sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Porquê não é possível manter porcas prenhes fora da gaiola


Vários estudos realizados no Hemisfério Norte mostram
que a cultura contemporânea vê o conforto animal
como um fator que agrega valor ao alimento
oferecido nos mercados. A Comunidade Européia
estimula e oferece apoio econômico aos granjeiros
que empregam métodos de produção que respeitem o
bem-estar animal e a qualidade passa a tomar lugar da
quantidade. Esse apoio econômico é impulsionado pelo
próprio consumidor. O Wellfare Quality Project prevê
acordos multilaterais, entre países, para garantir uma
uniformidade de pensamento e de produção. Alguns
países dentro e fora da Comunidade Européia já caminham
nesta direção.Hoje não interessa “QUANTO” se
produz, mas “COMO” se produz : FF - From Fork to
Farm, expressão inglesa que indica quem dita as regras
do consumo, ou seja o próprio consumidor.

Durante muito tempo, a humanidade cometeu agressões
contra o meio ambiente e a natureza, incluindo
nestes erros, as criações intensivas, muitas vezes foram
levadas aos extremos como por exemplo a desmama ultra-
precoce, tratamentos medicamentosos sem necessidade,
ou restrições de espaços que chegavam a impedir
o animal de deitar-se com conforto.

O “bem-estar animal" não é nada mais que uma
passagem, lenta e gradual, para uma cultura mais
evoluída que é parte inexorável da evolução humana.
Monstruosidades que eram uma coisa normal durante
o Império Romano, como a arena dos leões, lutas e
sacrifícios de pessoas e animais, não eram percebidas,
na época, como tais. Hoje são tidas como atrocidades.

Como seremos vistos daqui a centenas de anos,
criando animais em gaiolas por toda a vida, com limitação
de movimentos, limitação de alimentos e condições
de limpeza inadequadas?

Introdução
Vivemos em uma sociedade industrial, informatizada e
fria do ponto de vista humano, mas é crescente o número
de pessoas no mundo que desfrutam de altos padrões de
vida, onde a preocupação com este padrão também passa
a ser compartilhada com outras pessoas. Este é um pensamento
que chega a uma sociedade que já alcançou o
próprio conforto e passa a interessar-se pelo conforto de
outras pessoas e dos animais. Neste tipo de sociedade,
existe a necessidade de consumir alimentos que foram
produzidos de acordo com os padrões mais altos de saúde:
um alimento de qualidade, sem a presença residual de pesticidas,
substâncias antibióticas ou poluentes.

Como veterinária de campo há mais de 20 anos, tenho
contato frequente com granjas no Brasil, na Itália e outros
paises europeus e, muitas vezes, percebo que os animais
poderiam ser tratados de um modo melhor. Tratar bem
os animais não significa nenhum custo adicional e não é
prerrogativa da criação intensiva. É provável que a falta de
humanidade e comunicação para com os animais seja um
reflexo da própria falta de humanidade da “sociedade industrial”
de hoje. Não custa acompanhar os animais com
um aparador ao invés de um bastão. Não custa deixar o
caminho livre para que o animal não se distraia e não pare.

Não custa depositar o leitão no solo ao invés de lançá-lo ao
chão. Não custa tocar a porca na região lombar durante a
cobertura porque o contato físico ajuda a liberar oxitocina,
que, por sua vez, ajuda a subida dos espermatozoides em
direção a tuba ovárica onde acontece a fecundação, propiciando
assim maior eficiencia e qualidade da cobertura .

É seguindo algumas regras de comportamento como
estas que o sistema de criação intensivo se desenvolverá, levando
em consideração o bem-estar animal como “modo”
de criação, mesmo que esta seja intensiva.


A legislação
O bem-estar animal põe em evidência
as necessidades biológica e
fisiológica de cada espécie e são fundamentais
para o alcance de um bom
resultado na granja. A atual legislação
européia do bem-estar animal
baseia-se em estudos científicos e
faz parte do processo evolutivo lento
e gradual do ser humano : em 1824,
nascia, na Inglaterra, a SPCA (Sociedade
para Prevenção de Crueldade
para Animais) no mesmo período
em que a abolição da escravidão já se
espalhava pelo mundo.


