segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Análise genética ajuda a mapear populações de grandes carnívoros


Estudo do DNA presente em amostras de pelos ou de fezes auxilia pesquisadores do Sisbiota a descobrir informações sobre as espécies remanescentes nos fragmentos de Mata Atlântica e de Cerrado (foto: Pedro Galetti)


Agência FAPESP – Métodos não invasivos de análise de DNA estão auxiliando pesquisadores vinculados ao Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade (Sisbiota) a monitorar populações de grandes carnívoros existentes na Mata Atlântica, no Cerrado e nas áreas de transição entre esses dois biomas no Estado de São Paulo e adjacências.

O objetivo é usar os dados coletados para aperfeiçoar modelos de viabilidade populacional e contribuir para o desenvolvimento de planos de conservação, explicou Pedro Manoel Galetti Junior, professor do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador da Rede Sisbiota – Predadores de Topo de Cadeia, apoiada pela FAPESP.

“Esses animais, particularmente os predadores de topo de cadeia, possuem hábitos muito elusivos. Dificilmente são vistos no campo e, por isso, têm sido estudados pelos ecólogos por meio de vestígios como pelos, pegadas e fezes. A genética vem como uma nova e poderosa ferramenta nesse esforço de identificação”, afirmou Galetti.

A análise do DNA mitocondrial de uma amostra de fezes, exemplificou o pesquisador, permite descobrir a espécie depositora, ajudando a calcular o tamanho de uma população e da área que ela ocupa.

“Por meio de um método parecido com os de testes de paternidade, que usa marcadores moleculares neutros como os do tipo microssatélites, é possível individualizar cada amostra”, disse Galetti.

“Como temos o dado geográfico, conseguimos determinar com auxílio de um GPS onde estava aquele indivíduo no momento em que defecou. Se uma nova amostra do mesmo indivíduo for coletada posteriormente em outro local, consigo ter noção de seu deslocamento”, explicou.

O método padronizado pelo grupo do Sisbiota permite ainda calcular a proporção entre machos e fêmeas de uma determinada população, estudar sua variabilidade genética e o fluxo de genes entre os diferentes fragmentos de mata nativa.

Entre os felinos, até o momento as análises têm se concentrado em populações de onça-parda (Puma concolor), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-maracajá (Leopardus wiedii), jaguarundi (Puma yagouaroundi) e gato-do-mato (Leopardus tigrinus).

No grupo dos canídeos os destaques são o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) e o cachorro-vinagre (Speothos venaticus).

Onça-pintada na Serra do Mar

Embora o foco principal seja o Estado de São Paulo, os pesquisadores têm estudado todo o contínuo de Mata Atlântica que se estende até o norte de Minas Gerais, bem como as regiões de Cerrado até o sul de Goiás.

“Em primeiro lugar, queremos descobrir quantos desses animais ainda existem nos fragmentos. Essa é uma informação que, por mais simples que pareça, é desconhecida em razão da dificuldade de se fazer esse tipo de análise”, disse Galetti.

As estimativas populacionais ainda estão sendo concluídas. Segundo Galetti, o processo é demorado, pois os testes precisam ser repetidos de duas a cinco vezes para que se possa ter certeza dos resultados.

Dados preliminares, porém, já revelaram a presença da onça-pintada (Panthera onca) em algumas áreas do Estado nas quais se acreditava que a espécie estava extinta, como no Núcleo Santa Virgínia do Parque Estadual da Serra do Mar.

“Queremos ampliar os estudos para que seja possível rodar modelos de viabilidade populacional. Esses modelos consideram várias características de qualidade do habitat para calcular a probabilidade de persistência de uma determinada espécie em um determinado ambiente pelos próximos 100 anos. As análises se tornarão mais confiáveis quando conseguirmos introduzir nos modelos os dados genéticos”, avaliou Galetti.


Por Karina Toledo
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Pesquisadores brasileiros sugerem forma ampliada de avaliar riscos de extinção de espécies

O fim-fim (Euphonia chlorotica) é uma das aves brasileiras em risco
O fim-fim (Euphonia chlorotica) é uma pequena ave brasileira que habita ambiente de floresta

Mudanças ambientais, provocadas ou não pela ação do homem, têm impacto na vida selvagem e estão refletidas na extensão da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas publicada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). A listagem com 71.576 nomes de animais, plantas, fungos e microrganismos é a base para a elaboração de políticas de conservação mundo afora. No entanto, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) sustentam que a lista não deve ser o parâmetro único para planejar ações de conservação, pois aspectos ignorados pela IUCN podem colocar em xeque o êxito das medidas. Os pesquisadores brasileiros sustentam que é necessário avaliar a saúde dos ecossistemas em sua totalidade e não tomar isoladamente o risco de extinção de cada espécie.

Para fornecer dados mais fidedignos, os pesquisadores da UFG criaram um modelo para quantificar o risco de desaparecimento das espécies. Quase todas as aves do Brasil constam da tabulação feita para o trabalho científico, somando 1.557 espécies. Os brasileiros foram abrangentes, levaram em conta dados como a influência humana (caça, comércio ilegal, desmatamento), a dieta dos animais (se se alimentam de frutas, folhas, insetos), além do ambiente em que vivem (floresta, ambiente aberto, savana), os hábitos (noturno ou diurno), a quantidade de ovos por ninhada e o tamanho dos bichos, além de 15 outras variáveis.

“Aplicando nosso modelo, somos capazes de prever se o animal ou planta têm, por exemplo, 30%, 40% ou 80% de chance de se extinguir em determinado momento. Descobrimos que a maioria dos exemplares de aves mais ameaçados de nosso país não estão sequer em áreas protegidas”, explica o professor Rafael Loyola, co-autor, com a doutoranda Nathália Machado, do artigo A Comprehensive Quantitative Assessment of Bird Extinction Risk in Brazil, publicado na edição de agosto da revista PLoS ONE.

A IUCN, por outro lado, aplica somente 12 critérios para definir se uma espécies está em perigo ou não. Tamanho da população, número de indivíduos maduros, taxa de declínio, fragmentação das populações e área de ocorrência são alguns das variáveis usadas. Dessa forma, cada espécie recebe da IUCN uma etiqueta específica – dados insuficientes (DD), pouco preocupante (LC), quase ameaçada (NT), vulnerável (VU), em perigo (EN), criticamente em perigo (CR), extinta na natureza (EW) e extinta (EX).

