terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Terapia mediada por animais em hospitais: as recusas à visita





Uma retrospectiva de 450 visitas (2006–2007)
Adaptação e atualização de trabalho publicado nos Anais do I Congresso Brasileiro de AET. São Paulo,



Nos últimos anos, a concepção de que o animal doméstico é benéfico para a saúde física e mental das pessoas ampliou-se, bem como, aumentaram as implantações de projetos de terapia mediada por animais, que visam a prevenção e promoção da saúde humana. Estas intervenções são organizadas levando animais para visitar indivíduos em instituições de saúde ou outras, como parte de um processo terapêutico, cuja finalidade é ajudar na resolução de problemas humanos.

O Projeto Pet Smile desenvolveu atividades em São Paulo, na área de terapia mediada por animais de junho de 1997 a dezembro de 2010. Nesses treze anos de trajetória realizou mais de 13000 visitas com um elenco variado de animais. Constam em sua história funcional incontáveis experiências que comprovam a contribuição positiva da presença do animal para a humanização hospitalar.

No entanto, este não é um trabalho universalmente aceito pelos beneficiários em potencial. No contexto relacionado às recusas para receber a visita dos voluntários com os animais em ambiente hospitalar, dados empíricos emergiram e emergem (FUCHS, 2007; BIRGEL, 2013), mostrando que esta atividade não é uma panacéia.

O Projeto Pet Smile atuou seguindo várias diretrizes e, entre elas, destacavam-se o registro de visitas, com especificação de quartos e leitos dos pacientes beneficiados, bem como dos animais visitantes, para controle do Projeto, das Instituições participantes e possíveis indagações zoonóticas.

Com o monitoramento deste levantamento, observou-se que havia um expressivo número de recusas em receber os animais. Sendo assim, resolveu-se iniciar um estudo retrospectivo com os seguintes objetivos:

a) investigar a frequência de aceitações e recusas;
b) sondar as justificativas para recusas.

Para esta finalidade realizou-se um levantamento de 30 formulários de visitas mensais, no período compreendido entre junho de 2006 até março de 2007, em quatro instituições hospitalares, duas eram particulares e duas públicas, e apenas uma compreendia pacientes adultos, as outras eram pediátricas. Foram contatados e convidados 450 participantes para receber as visitas dos voluntários levando, conforme a escolha do paciente, um ou vários animais da lista a seguir: cão, coelho, chinchila, porquinho da Índia, tartaruga, peixe Betta splendens em aquário pequeno.

O formulário padrão utilizado em todas as visitas desde o início do Projeto, continha itens, com as seguintes finalidades:

1 identificação do beneficiado (nome, idade, sexo, número do quarto ou leito);
2 arrolamento da aceitação ou recusa da proposta de visita;
3 nos casos de aceitação: especificação e sequência da apresentação dos animais, dos voluntários e familiares presentes;
4 nos casos de recusa: questionamento do motivo e anotação da resposta;
5 identificação dos pacientes sujeitos a precaução de contato. Estes pacientes não foram convidados.

Os dados dos protocolos eram relevantes por servir como fonte de evidência da eficácia e segurança das intervenções, com a interação ser homem-animal, em ambiente hospitalar. 

Além de propiciar a transparência e subsídios para avaliação por parte de órgãos superiores, no quesito de um trabalho que não implicava em danos ou riscos para a população participante.

Pode-se observar na figura 2, os motivos de recusa dos convidados para receber o projeto de Terapia mediada por animais. Vale ressaltar que muitas das recusas à visita eram decorrentes de impedimentos em virtude das condições do momento, tais como paciente dormindo entre outras.