Manejo das porcas livres
É possível criar com eficiência
econômica as porcas em fase de gestação
sem gaiolas, desde o desmame
até a entrada na maternidade.

É tudo uma questão de manejo.
A partir de 2013, a regulamentação
européia prevê o uso da gaiola
apenas na prenhês por não mais de
28 dias de gestação. Muitos países
já se adequaram; por exemplo, na
Dinamarca, mais de 70% das granjas
já foram transformadas, mas
infelizmente outros países ainda
não se incomodaram em resolver
o "problema".

Acompanhei durante 5 anos
uma empresa formada por 3 granjas
que, nos últimos anos, aderiu
a um programa de bem-estar animal,
no qual era previsto a exclusão
do uso da gaiola durante todo o período da gestação,
ficando as gaiolas restritas apenas à fase de lactação.

Duas destas granjas adotaram esse sistema. São até hoje
as únicas da Itália. Visavam inicialmente melhorar o
sistema de produção, não apenas baseando-se no bemestar
animal, mas pelo retorno econômico: sendo a Itália
um país conhecido pela produção de bons salames e
embutidos, garantir esta alta qualidade aos produtos é
essencial para satisfazer o cliente ( no caso a Inglaterra)
e poder exportar.
Devemos destacar, porém, que um ponto crucial
para obter-se bons resultados é o profissionalismo dos
funcionários; pois, sem uma equipe bem treinada, a
adoção do manejo das porcas livres pode resultar num
verdadeiro desastre.

Fisiologia e hierarquia
A espécie suína possui um tipo de placenta chamada
de epitélio-corial, que pode levar a uma gestação de risco
elevado. Ao mover-se uma porca grávida de 28 dias de
uma gaiola individual para uma baia com mais animais,
essa mudança determina um stress múltiplo: mudança
ambiental, mudança social (com formação de uma nova
hierarquia, componente fundamental para uma relação
equilibrada), mudança na forma de administrar a ração,
mudança no acesso a água, fatores esses que levam a um
esforço de adaptação física e psíquica por parte da porca.

Nesta situação, os pequenos embriões da placenta epitélio-
corial podem ser prejudicados.

Mover as porcas nos primeiros dias depois da cobertura,
ou no mesmo dia, pode superar todas as desvantagens
da manipulação das porcas com 28 dias de
prenhês. Sabe-se que existem perdas, mesmo quando
os animais são agrupados tardiamente, normalmente
depois de 35-40 dias de gestação. Estas perdas são cada
vez menores com a consolidação da gravidez. Muito se
tem estudado a respeito das perdas embrionárias e o
método de criar porcas em grupos dentro de baias, com
os menores danos possíveis. No caso dessas 2 granjas,
foi feita uma reestruturação, utilizando baias com capacidade
para 8/9 porcas, ou seja, grupos pequenos, com
alimentação líquida 2 vezes ao dia (o ideal nestes casos
seria a alimentação seca) em chão sólido com área de
defecação em ripas de cimento.

Aparentemente a situação hormonal que circunda
os dias de estro e ovulação favorece o agrupamento
dos animais, pois, nestes dias, apresentam uma agressividade
reduzida frente às companheiras de baia.

Pude observar este evento em várias granjas, onde por
uma razão ou outra, foi preciso fazer os grupos nos
primeiros dias de gestação.

Colocando o plano em prática

Ponto N° 1: O desmame
Na granja citada acima, localizada na Emiglia Romagna,
a estrutura disponível era de baias de 8-9 porcas.
O ideal seria poder colocá-las, após o desmame dos leitões,
em baias maiores com lotes um pouco maiores, de
10-12 porcas, para evitar um segundo agrupamento depois
da inseminação. Mas, na prática, não é fácil ter estes
ambientes sempre a disposição. Existem alguns pontos críticos
na gestão das porcas desmamadas em grupos:
• Disponibilidade de pelo menos 2,25 metros² por porca.
• Alimentação ad libitum
• Desenho correto da baia: retangular, com piso não
escorregadio, definição clara das zonas de alimentação,
defecação e repouso.