Os pesquisadores esperam que o modelo auxilie em mais um parâmetro, a probabilidade de extinção, capaz de melhorar o planejamento das políticas ambientais. “O estudo amplia o conhecimento sobre o grau de ameaça das espécies e isso tem um peso político enorme, porque o governo só tem condições de tomar decisões mais eficientes quando conhece o nível de ameaça a uma espécie. Por exemplo, pode-se intensificar a fiscalização a uma região específica ou criar áreas de preservação para impedir a degradação daquele ecossistema”, afirma Loyola.

Características ecológicas e histórias evolutivas
O outro artigo produzido pelo Departamento de Ecologia da UFG, intituladoConservation Actions Based on Red Lists Do Not Capture the Functional and Phylogenetic Diversity of Birds in Brazil e também publicado na edição de setembro da revista PLoS ONE, aprofunda o entendimento sobre as características ecológicas e histórias evolutivas de cada ave brasileira no ecossistema em que vive. São aspectos pouco avaliados pelas políticas de conservação, e isso inclui a Lista Vermelha da IUCN.

O objetivo dos cientistas foi avaliar o nível de diversidade funcional e de diversidade filogenética de ambientes para saber se os mesmos são saudáveis. Com essa informação em mãos, contam os autores do estudo, a aplicação de políticas de conservação teria maior impacto. A classificação poderia, por exemplo, ajudar a determinar quais regiões terão melhor resultado dentre aquelas que já estão muito degradadas, e que precisam de outras intervenções.

O nível de diversidade funcional diz respeito à diferença ecológica entre as espécies presentes nos ecossistemas. Quanto mais alto é o índice, mais “saudável” é o local, porque ali existem espécies com múltiplas funções e isso garante o equilíbrio natural. “Quando há espécies ecologicamente muito diferentes habitando o mesmo ambiente, espera-se achar ali aves que desempenhem papéis diversos, tais como dispersão de sementes, polinização e predação, diz o professor Loyola, que também participou do estudo, e que tem co-autoria do mestrando José Hidasi Neto e de Marcus Cianciaruso, também professor da UFG.

Já o nível de diversidade filogenética indica o quão diferente são as espécies daquele ambiente do ponto de vista evolutivo. “Usamos como exemplo a ema, que é uma grande ave que não voa e ocorre em áreas abertas, ao contrário do fim-fim (Euphonia chlorotica), que é pequeno e habita ambiente de floresta. Essas várias linhagens (ou grupos evolutivos) convivendo na mesma área atestam a saúde de todo do ecossistema”, explica Loyola.



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Olimpíada Brasileira de Biologia está com inscrições abertas


Agência FAPESP – A 11ª Olimpíada Brasileira de Biologia (OBB) está com inscrições abertas. O evento é organizado pela Associação Nacional de Biossegurança (ANBio) e reúne escolas de todo o país com a missão de estimular e difundir o ensino da disciplina.
Devem se inscrever apenas os professores responsáveis, coordenadores, diretores e suas respectivas escolas pelo site da OBB (www.anbiojovem.org.br).
Após a aplicação da prova da primeira fase, de responsabilidade do professor credenciado, o docente deverá lançar as notas de todos os seus alunos, por meio de login e senha, no sistema do próprio site. A partir daí, os alunos podem ser cadastrados. As inscrições vão até 13 de março de 2015.
A OBB é voltada a alunos que tenham, no máximo, 19 anos e estejam cursando o ensino médio ou já concluíram essa etapa, mas ainda não entraram na faculdade.
A olimpíada tem três estágios. A primeira prova, eliminatória, é formada por 30 questões de múltipla escolha. A segunda etapa é composta por uma prova com 120 perguntas objetivas. Por fim, a terceira etapa inclui uma prova durante um treinamento prático no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Os alunos selecionados na 11ª OBB participarão da Olimpíada Internacional de Biologia, que ocorrerá na Dinamarca, e da Olimpíada Ibero-Americana, em El Salvador.
Mais informações em www.anbiojovem.org.br
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Serpentes acuadas


Jararaca-ilhoa, da ilha de Queimada Grande (foto: Eduardo Cesar)




Depois de quatro anos organizando uma rara síntese de informações produzidas durante muitas décadas de trabalho de campo, o biólogo Cristiano Nogueira pode finalmente dizer: “Agora conseguimos ver de modo claro que a principal ameaça às serpentes do Brasil é uma dramática perda de vegetação nativa, que é também a causa de outros problemas, como essa seca em São Paulo”. Como pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), ele coordena um extenso mapeamento, comparando a distribuição geográfica atual e passada das serpentes brasileiras. Os resultados preliminares indicam que algumas espécies perderam até 80% da área de floresta ou campos que ocupavam três décadas atrás. A perda de espaço – associada à expansão das cidades e da agropecuária, como também se passa com outras espécies – implica o desaparecimento de evidências da história evolutiva não apenas das cobras, mas também de outros grupos de seres vivos, que se formaram e ocuparam seus espaços ao longo de milhões de anos.

Nogueira espera concluir em 2016 os mais de mil mapas que delimitam com precisão esse problema ao comparar as áreas ocupadas hoje e no passado pelas 380 espécies encontradas no Brasil. É a maior diversidade de serpentes do mundo, incluindo as minúsculas e inofensivas cobras-cegas, as jararacas, cascavéis, corais verdadeiras e falsas, até as maiores, como a jiboia e a sucuri, de até 10 metros de comprimento. De acordo com os mapas já prontos, 22 espécies são exclusivas – ou endêmicas – de trechos da caatinga e outras 80 da mata atlântica. “Estamos descobrindo as áreas de endemismo e ao mesmo tempo vendo que as estamos perdendo”, observa Nogueira, à frente de uma equipe de 25 especialistas do Brasil e dois da Argentina.