Dos 450 convidados, 141 recusaram a visita (31%), sendo 20% das recusas oriundas de condições hospitalares e 11% diretas dos pacientes ou de seus acompanhantes, o que contrasta com o lado aparentemente fácil da realização de terapia mediada por animais em hospitais. As recusas foram divididas em três categorias principais e as porcentagens referem-se a representação do motivo no quantitativo total de recusas: 1) Impedimentos por condições do momento da rotina hospitalar: isolamento/precaução de contato (23%), incluindo recém - nascidos (5%); procedimentos: atendimento fisioterápico, médico ou da equipe de enfermagem, banho e higiene pessoal (8%); preparo para cirurgia ou ausência para realização de exames com consequente “encontro do leito vazio”, bem como alta hospitalar não comunicada (9%); paciente dormindo (25%); 2) recusa verbalizada pelo acompanhante: em função de déficit cognitivo presumido (7%); 3) recusas do paciente por: a) estados subjetivos, tais como dor, sono, irritação, cansaço, crises (9%); b) outros (postura frente ao mundo animal) (14%): recusa sem justificativa (10 pessoas), 8 pacientes disseram que tinham medo e 2 que não apreciavam animais. Algumas destas recusas, quando relacionadas às crianças, foram expressas pelos pais, justificando terem medo de animais.

Na ausência do paciente, por diversos motivos, quem se beneficiava da visita era o acompanhante.

Vale a pena comentar o fenômeno da recusa parcial, sem registros numéricos: a) na abordagem inicial o paciente dizia que não queria ver bicho e depois de vê-los de longe, pedia, por exemplo, o cachorro; b) aceitava a visita, mas não interagia, em virtude de outros interesses, tais como jogos eletrônicos.

Este estudo foi descritivo. Para sua ampliação seria necessário um aprofundamento na sondagem dos motivos reais ou imaginários das recusas, inclusive a história pessoal de cada envolvido. 

Confirmou-se que:
• a terapia mediada por animais em instituições hospitalares não é aceita de forma unânime, como fazem crer os relatos publicados na mídia;
• neste levantamento a recusa foi maior para a população de instituições hospitalares particulares, ou seja pacientes de condições sócio-econômicas mais favorecidas; acomodados em quarto particular (maior controle sobre o ambiente externo). Os pacientes em enfermaria poderiam ter mais dificuldade em recusar a visita por se sentirem em minoria ou mais propensos a aderir ao programa por um “efeito contágio”;
• para uma maior adesão ao trabalho seria necessária uma preparação dos beneficiados em potencial, por parte da instituição;
• a recusa como tal poderia ser interpretada, em termos psicológicos, como um dos poucos momentos em que o paciente, sujeito (submisso) ao rígido controle hospitalar, tem o poder da autonomia, de modificar seu mundo externo. A interação com o animal em ambiente hospitalar representa uma das vias possíveis para ajudar na diminuição da ansiedade dos pacientes, pelo fato de estarem doentes, o que configura um momento de crise.

O desafio para todos é como se adaptar a outra maneira de estar no mundo. Não é da competência do animal curar males físicos ou mentais, mas a interação com ele pode ser uma via eficaz para atender as necessidades básicas do ser humano de amor, compreensão e aceitação.


Referências
FUCHS, H.; OLIVEIRA, D.; et al. O outro lado da Terapia Assistida por animais: as recusas ao trabalho. I Congresso Brasileiro de AET. 2007. São Paulo. p. 18–21.
BIRGEL, E.H. Comunicação pessoal. São Paulo: 4 de abril de 2013.

Fuchs, Hannelore
Médica Veterinária – FMVZ-USP. Psicóloga – PUC/SP. Mestre e Doutora em Psicologia – Instituto de Psicologia/USP. Fundadora e Coordenadora do Projeto de Terapia Mediada por Animais – Pet Smile (1997–2010).
E-mail: afuchs@amcham.com.br • Fone: (11) 3863-9214

Oliveira, Déria de
Administradora de Empresas. Psicóloga. Mestre em Psicologia da Saúde pela UMESP. Especialista em Psicologia Hospitalar pela FMABC. Doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC/SP. Voluntária pesquisadora do Projeto Pet Smile (2006–2010).

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