Ponto N° 2: A área de detecção do cio (ADC)
e estimulação
Ao desmamar os leitões, as porcas atravessavam
a zona de estimulação/detecção do cio. Neste tipo de
manejo, é extremamente importante criar e definir
uma área de detecção do cio, também chamada "Eros
Center", muito difundido na Holanda, há anos. Nesta
zona, estão alojados os cachaços rufiões (pelo menos
4). A área deve ser muito espaçosa (cerca de 5 m² por
porca), sendo a medida total em função do número de
animais a estimular.Deve ser recoberta de serragem e a
largura máxima é de 3,0 m. O lote inteiro é trazido para
a estimulação às quinta- e sexta-feiras. As porcas são
estimuladas, por alguns minutos. Sábado e domingo, a
estimulação é feita no corredor, de baixa altura, onde a
parede é vazada para um melhor contato com os cachaços,
economizando tempo no fim de semana.

Ponto N° 3: Inseminação sem gaiola
É aqui que o treinamento dos tratadores é ainda mais
decisivo. Além do profissionalismo da equipe, o ambiente
tem um papel fundamental: desenho e concepção
da baia, forma e tipo de alimentação, composição dos
grupos, área de detecção do cio. São itens de extrema importância
sem os quais não podem ser assegurados os
índices de desempenho. O aspecto ambiental, em termos
B E M es t a r a nim a l

Alimentador de caida lenta, também chamado de "fixação":
o alimento é oferecido lentamente, poucas gramas por vez,
desestimulando a porca de deixar o seu lugar Área de revelação do cio também pode ser usada para cobertura
de estrutura e concepção da granja, pode ser o segredo de
resultados excelentes.

Na prática, na fase de estimulação, as porcas são levadas
em grupos completos para a ADC. Na segundafeira,
não se procede da mesma forma: as porcas são
levadas à ADC em grupos menores, de 4-5 animais por
vez, e é praticada imediatamente a inseminação das
porcas que apresentam inequivocadamente o reflexo de
imobilidade em frente ao cachaço escolhido por elas.

Este manejo prevê a detecção do cio, seguida de inseminação,
somente 1 vez ao dia. Nestas circunstâncias,
a qualidade da cobertura e os estímulos chegam a ser
o máximo que se pode obter. Em granjas de grandes
dimensões, onde tem algum problema reprodutivo, o
diagnóstico ineficiente do cio é freqüentemente a causa
do mau desempenho reprodutivo.

Ponto N° 4: Os grupos
A formação dos grupos deve ser feita no final do cio,
ou seja apos a ultima cobertura. Certamente, não poderemos
ter todos os animais em cio concentrados em
2 ou 3 dias. Mas, considerando o evento da desmama,
onde temos aproximadamente 90% ou mais de animais
no cio em poucos dias, o problema se reduz. É lógico
que existem os animais "atrasados" que, além de tudo,
são também menos férteis e menos prolíficos e poderão
ser submetidos a um stress maior na reunião com outros
animais, sofrendo perdas. Fica evidente, mais uma vez,
que, além das baias bem desenhadas, do manejo da alimentação,
da qualidade da ração, o profissionalismo dos
tratadores é de suma importância. Facilitando uma ótima
estimulação dos animais ao desmame, com um bom manejo,
teremos uma melhor concentração dos cios das
porcas, cios esses de melhor qualidade e precoces.

Uma vez inseminadas na ADC, as porcas são gentilmente
acompanhadas de volta à baia, e dentro de 2 dias se
faz um controle, ou seja, verifica-se se todas as porcas foram
cobertas ou se existe a necessidade de remanejamento,
retirando e/ou juntando animais ao grupo.


Resultados zootécnicos
No início do projeto de transformação desta granja,
a maior dúvida que meus colegas e eu tínhamos era de
quanto a granja poderia suportar em perdas de produtividade
em consequencia às perdas reprodutivas e ao aumento
da mão de obra, além do aumento nos custos pelo
investimento na construção, pela retirada das gaiolas e pela
transformação das baias e uma diminuição das porcas do
plantel. Ninguém havia passado por um experiência deste
tipo e não sabíamos quanto isto iria custar. O cálculo foi
feito com uma previsão de perda ao redor de alguns pontos
percentuais na taxa de parto e um aumento de alguns
pontos percentuais na taxa de eliminação das porcas.