A Bothrops itapetiningae, a menor entre as jararacas, com 40 a 60 centímetros de comprimento – os machos têm cauda mais longa, enquanto as fêmeas têm uma cabeça maior —, deve ocupar hoje apenas 20% da área original de há 30 anos, que se estendia pelos campos e cerrados desde São Paulo até o centro de Goiás e foi intensamente ocupada por plantações ou cidades. “O desmatamento chegou até as bordas do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso e Pará, e do Parque Nacional das Emas, em Goiás”, observa Nogueira. “As perdas cresceram muito desde que comecei esse levantamento, em 2010, e agora avançam sobre a floresta amazônica.”


© THESAURI/ ALBERTUS SEBA


Os primeiros registros de serpentes do Brasil: a papa-pinto em um livro de 1734 publicado na Alemanha…

Outra espécie acuada é a jararaca-de-murici (Bothrops muriciensis), encontrada apenas em matas de altitude superior a 400 metros em uma estação ecológica no município de Murici, em Alagoas. Marco Antonio de Freitas, pesquisador do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que coordenou o trabalho de campo com essa espécie, viu que o desmatamento é intenso por lá, mesmo em áreas protegidas por lei. Não é o único problema. “Nas regiões Norte e Nordeste ainda não existe um trabalho educativo eficaz, que coíba a matança de serpentes peçonhentas. O máximo que se consegue é que os moradores não matem as que eles mesmos reconhecem como inofensivas”, disse ele. Ali e em outros lugares, a maioria das pessoas prefere matar esses bichos, por causa do medo e do asco que despertam, embora a minoria das espécies seja venenosa. Em um estudo de 2014, Freitas relatou que a jaracuçu-tapete (Bothrops pirajai) vive apenas em fragmentos de mata atlântica do sul da Bahia, sob as mesmas ameaças.

Uma visão mais ampla revela um paradoxo: a região mais povoada do país – do sul de Minas Gerais até o sul de Santa Catariana – apresenta a maior riqueza (número de espécies) e diversidade filogenética (linhagens) de serpentes, por causa da variedade de formas de vegetação e de relevo. É nessa área que houve mais coletas, o que facilita a identificação de espécies novas. Em um levantamento na serra de Paranapiacaba, na Grande São Paulo, a bióloga Vivan Trevine, do MZ-USP, encontrou 16 espécies de cobras e 80 de anfíbios, uma boa amostra da diversidade de vida silvestre de todo o estado. Há também áreas ricas em espécies e em linhagens ainda pouco percorridas por biólogos, como as matas e cerrados da chapada de Parecis e serra de Ricardo Franco, no oeste de Mato Grosso, e nas regiões norte e central dos Andes (ver mapas).

Muitos anos de silêncio
“Estamos reunindo informações que começaram a ser coletadas há 250 anos”, diz Nogueira. O botânico e zoólogo Carl von Linné, Lineu, foi quem apresentou em 1758 uma das primeiras descrições de uma serpente do Brasil, uma jiboia. “Ver como as cobras se distribuem espacialmente é uma forma de entender a formação e a evolução dos ambientes naturais”, afirma Nogueira. “Se entendermos o que gerou a diversidade das serpentes, talvez seja possível concluir o que se passou também em outros grupos de animais.”


© ICONOGRAPHIE GÉNÉRALE DES OPHIDIENS/GIORGIO JAN E FERDINANDO SODELLI


… e a jiboia (cobra maior), em um livro de 1864 publicado na Itália

Os mapas estão sendo construídos a partir de cerca de 100 mil registros de coletas de espécies, “todos verificados por pelo menos um especialista”, assegura Nogueira. Foi um trabalho lento e meticuloso. Thais Guedes, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Fausto Barbo, da USP, passaram anos examinando os animais e as etiquetas de identificação de dezenas de coleções zoológicas do Brasil – ela com os bichos da caatinga e ele, da mata atlântica – e de outros países. “Havia muita informação, mas espalhada, desorganizada, com erros que tiveram de ser corrigidos”, diz Ricardo Sawaya, da Unifesp. Ele e Barbo examinaram jararacas da ilha de Santa Catarina no museu Koenig, em Bonn, na Alemanha, coletadas pelo zoólogo alemão Paul Müller entre 1960 e 1970. Em silêncio, trazendo à tona informações para estudos como esse, trabalha também o técnico do Butantan Valdir José Germano, há cinco anos dedicado à paciente recuperação de cobras queimadas e suas etiquetas de identificação chamuscadas pelo incêndio que destruiu a maior parte de uma coleção de mais de 80 mil amostras do instituto, em 2010.

Desde 2012 os pesquisadores fornecem informações sobre a distribuição geográfica das espécies para a lista de espécies ameaçadas, divulgada pelo ICMBio em novembro de 2014. Otavio Marques, biólogo do Butantan que trabalha há 30 anos com distribuição geográfica e história natural de espécies da mata atlântica do litoral paulista, comemora o fato de as informações sobre cobras e outros grupos de animais terem sido usadas na elaboração das Diretrizes para conservação e restauração da biodiversidade do estado de SP, documento publicado em 2008 com o propósito de reconhecer e proteger as áreas de vegetação nativa com elevada concentração de espécies diferentes de animais e plantas. “Já criaram unidades de conservação em São Paulo com base nesses mapas”, ele diz.

As ilhas das cobras
As ilhas e as matas do litoral brasileiro estão se revelando um autêntico ninho de jararacas: cada lugar parece ter suas próprias espécies ou ao menos variedades únicas de uma mesma espécie. Nas árvores da ilha de Queimada Grande – e apenas lá –, vivem centenas de jararacas-ilhoa, de cerca de 1 metro de comprimento, com um veneno que lhes permite matar pássaros em segundos. A ilha dos Alcatrazes, a cerca de 30 quilômetros (km) de distância, abriga outras centenas de jararacas-de-alcatrazes, de meio metro de comprimento, que se alimentam quase exclusivamente de centopeias. Agora aparece outra espécie, a Bothrops otavioi, que come sapos e por enquanto foi vista apenas em um lugar, as matas da ilha Vitória, no município-arquipélago de Ilhabela. Uma candidata a nova espécie de jararaca vive na ilha vizinha de Búzios e outra desliza ainda anônima em uma ilha mais ao norte, no litoral do Espírito Santo.

