quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Medicina esportiva equina: a biomecância do cavalo atleta e do cavaleiro


Em que consiste biomecânica?

A biomecânica estuda os eventos biológicos utilizando métodos mecânicos. Combina biologia e física. Pode ser usada para estudar diferentes fenômenos, desde o fluxo sanguíneo até a lubrificação articular. Eu trabalho especificamente com biomecânica do andamento e do movimento do cavalo, com a interação mecânica do casco com o solo e com a interação cavalo-cavaleiro, incluindo os materiais de montaria (sela, embocadura).

Como você decidiu trabalhar com biomecânica?
Sempre tive interesse em saber como os cavalos se movimentavam, mas na época da minha graduação essa ainda não era uma área de pesquisa estabelecida. Há alguns anos, tive a oportunidade de trabalhar na University of Saskatchewan no Canadá onde haviam instalações e equipamentos para análise biomecânica. Obviamente, não eram equipamentos sofisticados como os que temos hoje, mas já era um começo. Tem sido muito interessante trabalhar nessa área uma vez que o tratamento dos dados por computador revolucionou nossas capacidades.

Qual a importância da biomecânica na medicina esportiva?
Na minha opinião totalmente tendenciosa, é extremamente importante! É um ponto chave para a melhora de desempenho atlético e para a prevenção da maioria das lesões do aparelho locomotor. A biomecânica avalia como o cavalo se move, o tamanho da passada, o tempo de suspensão ao trote, a técnica de salto, o tempo de reação, claudicações imperceptíveis aos olhos humanos. Pode ser usada para monitorar as mudanças em função do tempo, por exemplo, se o tamanho da passada é alterado com o treinamento ou se assimetrias no peso carregado pelos membros podem indicar o início de uma claudicação.

Conte-nos um pouco sobre o McPhail Equine Performance Center, onde suas pesquisas são desenvolvidas. Quais equipamentos e técnicas são utilizados?
O McPhail Equine Performance Center foi projetado para realizar avaliações biomecânicas em equinos. Temos uma arena coberta de 20x40 metros e, adjacente ao maior lado, um corredor de solo emborrachado com seis plataformas de força no centro. Utilizo esse corredor para a maioria das minhas coletas de dados. A forma como as plataformas estão dispostas permite estudos sobre o equilíbrio enquanto o animal está em estação e enquanto está em movimento em linha reta ou em círculo, em qualquer andamento. Os dados descrevem o movimento do cavalo (cinemática) e a força de reação do solo que diz como os cascos estão empurrando o chão para se manterem em equilíbrio e para causar o movimento. A partir desses dados é possível calcular outros parâmetros como o torque nas articulações.

Como seu time de pesquisa é formado? Qual a importância de uma equipe multidisciplinar?
Atualmente, nosso time é formado por veterinários, engenheiros, zoólogos, fisioterapeuta e cinesiólogo. É importante ter pessoas com diferentes experiências e habilidades porque cada um contribui para a pesquisa

de diferentes maneiras. Sobretudo, diferentes disciplinas científicas ensinam as pessoas a pensarem de modo distinto, essencial para uma colaboração bem sucedida.

Quais são suas recentes publicações?
Cinemática de exercícios dinâmicos de mobilização como:

• Efeitos de exercícios dinâmicos de mobilização na musculatura estabilizadora da coluna

• Lesões ósseas vertebrais

• Técnicas para aumentar a flexão articular dos membros

• Estabilograma como uma técnica para avaliar o equilíbrio do cavalo e diagnosticar problemas neurológicos

• Forças e pressões na coluna do cavalo associada a selas sem armação ou à montaria sem sela

• Efeito de diferentes técnicas de montaria na coluna do cavalo

• Anatomia e função do músculo cutâneo do tronco

• Efeito da velocidade e do tamanho do círculo na simetria do andamento

Como a sua experiência como amazona colabora com seu trabalho?
É difícil saber onde está o limite entre trabalho e diversão. A maioria das minhas perguntas científicas tem origem em problemas que eu encaro durante o trabalho e treino dos meus próprios cavalos. Eu conheço tão bem os meus cavalos que eu posso fazer uma avaliação prévia dos efeitos de diferentes técnicas e equipamentos antes de investir tempo e dinheiro em um estudo completo. Com certeza, eu também utilizo os resultados das minhas pesquisas para melhorar minha equitação e o treinamento dos meus cavalos. Testamos alguns exercícios de treinamento do core (centro de força do corpo), por exemplo, alongamentos ativos usando cenoura ou alfafa como “iscas” e descobriu-se que eles são eficazes em ativar os músculos da coluna e do abdômen do cavalo. Eu uso estes exercícios todos os dias em meus cavalos de competição e eles melhoraram a capacidade de executar os movimentos de maior dificuldade.

