sábado, 20 de fevereiro de 2016

Baixa eficiência alimentar em nelores está associada a inflamações no fígado

A baixa eficiência alimentar em bovinos, que se traduz na maior quantidade de alimento que o animal precisa ingerir para ganhar peso, está associada a lesões no fígado e ao decorrente processo inflamatório local. Esta foi a conclusão de uma pesquisa realizada na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA-USP), no campus de Pirassununga, publicada recentemente na revista BMC Genomics: “Liver transcriptomic networks reveal main biological processes associated with feed efficiency in beef cattle”.

O estudo, realizado com bois da raça nelore, constituiu objeto da dissertação de mestrado de Pâmela Almeida Alexandre, foi coordenado por Heidge Fukumasu e teve o apoio da FAPESP com Bolsa no Brasil e Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior.

A pesquisa está vinculada ao projeto temático “Genômica Aplicada à Produção de Ruminantes”, coordenado por José Bento Sterman Ferraz, do qual Fukumasu é pesquisador associado . E contou com apoio dos professores Paulo Roberto Leme e Saulo da Luz e Silva, também da FZEA.

“Em nosso trabalho, foi possível demonstrar, pela primeira vez, que os animais menos eficientes (ou seja, os que precisam comer mais para ganhar o mesmo peso que os eficientes) apresentam, além do metabolismo lipídico e energético alterado, uma maior presença de lesões em seus fígados associadas a uma resposta inflamatória composta principalmente por células mononucleares”, disse Fukumasu à Agência FAPESP.

Os pesquisadores acompanharam, durante 70 dias, uma população de 96 bovinos machos da raça nelore. E, para cada animal, registraram um conjunto de variáveis: peso inicial, peso final, ganho diário de peso, consumo alimentar, deposição de gordura, além de medidas de eficiência alimentar, como consumo alimentar residual e consumo e ganho residual. Com base nesses dados, definiram dois subconjuntos: o formado por animais com alta eficiência alimentar (que ganhavam peso com menor quantidade de alimento) e o formado por animais com baixa eficiência alimentar (que precisavam ingerir mais alimento para ter o mesmo ganho de peso).

Em seguida, por meio de análise de biologia molecular e bioinformática, rastrearam a expressão de todos os genes expressos no fígado desses animais. E puderam correlacionar o fenótipo com a expressão de determinados genes. “As abordagens de bioinformática, realizadas em colaboração com o pesquisador Haja Kadarmideen, da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca, nos proporcionaram informações novas, além da simples detecção dos genes diferencialmente expressos. Foi possível ter a indicação de que vias biológicas relacionadas com a inflamação estejam associadas ao fenótipo de menor eficiência alimentar, fato que ainda não havia sido demonstrado na literatura. Em outras palavras, constatamos que os animais com baixa eficiência alimentar apresentavam enriquecimento funcional para maior resposta inflamatória no fígado”, informou Fukumasu.

Como foram colhidas amostras de sangue dos animais ao longo do experimento inteiro, os pesquisadores puderam comparar os dados obtidos na análise de bioinformática com os parâmetros levantados na análise bioquímica do sangue. E comprovaram que, de fato, os animais com baixa eficiência alimentar apresentavam marcadores de lesão hepática em níveis maiores. “O mesmo foi corroborado também pela análise histopatológica: na lâmina ao microscópio, as amostras de fígado dos animais com baixa eficiência alimentar apresentaram maior número de focos de inflamação”, acrescentou Fukumasu.


Estudo realizado com bovinos mostrou que os animais que comem mais para ganhar peso apresentavam maior incidência de lesões hepáticas e dos processos inflamatórios decorrentes (Fotomicrografia de fígado de bovino com infiltrado mononuclear periductal/Arquivo do pesquisador)

 Inflamação crônica e síndrome metabólica

Os pesquisadores estão empenhados, agora, em estabelecer a sequência causal dos fenômenos. Isto é, se as lesões hepáticas são causas ou consequências da baixa eficiência alimentar ou se ambas decorrem de um outro fator, que ainda precisa ser identificado.

É importante ressaltar que nenhum dos 96 animais apresentava qualquer indício de lesão hepática no início do experimento, que todos os animais chegaram com peso semelhante ao final do experimento e que, em termos qualitativos, a alimentação foi idêntica. As diferenças foram quantitativas, uma vez que os animais com baixa eficiência alimentar comiam mais do que os outros.

“A relação entre inflamação crônica na obesidade e síndrome metabólica em humanos é conhecida. Nosso trabalho mostrou que os princípios do mesmo tipo de correlação ocorrem também em bovinos da raça nelore. E isso abre várias portas para investigação, seja com o intuito de compreender as causas dessas lesões hepáticas, seja com o objetivo de avaliar o potencial imunomodulatório de substâncias sobre o fenótipo”, afirmou Fukumasu.

“A eficiência alimentar é uma característica extremamente importante para a produção animal pois tem viés econômico (já que, em média, 60% dos custos de produção são despendidos com alimentação) e também ambiental (já que animais mais eficientes produzem mais carne consumindo menos ração e também poluem menos, com excretas e a emissão de gases como o metano)”, prosseguiu.

 

Por
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP

Mais informações podem ser encontradas no artigo “Liver transcriptomic networks reveal main biological processes associated with feed efficiency in beef cattle” http://bmcgenomics.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12864-015-2292-8.

Nenhum comentário:

Postar um comentário