Para os pesquisadores, encontrar novas espécies gera sensações contraditórias como a alegria de quem chega a uma festa e logo se decepciona ao ver que o encontro está acabando. “Apresentamos as espécies como novas e já as classificamos como ameaçadas de extinção, por causa do alto risco de perda das áreas de matas nativas em que vivem”, diz Sawaya. Ele participou da caracterização da jararaca da ilha Vitória e trabalha na descrição da possível espécie nova da ilha vizinha de Búzios, ambas habitadas por famílias de caiçaras, cujas casas avançam sobre as matas nativas.

Os pesquisadores acreditam que as ilhas do litoral podem abrigar variedades únicas de seres vivos em consequência do isolamento geográfico causado pelo recuo do nível do mar, um processo concluído há cerca de 10 mil anos que pode ter favorecido a formação de novas espécies. Ainda haveria muito a ser descoberto porque “o estado de São Paulo tem mais de 100 ilhas e o Rio de Janeiro, mais de 300, a maioria ainda com poucos levantamentos biológicos”, diz Sawaya. É provável que não seja fácil encontrar os bichos. “Serpente é um bicho ingrato para estudar, em geral não se acha fácil”, observa Marques, “mas em Queimada Grande dá para ver de 10 a 15 jararacas por dia. Em Alcatrazes, de cinco a 10”. Estima-se que de 2 mil a 3 mil jararacas vivam em cada uma dessas ilhas.

Espécies novas de serpentes podem ser encontradas até mesmo em matas urbanas. Pesquisadores de São Paulo, Goiânia e Belém apresentaram em 2014 uma espécie nova de coral verdadeira, a Micrurus potyguara, encontrada em João Pessoa, na Paraíba. Com base em registros do Butantan de 2003 a 2007, Barbo verificou que os fragmentos de mata atlântica do município de São Paulo abrigavam 38 espécies diferentes. As mais frequentes eram outra falsa-coral, a jararaca-dormideira, uma inofensiva comedora de lesmas, e a jararaca-da-mata, venenosa, de corpo marrom com manchas triangulares escuras.


© EDUARDO CESAR

Trabalho de base no Butantan: Valdir Germano reorganiza o acervo atingido pelo incêndio de 2010…

Conhecer e perder
“Se não agirmos agora, em 20 anos não haverá mais nada para preservar”, alerta Nogueira. “Muitas áreas que visitei há 15 anos em Goiás, Mato Grosso e Bahia não existem mais, foram tomadas pela agricultura.” Em 1997, ainda como estudante de biologia em São Paulo, ele saiu pela primeira vez para fazer o resgate de animais em uma área de cerrado que seria coberta pelo reservatório da hidrelétrica de serra da Mesa, em construção no nordeste de Goiás. Apesar do ceticismo dos colegas – o cerrado é ainda visto como uma região de baixa diversidade biológica –, Nogueira encontrou “uma riqueza estupenda de lagartos e serpentes”, já que se tratava de uma região de contato entre a floresta amazônica e áreas de planalto do Brasil Central.

“Foi o que chamei de paradoxo da serra da Mesa: conhecer no momento da perda. Foi assim também em outros lugares, e também com peixes e outros grupos de animais”, diz ele. “Ainda dependemos desses eventos de grande destruição, como agora em Belo Monte e Jirau, no norte do país, para conhecer a diversidade biológica de um lugar. Agora temos os bichos, identificados e conservados em museus, mas não mais os espaços em que viveram. Temos de fazer mais inventários biológicos planejados em regiões íntegras, como os parques e reservas, ainda quase desconhecidos.”

O biólogo Hussam Zaher, pesquisador e ex-diretor do Museu de Zoologia, viveu a mesma situação em 2014, ao descobrir um gênero e uma espécie nova de uma serpente coletada nas matas que serão cobertas por outro reservatório da região amazônica. Outro exemplar dessa serpente foi capturado em outra área, a 150 quilômetros de distância, que também será coberta pelas águas de uma hidrelétrica.

Com seu grupo, ele trabalha em análises genéticas e moleculares de 1.200 espécies de serpentes da América do Sul para estabelecer a origem e a filogenia – a árvore genealógica – desse grupo de animais. “As cobras são lagartos modificados, que perderam as patas ao longo da evolução, mas ainda não sabemos de que grupos de lagartos as cobras podem ter se originado”, diz ele. As análises dos dados devem começar ainda no primeiro semestre de 2015. Os resultados preliminares, com apenas 12 genes, indicaram que as jararacas das ilhas e do continente não se diferenciam geneticamente e, portanto, poderiam ser a mesma espécie, apenas com variações morfológicas. “Estamos refazendo as análises, com amostras maiores de DNA”, afirma Zaher.


© EDUARDO CESAR

… e Selma Almeida Santos e Juliana Passos medem jararacas-ilhoa criadas em laboratório

Diante de militares
Convencer a população e autoridades sobre a necessidade de preservação desses bichos não é fácil. Não basta dizer que, sem as cobras, haveria mais sapos e ratos nas matas e nas cidades. Nem que existem seres de hábitos únicos, como aRhachidelus brazili, uma cobra preta que só come ovos e vive em áreas de campos nativos cada vez menores do cerrado, ou espécies que poderiam representar uma região – a jararaca-da-seca (Bothrops erythromelas), avermelhada, “é a caatinga em forma de serpente, só vive na vegetação baixa e no pé de serras”, diz Nogueira.

O cirurgião mineiro Rodrigo Souza resolveu agir, comovido com a redução da vegetação nativa e com atropelamentos de cobras nas estradas do sul da Bahia. Em 2001 ele comprou um sítio em Itacaré e fez um serpentário para criar surucucus (Lachesis muta), a maior cobra venenosa das Américas, cada vez menos vista na região. As cobras são mantidas em viveiros em um espaço cercado por muros de 3 metros de altura e 50 centímetros de profundidade, para impedir a passagem de tatus, uma exigência de órgãos ambientais. Souza, que trabalha com pesquisadores de São Paulo e de Minas Gerais, anunciou em 2007 a primeira reprodução em cativeiro de surucucus de mata atlântica, antes classificada em extinção.