Também testamos pulseiras leves e de pesos nos membros para melhorar a amplitude de movimento das articulações. Isto seria útil em cavalos que apresentam arrastamento de pinça após claudicação. Trote sobre cavaletes também é eficaz em aumentar a amplitude de movimento articular e fortalecer os músculos que flexionam as articulações.

Como é o interesse de cavaleiros e proprietários em biomecânica? Existe patrocínio provado nesta área?
Cavaleiros e proprietários estão muito interessados em pesquisas em biomecânica, pois eles sabem que isso pode ajudá-los a entender o desempenho de seus cavalos e avaliar e melhorar o programa de treinamento. Eu gostaria que esse interesse fosse revertido em mais apoio financeiro. É muito difícil de conseguir nesse momento.

Como é o apoio governamental para as pesquisas nos Estados Unidos?
O governo direciona seus investimentos com prioridade na saúde e doenças humanas deixando em segundo plano pesquisas que envolvem cavalos atletas.

Como a biomecânica pode ajudar na melhora do desempenho de cavalos atletas? Você tem resultados relacionados com isso?
A fisioterapia tem feito consideráveis avanços na performance de cavalos atletas e na recuperação de lesões, então eu acho que essa é uma área de pesquisa muito importante. Estamos aprendendo que “dor nas costas” é muito mais comum em cavalos do que nós imaginávamos. A importância da sela e do cavaleiro são negligenciados.

Para que o cavalo desempenhe suas funções perfeitamente, deve estar sem dor. Portanto, é importante avaliar como a sela e outros equipamentos se ajustam e saber os efeitos mecânicos de diferentes equipamentos. Estamos tentando desenvolver um exame clínico melhor para detectar problemas de coluna e entender comportamentos que indiquem afecções de coluna e pescoço.

Estamos nos concentrando em fornecer uma pesquisa baseada em evidências na área de fisioterapia e reabilitação equina para que os veterinários possam utilizá-la ao selecionar opções terapêuticas para restaurar a saúde dos cavalos e devolver sua performance máxima.

Qual é a ligação entre biomecânica e reabilitação?
A biomecânica é a técnica ideal para o estudo das técnicas de reabilitação e avaliação de sua eficácia.

O que são exercícios de mobilização?
Em termos mais simples, são exercícios de alongamento com cenoura. O cavalo é treinado para manter os pés fixos no chão, enquanto segue um pedaço de cenoura, com a boca. O queixo do cavalo é levado para posições específicas que estimulam a flexão ou encurvamento do pescoço e das costas. As posições de flexão que usamos são o queixo ao peito, queixo entre os joelhos e queixo entre boletos dos membros anteriores. As posições de inclinação lateral que usamos são queixo até a altura da cilha, queixo até o flanco e queixo até um dos boletos dos membros posteriores. Tenta-se segurar a posição por alguns segundos repetindo de três a cinco vezes cada exercício por dia.

O que é a técnica de estimulação proprioceptiva?
São técnicas que estimulam a pele em uma área específica do corpo do cavalo que produz a contração de um músculo ou grupo de músculos. Estas técnicas não funcionam aplicando muita pressão ou restringindo os movimentos dos membros – a estimulação da pele é muito sutil, mas os músculos mostram uma resposta evidente. Leves correntes colocadas ao redor da quartela dos membros posteriores se movem sobre a pele e a coroa do casco, estimulando a contração dos músculos que flexionam o jarrete. Uma faixa elástica sob o ventre do cavalo estimula a contração dos músculos abdominais.

