ter sido o primeiro grande predador do nosso planeta habitava os oceanos primitivos muito antes da existência dos dinossauros. Há 467 milhões de anos, era uma espécie de "escorpião-gigante" com 1,7 metro de comprimento e uma dezena de garras que saía da cabeça para capturar grandes invertebrados nadadores. Os fósseis do novo "monstro marinho" foram descobertos em Iowa, nos Estados Unidos, e os biólogos acreditam que ele seja a espécie mais antiga conhecida entre os euriptéridos, ordem de artrópodes extintos típica do período Paleozoico (de 540 milhões a 250 milhões de anos atrás), ancestrais dos aracnídeos modernos.

O animal foi batizado de Pentecopterus decorahensis, em homenagem a um navio de batalha da Grécia antiga chamado penteconter, que remete ao formato do corpo do bicho e a seu comportamento predatório. Ele tem uma longa cabeça protegida por um escudo, um corpo achatado, grandes membros para capturar presas e um membro traseiro em forma de remo, usado para nadar e escavar. Ainda não havia surgido o ferrão na cauda, característico dos escorpiões atuais.

"Ele é incrivelmente bizarro", disse James Lamsdell, professor da Universidade Yale e um dos autores do estudo que descreve a nova espécie, publicado esta semana no periódico científico BMC Evolutionary Biology. "Talvez o mais surpreendente seja a maneira fantástica como está preservado. O estudo mostrou uma quantidade inacreditável de detalhes, como padrões de pelos curtos nas pernas. É uma oportunidade emocionante para qualquer paleontólogo."

De caçador a caça - O Pentecopterus foi reconstituído a partir de mais de 150 fragmentos fósseis, escavados em uma camada de 27 metros de espessura de xisto argiloso, no interior de uma cratera parcialmente submersa pelo Rio Iowa, no Nordeste do Estado.

De acordo com os pesquisadores, animais como ele eram os predadores do topo da cadeia alimentar do Paleozoico. Isso foi antes de surgirem vertebrados carnívoros quando, provavelmente, esses artrópodes gigantes deixaram de ser caçadores e se tornaram grandes refeições para os novos animais.

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Conheça o primeiro animal que andou sobre quatro patas, segundo paleontólogos da Universidade Brown, nos Estados Unidos

De acordo com cientistas americanos, o 'Bunostegos akokanensis' era um pré-reptil que viveu há 260 milhões anos e, inesperadamente, não rastejava como os lagartos


O herbívoro tinha o tamanho e porte de uma vaca e possuía cauda e cabeça pequenas.(Morgan Turner/Reprodução)


Um animal do tamanho de uma vaca, com a cabeça e cauda pequenas, pode ter sido a primeira criatura a andar sobre quatro patas, há 260 milhões de anos. O Bunostegos akokaensis, um herbívoro da categoria dos pré-répteis (grupo de animais anterior aos répteis na evolução) conseguia manter o tronco longe do chão ao caminhar e repousar, enquanto a maioria dos animais terrestres da época deslocava-se como os lagartos.

Para chegar a essa conclusão, publicada na última edição do periódico Journal of Vertebrate Paleontology, um grupo de paleontólogos da Universidade Brown, nos Estados Unidos, analisou fósseis das patas do Bunostegos, encontrados no Níger, na África, em 2003. De acordo com os pesquisadores, o encaixe dos ossos dos membros posteriores descarta a possibilidade de serem rastejadores. Suas articulações estão orientadas em uma posição vertical, com estruturas diferentes de bichos como os lagartos.

Economia de energia - Segundo os autores, a transição da postura de quadrúpede rastejante para a caminhada só com a patas não foi repentina, uma vez que acredita-se que alguns lagartos já conseguiam levantar o abdome durante o deslocamento. Mas o Bunostegos seria o mais antigo animal conhecido a manter o tronco longe do chão durante o movimento e também repouso do corpo.

Andar erguido sobre as quatro patas seria mais eficiente energeticamente do que se arrastar. Com a escassez de alimentos do período, a posição que economiza energia facilitaria a realização de viagens mais longas e a busca por plantas longe do chão. Com isso, os animais não-rastejantes deixariam mais filhotes e também o legado da caminhada sobre quatro patas para as próximas gerações.

Fonte:

Saúde - Cientistas estão a um passo de criar a vacina universal contra a gripe

De acordo com estudos publicados nas revistas 'Science' e 'Nature Medicine' uma única injeção poderia proteger contra todas as mutações do vírus, eliminando a necessidade das doses anuais

A busca dos pesquisadores é por uma vacina que ofereça proteção contra vírus mortais, como os vindos de aves (do tipo H5N1) ou porcos (gripe do tipo A).(Thinkstock/VEJA)


O vírus da gripe muda a cada ano e a vacina contra ele deve, portanto, se adaptar. Por isso, é necessária uma dose anual, que proteja contra o tipo mais comum. Dois estudos publicados nesta segunda-feira (24) nas revistas Science e Nature Medicine, podem, contudo, mudar o rumo do combate à gripe. Eles trazem descobertas que possibilitam a criação do que seria uma "vacina universal", eficaz contra todas as mutações. Bastaria uma única dose para a proteção por um longo período contra a doença.

Verdadeiro "Graal" da pesquisa sobre o vírus Influenza, o desenvolvimento de uma única vacina que proteja contra todas as cepas do vírus da gripe está sendo estudada há muitos anos. A busca é pela proteção de vírus mortais que tendem a se tornar pandemias, como os vindos de aves (do tipo H5N1) ou porcos (gripe do tipo A).

Os dois estudos, feitos por equipes distintas, relatam a proteção integral ou parcial em ratos, furões e macacos, um resultado bem recebido por vários especialistas. "Este é um avanço excitante", considerou Sarah Gilbert, professora de imunologia da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Os pesquisadores enfatizam, no entanto, que a chegada da nova vacina às farmácias não está próxima. "Novas vacinas ainda deverão passar por testes clínicos para ver como funcionam em seres humanos, o que poderá levar vários anos."

Vírus inconstante - Os pesquisadores concentraram sua pesquisa sobre a parte do vírus que é o principal alvo dos anticorpos: a hemaglutinina. Esta proteína, presente na superfície do vírus, permite a sua fixação às células do corpo. Os estudos miraram no "tronco" da molécula, que é mais constante, ao contrário das vacinas comuns, que têm foco na "cabeça", altamente mutável.

No estudo publicado na Nature, os pesquisadores do Instituto Americano de Alergia e Doenças Infecciosas indicam que testaram com sucesso as suas vacinas em ratos e furões, animais que apresentam os mesmos sintomas que os seres humanos. Eles foram imunizados antes de receber doses letais do vírus H5N1.

Embora a vacinação não tenha conseguido neutralizar completamente o vírus H5N1, ela protegeu totalmente os ratos e parcialmente os furões.

No outro estudo, o grupo de pesquisadores liderados por Antoinette Impagliazzo do Instituto de Vacinas Crucell, vinculado ao laboratório americano Janssen, relatou ter testado uma vacina que confere proteção completa para ratos e uma resposta imunológica considerável em macacos.

"O candidato final, chamado mini-HA, tem demonstrado uma capacidade única de induzir uma resposta imunológica ampla e protetora em camundongos e primatas não humanos", ressaltam os pesquisadores.

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