Em uma reunião em Brasília no início de 2013, Marques, do Butantan, pediu para os militares da Marinha pararem de realizar exercícios de tiro nas rochas da ilha dos Alcatrazes. Os tiros, ele argumentou, causavam incêndios que poderiam reduzir as populações de jararacas e a Marinha poderia ser responsabilizada. “Os militares aceitaram parar os exercícios em Alcatrazes”, conta. Em outro encontro ele usou um argumento utilitarista, perguntando qual dos militares e políticos à sua frente tinha hipertensão. Vendo os braços erguidos, ele lembrou que um medicamento hipertensivo bastante usado, o Captopril, foi desenvolvido a partir do veneno da jararaca do continente (Bothrops jararaca).

Marques alerta que, se perdessem a espécie de Alcatrazes, “perderemos uma fonte potencial de novos medicamentos”. Poderia haver outras possibilidades porque, como se viu no Butantan, o veneno dessa espécie contém três proteínas específicas, diferentes das encontradas no veneno da jararaca do continente, que se alimenta basicamente de pequenos mamíferos e não de centopeias como a jararaca-de-alcatrazes.

Os primeiros exemplares da outra jararaca de ilha, a ilhoa, chegaram ao Butantan em 1911, enviados por Antonio Esperidião da Silva, um morador da ilha de Queimada Grande. Afrânio do Amaral, pesquisador e um dos diretores do instituto, ficou intrigado ao ver penas entre as fezes das cobras (ainda não se conhecia nenhuma jararaca que comesse aves) e visitou a ilha várias vezes. Depois emergiu um problema novo, o contrabando de cobras. “Alunos nossos receberam ofertas para trazer bichos de Queimada Grande”, conta Marques.

Em 2010, com sua equipe, ele trouxe 20 cobras de Queimada Grande e pediu à bióloga Selma Almeida Santos: “Cuide delas como se fossem seus filhos”. Selma, com sua equipe, estudou a viabilidade dos espermatozoides e o ciclo hormonal das fêmeas para ver o melhor momento de promover os encontros entre os casais. Os acasalamentos deram certo e nasceram 25 filhotes. Quatro anos depois, as cobras ainda são mantidas em caixas plásticas em um dos laboratórios do Butantan, mas devem viver novas experiências em breve. “O próximo passo é soltá-las em uma área com mata, para que possam viver e se reproduzir sem nossa assistência, e depois começar o mesmo trabalho com outras espécies ameaçadas”, diz Marques. “Já trouxemos quatro jaracaras-de-alcatrazes.” Em alguns anos ele saberá se a estratégia deu certo com essa outra habitante das ilhas e se poderia ser adotada para recuperar as populações de outras espécies ainda não perdidas.


Por Carlos Fioravanti

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Vacina terapêutica contra Chagas é testada com sucesso em camundongos




Agência FAPESP – Uma vacina brasileira capaz de estimular o sistema imunológico a combater o Trypanosoma cruzi – parasita causador da doença de Chagas – foi testada com sucesso de forma terapêutica em experimentos com camundongos.

De acordo com os resultados publicados na revista PLoS Pathogens, no fim de janeiro, o imunizante aumentou de zero para 80% a sobrevivência de animais infectados e ainda diminuiu a carga parasitária e reduziu sintomas como arritmias cardíacas.

Os estudos para o desenvolvimento da vacina vêm sendo coordenados há 20 anos por Maurício Martins Rodrigues, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio da FAPESP em diversos projetos de pesquisa.

O novo estudo é resultado de uma parceria com diversas instituições, por meio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas, envolvendo o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR/Fiocruz), a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Unifesp e a Universidade de Massachusetts Medical School, nos Estados Unidos.

“Mais de 10 milhões de indivíduos na América Latina convivem com a doença de Chagas já na fase crônica e o tratamento convencional muitas vezes não funciona. A vacinação terapêutica levaria à redução dos sintomas, queda da mortalidade e melhora da qualidade de vida dos doentes”, disse Rodrigues.

Entre as principais complicações crônicas da doença de Chagas estão o alargamento dos ventrículos do coração (condição que afeta cerca de 30% dos pacientes e costuma levar à insuficiência cardíaca) e a dilatação do esôfago ou o alargamento do cólon (que acomete até 10% dos infectados e pode levar à perda dos movimentos peristálticos e à dificuldade de funcionamento dos esfíncteres).

Embora medicamentos como o benzonidazol tenham eficácia razoável contra o parasita na fase aguda da infecção, eles apenas conseguem retardar o progresso da enfermidade quando esta evolui para a fase crônica, o que acontece em 30% dos casos.

Na ausência de um tratamento específico, os médicos recorrem a medicamentos usados para combater outras doenças do coração ou do sistema digestivo, capazes apenas de atenuar os sintomas.

A vacina desenvolvida na Unifesp também poderá ser usada para promover uma imunidade profilática contra o T. cruzi, mas, na avaliação de Rodrigues, o impacto para a saúde pública seria maior se ela fosse usada de forma terapêutica.

“Para usá-la profilaticamente seria preciso imunizar milhares de pessoas, e os países que ainda possuem altas taxas de transmissão do parasita, como a Bolívia, a Venezuela e o Peru, não têm recursos para esse tipo de campanha”, disse.

O Brasil possui a logística necessária para a imunização em massa. A transmissão do T. cruzi no país, entretanto, foi praticamente eliminada, ocorrendo apenas em casos isolados e geralmente por ingestão de alimentos contaminados pelas fezes do barbeiro.

“Mas ainda há por aqui muitos pacientes sofrendo com as complicações da fase crônica. Tratar apenas as pessoas já infectadas é economicamente mais viável e factível no médio e longo prazo”, disse Rodrigues.

O mecanismo de ação do imunizante promove a indução de linfócitos T do tipo CD8 contra dois antígenos do parasita: uma proteína (rAdASP2) da superfície do amastigoto (parasita em seu estágio intracelular) e a enzima trans-sialidase, presente na forma tripomastigota (fase extracelular, que circula no sangue). Desta forma, a resposta imune é gerada para as duas formas infectantes do parasita, cobrindo todo o seu ciclo de vida dentro do organismo humano.