Quais são as últimas descobertas nessa área?
Acredito que a descoberta mais importante é que os exercícios de mobilização dinâmica são efetivos, causando hipertrofia da musculatura estabilizadora das vértebras (musculus multifidus). Isso nos dá a possibilidade de não apenas tratar a dor na coluna, mas prevenir episódios futuros. Agora estamos procurando outros tipos de exercícios do core e avaliando a resposta eletromiográfica nesses exercícios. Os estudos com técnicas que aumentam a propriocepção (percepção da localização espacial do corpo) nos membros dos cavalos indicam que é relativamente fácil aumentar a flexão do joelho e do jarrete, sendo difícil aumentar a flexão no quadril, consequentemente, o nível de protração e retração do membro. Alguns estudos, ainda não publicados, mostram, por exemplo, que trotar sobre cavaletes é efetivo para aumentar a flexão do quadril. A flexão do quadril influencia quanto os membros posteriores são puxados para frente e sob o corpo do cavalo, determinando quanto o cavalo avança seus membros sob si.

Conte-nos sobre suas pesquisas sobre a interação cavalo-cavaleiro. Quais foram as descobertas mais relevantes?
Andamentos que possuem uma fase de suspensão (trote e cânter) estão associados com mais movimento vertical da coluna do cavalo. Esse movimento é transferido ao cavaleiro e é associado com grandes mudanças de força na coluna do cavalo. Na fase de suspensão as forças diminuem e na fase de apoio aumentam. Cavalos que possuem andamentos amplos, com mais suspensão recebem maiores forças do cavaleiro. Igualmente, as forças na coluna do cavalo são maiores com um cavaleiro mais pesado.

Assim como o cavalo, o cavaleiro deve ter um bom controle do corpo para que possa se manter quieto e equilibrado na coluna do cavalo. Cavalos gostam de previsibilidade na maneira como os cavaleiros sentam. O cavaleiro pode mudar a força na coluna do cavalo sentando de modo diferente. No trote elevado, a força média na passada é a mesma que durante o trote sentado, mas a força máxima é menor. Em uma posição de dois pontos, como os jockeys, o cavaleiro pode efetivamente diminuir o gasto de energia do cavalo, permitindo que os joelhos e o quadril absorvam alguns dos movimentos do cavalo.

A Dra. Hilary Clayton tem vários livros publicados:
Conditioning Sport Horses descreve os princípios do condicionamento atlético de cavalos. A primeira parte descreve a fisiologia equina do exercício e faz uma comparação com a fisiologia humana do exercício. A segunda parte é sobre os princípios de condicionamento atlético e delineamento de programas de treinamento para melhorar a condição cardiovascular, força e flexibilidade muscular. A terceira parte fala sobre as exigências específicas de diferentes modalidades equestres.

The Dynamic Horse é um livro sobre biomecânica em que todos os exemplos são tirados do mundo equestre. É um livro de referência para pessoas do cavalo que têm grandes interesses em biomecânica.

Activate Your Horse’s Core é um DVD de 95 minutos e um livreto encadernado com páginas laminadas que podem ser levadas ao estábulo. Descreve os exercícios que são utilizados para ativar e fortalecer os grupos musculares que são usados na estabilização e movimento da coluna do cavalo, como comprovam nossas pesquisas.

Esses livros podem ser adquiridos pelo site: www.SportHorsePublications.com
Como foi sua estadia no Brasil e sua participação na II Caballiana? Gostou? Está planejando um retorno?
Minha estadia no Brasil foi maravilhosa. Alguns dias de descanso no Haras Interagro apenas montando e apreciando lindos animais e a oportunidade de encontrar com tantas pessoas do cavalo no Caballiana. Com certeza eu planejo um retorno. Eu adoro o Brasil!

Mande uma mensagem de incentivo aos pesquisadores e veterinários brasileiros, que admiram seus estudos em biomecânica.
Biomecânica é uma área fascinante e ainda há muito o que fazer. Eu tenho consciência que não são todos que possuem os equipamentos disponíveis no McPhail Center mas, com técnicas simples, muitos problemas podem ser solucionados. O importante é ler as referências e aprender o que já é sabido sobre diferentes tópicos, escolher uma técnica de avaliação válida e confiável e ser rigoroso na coleta e análise dos dados. No McPhail Center, estamos dispostos a ajudar outros pesquisadores. Temos colaborado com muitos grupos de pesquisa que veem ao nosso laboratório para fazer a coleta de dados e troca de conhecimentos.