Para nossa surpresa, passados os primeiros meses da
experiência, na transição de um sistema a outro, observamos
que a taxa de parto e a prolificidade tiveram um aumento.
A taxa de eliminação aumentou de alguns pontos e,
neste ponto, o objetivo da reestruturação deixou a desejar.

Houve também um aumento de animais com problemas
de articulação e aumento de problemas genito-urinários.

Se as instalações fossem adequadas, estes problemas poderiam
ter sido evitados, ou seja, demonstra-se mais uma vez,
que as instalações, na prática do manejo de porcas livres,
são de fundamental importância. Para a realidade italiana,
esta granja de manejo de porcas livres, apresentando um
estado sanitário médio, inclusive com a presença de PRRS,
tem desempenho superior à média nacional (com 85% de
taxa de parição e 11,0 leitões desmamados por parto).
b em es t a r a nim a l


Conclusões
Conhecer bem a fisiologia da reprodução, atualizarse
com os numerosos estudos a respeito do manejo de
porcas em grupo, são a base de uma gestão correta e
economicamente viável para criar porcas prenhes em
grupos. Seguramente o fundamental é adaptar-se às
mudanças. Diante dos resultados, o investimento necessário
para esta adaptação não deve ser uma desculpa
ou obstáculo para descontinuar o projeto, a aplicação
de novas técnicas, os conceitos de bem-estar dos animais
ou do comportamento do criador e de toda a sua
equipe frente aos animais.

Num recente estudo espanhol, da SIPCONSULTORS
(www.sipconsultors.com) foram analisados e confrontados
dados de granjas tradicionais e granjas já transformadas
conforme a legislação do bem-estar animal.
São dados de aproximadamente 144.000 porcas criadas
tradicionalmente e cerca de 54.000 porcas criadas no
sistema de bem-estar animal. Nestas granjas, a adaptação
consistiu na criação em baias após 28 dias de
gestação e no aumento do período de lactação. Foram
consideradas na análise, os investimentos na renovação
das instalações ou de novas construções, custos de
perda de produção durante o período de adaptação e a
variação dos resultados zootécnicos . No final, foram
computados o aumento das despesas fixas (estruturas
novas e diminuição da ocupação com menos porcas
presentes) e a melhora de alguns índices produtivos
(mais leitões desmamados e maior peso ao desmame).

O grupo “bem-estar animal” melhorou de 0,48 centavos
de euros por leitão desmamado, admitindo uma
amortização das instalações em 20 anos. A conclusão
de SIPCONSULTORS é que a melhora dos resultados
zootécnicos pode ser imputada principalmente à renovação
de instalações obsoletas .
Minha conclusão é que o tema do bem-estar animal
vai além da legislação ou de resultados produtivos: são
essenciais para a sobrevivência do setor. É possível estabelecer-
se padrões na criação de suínos, melhorando o
bem-estar desses animais, diminuindo seu stress e melhorando
a produção sem perdas financeiras. Pode-se
criar melhor dando mais aos animais de modo eficiente
e econômico.
Observação da redação
Recentemente, o governo holandês anunciou que irá
alocar dois milhões de € de fundos europeus para financiar
dois regulamentos que visam melhorar o bem-estar
animal. 

Um regulamento compensará os custos adicionais
que os agricultores terão ao pedir o certificado de produtores
"respeitadores" dos animais e o outro será usado para
subsidiar medidas para melhorar o bem-estar nas granjas
de aves e suínos.

Estes regulamentos contemplam subsídios para contribuir
ao objetivo de que, até 2023, todos os agricultores
produzam com métodos que respeitem a pessoa, o animal
e o meio ambiente. 

Os agricultores que não querem
o certificado, mas que querem criar os animais segundo
as nomas de bem estar, poderão recuperar determinados
custos. Por exemplo, colocar nas baias dos suínos mais
material de distração como, por exemplo, mais palha ou
equipamentos para brincar, como cordas.

Os regulamentos estabelecem que os subsídios entram
em vigor em 01 de janeiro de 2011. Os agricultores
poderão pedir as normas de certificação ou a regulamentação
do bem-estar animal e poderão solicitá-los
junto com sua declaração anual no Departamento de

Telma Vieira Tucci
Veterinária autônoma, Itália.
telmatucci@gmail.com


Fonte:

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