“Usamos vírus recombinantes com essas duas proteínas importantes para induzir a imunidade contra o parasita. Uma vez injetados no organismo, os vírus não são capazes de se reproduzir, mas entram nas células e produzem as proteínas dentro delas”, explicou Rodrigues.

Redução da patologia


No experimento descrito na PLoS Pathogens, camundongos infectados pelo T. cruzi foram imunizados, acompanhados durante 250 dias e, ao final, comparados com outros dois grupos de animais: um não infectado (controle) e outro infectado e não imunizado.

Enquanto no grupo infectado e não imunizado todos os animais morreram após o término do experimento, no grupo vacinado houve uma sobrevivência de 80% – índice equivalente ao do grupo controle.

“Com 250 dias de vida os animais já estavam idosos, algo equivalente a 60 anos humanos. Ou seja, os ratos vacinados passaram a vida toda doentes e sobreviveram tanto quanto os animais não infectados”, comentou Rodrigues.

A vacinação também foi capaz de reduzir em cinco vezes a carga parasitária. A porcentagem de animais que sofriam de arritmia cardíaca no grupo imunizado caiu de 100% para 33%, de acordo com o pesquisador.

“Houve uma melhora considerável na função cardiológica de maneira geral. Esse dado, aliado à queda na carga parasitária, mostra que houve melhora na qualidade de vida dos animais”, avaliou Rodrigues.

Embora a vacina tenha apresentado resultados promissores neste experimento e em anteriores nas quais ela foi testada profilaticamente, ainda é necessário desenvolver uma formulação segura para o uso em humanos antes de avançar para a fase de estudos clínicos.

Até o momento, nenhuma vacina contra a doença de Chagas, uma das doenças tropicais consideradas negligenciadas, foi testada em humanos e um dos principais obstáculos é a falta de financiamento e de interesse dos laboratórios farmacêuticos.

“Ainda que a doença não tenha um índice de mortalidade grande, representa um enorme custo econômico para os países pobres, pois os infectados muitas vezes ficam impossibilitados de trabalhar”, comentou Rodrigues.

Estima-se que a enfermidade cause mundialmente a perda de 750 mil anos de vida produtiva e de US$ 1,2 bilhão anualmente.

Malária vivax

Em outro projeto financiado pela FAPESP, Rodrigues coordena estudos para o desenvolvimento de uma vacina profilática contra a malária causada pelo Plasmodium vivax, que responde por aproximadamente 80% dos casos da doença no Brasil.

Os estudos ainda estão em fase pré-clínica e o grupo da Unifesp trabalha atualmente no desenvolvimento de uma formulação que possa ser testada em humanos.

Nos próximos meses deve ser licenciada a primeira vacina contra malária causada pelo Plasmódio falciparum, desenvolvida pelo laboratório farmacêutico GlaxoSmithKline (GSK).

A doença causada pelo P. falciparum é predominante na África e é considerada mais grave – matando cerca de 660 mil pessoas por ano, muitas delas crianças. As mortes pelo P. vivax são estimadas entre 10 mil e 20 mil por ano no mundo. A doença, porém, costuma causar recaídas que aumentam seu impacto econômico e mantêm altas as taxas de transmissão.



Por Karina Toledo
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Sensor detecta dengue antes dos primeiros sintomas da doença

Dispositivo desenvolvido por pesquisadores da USP em parceria com empresa de biotecnologia detecta instantaneamente proteína secretada pelos quatro tipos de vírus causador da doença (foto: Nirton Vieira)


Agência FAPESP – Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP) e da empresa DNApta Biotecnologia, de São José do Rio Preto (SP), desenvolveram um biossensor capaz de detectar dengue antes de surgirem os primeiros sintomas da doença.

O dispositivo, criado durante um projeto de mestrado da estudante Alessandra Figueiredo e de um pós-doutorado realizado por Nirton Cristi Silva Vieira com Bolsa da FAPESP, foi desenvolvido no Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia do IFSC-USP, coordenado pelo professor Valtencir Zucolotto, e no âmbito do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO) – um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) financiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) -- pelo professor Francisco Guimarães. E foi descrito em um artigo publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature.

“O biossensor é capaz de diagnosticar dengue com maior rapidez, menor custo e facilidade do que os testes laboratoriais existentes hoje”, disse Vieira, pós-doutorando no IFSC-USP e um dos autores do projeto, à Agência FAPESP.

A tecnologia do biossensor é baseada na detecção elétrica da proteína não-estrutural 1 NS1. Esse tipo de proteína é secretada pelos quatro tipos de vírus da dengue (DEN1, DEN2, DEN3 e DEN4) e encontrado em concentrações detectáveis no sangue de pessoas tanto com infecção primária (que contraíram a doença pela primeira vez) quanto secundária (a partir da segunda vez), do segundo até o nono dia após o início da doença. Por isso, é considerada um excelente biomarcador de infecção pelo vírus da dengue, de acordo com Vieira.

“A vantagem de utilizar a proteína NS1 para detectar dengue é que é possível diagnosticar a doença mais precocemente, já no segundo ou terceiro dia após a infecção, uma vez que os sintomas da dengue só começam a aparecer, em média, a partir do sexto dia após a picada do mosquito”, disse o pesquisador.

Uma das formas usadas para detectar a proteína NS1 do vírus da dengue é por meio de anticorpos como a imunoglobulina G (IgG), obtidos por meio da fusão de linfócitos B provenientes do baço de animais imunizados com células de mieloma (linhagem tumoral de linfócitos B) ou extraídas do sangue de mamíferos inoculados com NS1.

O problema, contudo, é que o custo desse processo de fusão de linfócitos B é muito alto. Já a quantidade de anticorpos obtida por meio do sangue de mamíferos inoculados com NS1 é muito pequena, ressalvou Vieira. “O rendimento desse processo é muito baixo”, disse.

A fim de aumentar a produção de anticorpos da proteína NS1, a empresa DNApta Biotecnologia desenvolveu uma técnica na qual são produzidas em bactérias Escherichia coli (E. Coli) proteínas recombinantes (feitas artificialmente, a partir de genes clonados) de NS1 dos quatro tipos de vírus da dengue, que são inoculadas em galinhas poedeiras.