Cavalo e cavaleiro estão usando marcadores reflexivos. O cavaleiro também está utilizando eletrodos de eletromiografia sobre alguns de seus músculos, indicando quais estão ativos. Este estudo mostrou quais músculos do cavaleiro são utilizados durante o movimento do cavalo, em diferentes fases da passada.

Comentários da Dra. Patricia Miyashiro
Os estudos em biomecânica no Brasil são pouco numerosos, existem alguns grupos em Universidades realizando pesquisas junto a laboratórios de fisiologia do exercício. Não possuímos um centro de pesquisa dedicado apenas ao estudo do movimento do cavalo como o da Dra. Hilary Clayton, mas existem diversas ferramentas disponíveis, de fácil acesso e menores custos para realizarmos ensaios, inclusive a campo. Houve um maior interesse pelo conhecimento da biomecânica do cavalo nos últimos anos por parte dos médicos veterinários que, junto com o desenvolvimento de novas tecnologias, propiciaram novas descobertas, tratamentos e condutas. Essas descobertas também têm influenciado a equitação (International Conference on Equine Equitation). Cavaleiros e amazonas das diversas modalidades equestres têm interesse em melhorar o desempenho em pista, procurando também saber como seus cavalos se movimentam. E essa é a tendência, que veterinários e cavaleiros / treinadores se unam para entender como esses animais se comportam para não apenas melhorar o desempenho, mas também a saúde e o bem estar.


Entrevista e tradução da Dra. Patrícia Miyashiro, mestre em Medicina Veterinária e Biomecânica pela FMVZ-USP.
Patricia Miyashiro
patricia.miyashiro@yahoo.com.br

Hilary Clayton, bacharel em medicina veterinária e cirurgia, PhD, membro da Royal College of Veterinary Surgeons e da American College of Veterinary Sports Medicine and Rehabilitation. Graduada em veterinária pela Glasgow University na Escócia. Trabalhou como autônoma por dois anos antes de voltar à academia para concluir seu PhD. Manteve compromissos acadêmicos na Grã-Bretanha, Holanda e Canadá antes de se mudar para os EUA em 1997 como responsável pelo Mary Anne McPhail Equine Sports Medicine da Michigan State University. Sua linha de pesquisa envolve medicina esportiva equina, especialmente biomecânica, condicionamento esportivo de equinos e interação cavalo-cavaleiro. Recentemente, suas pesquisas estão focadas em evidenciar o efeito de técnicas fisioterapêuticas em cavalos. Publicou seis livros e mais de 200 artigos originais. É presidente e membro honorário da International Society for Equitation Science. No seu tempo livre treina e é membro da American College of Veterinary Sports Medicine and Rehabilitation. Foi-lhe atribuído o título de Norden Distinguished Teacher Award, foi incluída no International Equine Veterinarians Hall of Fame, no Saskatchewan Sports Hall of Fame e no Midwest Dressage Association Hall of Fame; ela continua competindo e adestrando cavalos. Ganhou medalhas de bronze, prata e ouro pela United States Dressage Federation e no Canadá em todos os níveis, desde o treinamento até o Grand Prix, montando cavalos que ela mesmo treina.
Caballiana 2012 – o evento foi um sucesso
O setor de cavalos no Brasil movimentou o Quality Resort & Convention Center, em Itupeva, São Paulo, nos dias 21 e 22 de abril com a realização de três eventos em um, além de um inédito show equestre. Tendo no comando a Wolff Sports, de São Paulo, e realização do Instituto Passo a Passo, o II Seminário Internacional Caballiana, VII Congresso Internacional de Medicina Veterinária Equina da Confederação Brasileira de Hipismo (CBH) e o I Workshop Internacional de Equoterapia contaram com público estimado em 700 pessoas, de várias regiões do País, entre veterinários, criadores, proprietários de cavalos, atletas e profissionais de diversas áreas ligadas à equinocultura.
Este ano, a palestrante internacional convidada foi a médica veterinária inglesa Dra. Hilary Clayton, ícone da medicina esportiva equina. Foi entrevistada pela Dra. Patrícia Miyashiro , mestre em medicina veterinária e biomecânica pela USP, que a pedido da APAMVET , nos transmite um resumo das apresentações da palestrante.

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