Com isso, ela consegue obter, da gema dos ovos das galinhas inoculadas com proteínas recombinantes NS1, grandes quantidades de imunoglobulina do tipo IgY – alternativa à imunoglobulina IgG, obtida a partir do sangue de mamíferos.

“As galinhas são grandes produtoras de anticorpos. Conseguimos obter uma quantidade muito grande de IgY da gema do ovo de poedeiras inoculadas com NS1”, contou Sérgio Moraes Aoki, diretor científico da DNApta.

A empresa forneceu proteínas recombinantes de dengue NS1 e imunoglobulina IgY da gema de ovo para os pesquisadores do IFSC-USP desenvolverem o biossensor de dengue e divide com a Agência USP de Inovação a patente do dispositivo.

“Foi a primeira vez que se utilizou imunoglobulina IgY de galinha como elemento de reconhecimento biológico em um biossensor voltado ao reconhecimento da proteína NS1”, disse Aoki.

Composição do sensor

O biossensor desenvolvido pelo grupo de pesquisadores é composto por um eletrodo de ouro em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro) com uma amostra de imunoglobulina IgY imobilizada sobre ele e um eletrodo de referência com potencial elétrico constante.

Ao entrar em contato com a proteína NS1, o potencial elétrico do eletrodo com a imunoglobulina IgY imobilizada muda em relação ao do eletrodo de referência, em razão da ligação da proteína com o anticorpo, produzindo um sinal elétrico.

Um software “lê” esse sinal elétrico e indica em, no máximo, 30 minutos o resultado da análise, que pode ser acessado em tempo real pelo celular ou notebook.

“Quanto maior for a concentração da proteína NS1 em contato com o eletrodo com a imunoglobulina IgY imobilizada, maior também será a diferença do potencial elétrico”, explicou Vieira.

A fim de avaliar a eficácia do biossensor, os pesquisadores realizaram testes com amostras da proteína NS1 em concentrações que variaram de 0,01 a 10 microgramas por mililitro (μg.mL) – a faixa limite de concentração de NS1 encontrada no sangue de pacientes diagnosticados com dengue.

Os resultados dos testes indicaram que o dispositivo foi capaz de detectar a presença da proteína NS1 em uma concentração mínima de 0,09 μg.mL.

“A média de concentração da proteína NS1 no sangue de pessoas infectadas pelo vírus da dengue é de 2 microgramas por mililitro. O biossensor conseguiu detectar concentrações muito menores do que essa”, disse Vieira.

Os pesquisadores obtiveram a aprovação inicial do comitê de ética da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) para realizar, nos próximos meses, após aprovação final, testes do biossensor diretamente em amostras de sangue de pessoas infectadas com o vírus da dengue.

“Já chegamos a desenvolver um protótipo do sensor”, disse Vieira. “A vantagem é que a imunoglobulina IgY obtida de gema de ovo usada nele é muito barata em comparação com outros anticorpos. Por isso, o dispositivo poderia ser produzido em larga escala.”

Novos biossensores

Além do biossensor para dengue, desenvolvido em parceria com o grupo de pesquisadores do IFSC-USP, a empresa DNApta pretende desenvolver por meio do projeto “Desenvolvimento de biossensores eletroquímicos para detecção da proteína NS1 do vírus da dengue” , realizado com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, novos biossensores para detecção da proteína NS1 do vírus da dengue baseados em outras plataformas tecnológicas.

“Agora, nossa ideia é desenvolver biossensores eletroquímicos com imunoglobulina IgY obtida da gema de ovo de galinhas poedeiras inoculadas com a proteína NS1 em eletrodos de carbono”, contou Aoki.

A meta da empresa é desenvolver dispositivos portáteis de detecção de dengue semelhantes aos medidores de glicemia utilizados pelos diabéticos, que possam ser acoplados a dispositivos de comunicação móveis, como um aparelho de celular ou um notebook, e transmitir os dados, em tempo real, para uma central. Desse modo, poderá ser feito um monitoramento epidemiológico da doença, indicou Aoki.

“Pretendemos estender essa ideia para detectar outras doenças, além da dengue”, disse Aoki.

De acordo com os pesquisadores, os testes de diagnóstico de dengue mais empregados hoje não são eficazes para detectar a doença principalmente nos primeiros dias de infecção, quando os sintomas são comumente confundidos com outras doenças infecciosas.

O hemograma, o teste de velocidade de hemossedimentação (VHS) e a contagem de plaquetas, por exemplo, são insuficientes para confirmar o diagnóstico de dengue.

Já os exames mais comuns realizados nos postos de saúde, baseados na detecção sorológica de anticorpos do tipo IgG e IgM, só podem ser realizados a partir do sexto dia da infecção, uma vez que o corpo humano produz anticorpos específicos que combatem a NS1 após o quinto dia de infecção.

Por outro lado, os métodos moleculares para detectar dengue baseados na detecção da proteína NS1 já existentes no mercado, como o ELISA e o de Reação em Cadeia de Polimerase (PCR), ainda são caros, feitos em muitas etapas e requerem pessoas treinadas para realizá-los, apontam os pesquisadores.

“Estimamos que o tipo de teste de dengue que estamos desenvolvendo terá algumas vantagens em relação aos testes convencionais da doença realizados hoje”, afirmou Aoki.

Resultados da pesquisa foram descritos no artigo Electrical detection of dengue biomarker using egg yolk immunoglobulin as the biological recognition element (doi: 10.1038/srep07865), de Figueiredo e outros, que pode ser lido, na revista Scientific Reports,em http://www.nature.com/srep/2015/150119/srep07865/full/srep07865.html


Por Elton Alisson
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Pesquisa avalia emissão de metano por bovinos


Agência FAPESP – O gás metano é considerado o segundo maior contribuinte para o aquecimento da Terra, logo depois do dióxido de carbono (CO2), e estima-se que 70% das emissões desse gás provenham de atividades humanas, entre as quais a pecuária.

Pesquisadores do Instituto de Zootecnia de São Paulo (IZ) concluíram recentemente um trabalho com foco no levantamento de indicadores para o melhoramento genético dos bovinos nelore, levando-se em conta a mitigação dos gases de efeito estufa (GEE) gerados na pecuária.

Uma das conclusões do projeto “Seleção para produção de carne bovina com redução de gases de efeito estufa”, coordenado por Maria Eugenia Zerlotti Mercadante, foi a de que bovinos nelore que consomem menos para adquirir peso emitem quase tanto metano quanto os animais que precisam de mais alimento para chegar ao mesmo tamanho.

O trabalho durou de 2011 a 2014 e foi selecionado em um edital voltado a questões de mudanças climáticas na agropecuária, com apoio financeiro da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para a consolidação das Redes Nacionais de Pesquisa em Agrobiodiversidade e Sustentabilidade Agropecuária (Repensa).

O principal gás de efeito estufa gerado na pecuária é o metano entérico (CH4), produzido na digestão dos ruminantes e eliminado por eructação (arroto).

Saber quanto o rebanho bovino de corte emite desse gás e os fatores que influenciam nas emissões são informações importantes para a sustentabilidade da atividade e o seu aprimoramento em busca da redução das emissões, de acordo com a pesquisadora. “Ainda há pouca informação a respeito das oportunidades de mitigação por meio do melhoramento genético animal”, ressaltou Mercadante.

A pesquisa concluiu que há uma similaridade da quantidade de metano emitida entre animais classificados como mais e menos eficientes, considerando a quantidade de alimentos que consomem para ganhar peso. Tanto os que ingerem mais alimentos como os que ingerem menos eliminaram na atmosfera, em média, pouco mais de 140 gramas de metano por dia.

“A escolha do melhoramento, neste caso, deveria contemplar o animal mais eficiente, que vai economizar alimentação e gerar menos fezes, entre outras vantagens financeiras e ambientais”, disse a pesquisadora. Ou seja, apesar de apresentar emissão similar aos dos animais menos eficientes, os mais eficientes provocam menores impactos ambientais.

Os resultados mais expressivos foram obtidos com os experimentos de gado em confinamento: o consumo dos mais eficientes foi, em média, 10% menor e a digestibilidade, que é a capacidade de absorção de nutrientes, 4% maior.

A comparação foi feita pelo cálculo do consumo alimentar residual (CAR), composto pela diferença entre o consumo observado e o predito, considerando o ganho médio diário e o peso metabólico do animal (peso vivo elevado à potência 0,75) em determinado período de tempo. Animais mais eficientes possuem baixo CAR, ocorrendo o contrário com os menos eficientes.

Um dos frutos mais importantes do trabalho foi o levantamento de indicadores relacionados à eficiência de CAR de cada animal. Descobriu-se que os mais eficientes apresentam maiores concentrações dos hormônios insulina e IGF-I, além de menores concentrações de ureia no plasma sanguíneo.

“Esses componentes podem ser indicadores de eficiência alimentar de bovinos nelore”, afirmou Mercadante. Ela lembrou, no entanto, que o estudo se limitou a avaliar condições específicas de criação e que não necessariamente podem ser extrapoladas para outras situações.

“A pesquisa analisou animais em crescimento e pode apresentar resultados diferentes no caso de animais em terminação [fase final da criação antes do abate]”, exemplificou.

O projeto analisou quatro safras, em um total de 464 animais em crescimento. Em duas delas, foram acompanhados 48 animais, 24 machos e 24 fêmeas em confinamento e no pasto.

Cocho automático e cabresto coletor

Para fazer a medição de metano emitida por animal, o grupo de pesquisa utilizou uma técnica desenvolvida na Universidade do Estado de Washington, nos Estados Unidos, conhecida como gás traçador SF6.

Uma cápsula de hexafluoreto de enxofre (SF6), um gás inerte, é introduzida no rúmen do animal. Como ela apresenta uma taxa de liberação conhecida de SF6, a cápsula fornece uma medida referência. Nas análises em que são quantificados o metano e o SF6, se a quantidade do gás de referência for fiel à taxa de liberação da cápsula, então a medição de metano também será confiável.

O bovino recebe um cabresto que possui um tubo próximo ao focinho. Sua função é aspirar o ar no entorno das narinas e boca do animal a uma taxa constante.

O gás coletado é armazenado em uma canga tubular que é analisada a cada 24 horas. As concentrações de metano e de SF6, encontradas na canga, são avaliadas por meio de cromatografia gasosa. As medições foram realizadas por meio de parceria com a equipe do pesquisador Alexandre Berndt, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em São Carlos (SP).

Para as estimativas de consumo de matéria seca individual em pastagem foram utilizados indicadores externos adicionados à dieta ou introduzidos no trato digestório do animal (óxido de cromo para estimar a produção fecal e dióxido de titânio para estimar o consumo de suplemento) e um indicador interno (fibra em detergente neutro indigestível, para estimar o consumo de matéria seca).

No mesmo estudo realizado em confinamento, os pesquisadores contaram com um auxílio tecnológico de um cocho automatizado. Denominado comercialmente de GrowSafe, o equipamento canadense reconhece o animal que está se alimentando por meio do brinco com tecnologia de radiofrequência (RFID) e faz a medição automática do consumo de cada animal.

“O GrowSafe elimina a necessidade de baias individuais para fazer essa medida, permitindo mais liberdade ao animal e a reprodução de um ambiente mais próximo da realidade da criação”, explicou a pesquisadora do IZ.

O equipamento foi adquirido por meio do Projeto Temático “Ferramentas genômicas no melhoramento genético de características de importância econômica direta em bovinos da raça Nelore”, coordenado pela professora Lúcia Galvão de Albuquerque, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal (SP).

O trabalho incluiu ainda estudos de Economia, nos quais foram avaliados custos e receitas advindas da emissão de metano, crescimento e eficiência alimentar.

“É importante saber como cada uma dessas características influenciam economicamente na produção e, portanto, qual o peso que cada uma deve ter em um programa de melhoramento genético”, comentou Mercadante.

A pesquisadora ressaltou a necessidade de se ampliar os estudos de eficiência alimentar e de emissão de gases de efeito estufa a fim de abranger a amplitude que o tema demanda. “Temos somente 4 mil animais já avaliados no Brasil, o que é pouco ante o nosso rebanho, e as condições de criação são muito diferentes em cada região do país”, disse.


Por Fabio Reynol
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